Capítulo 40. Do palácio ao mercado, reavaliações de quotidianos femininos no renascimento em Portugal
| Autor | Maria Leonor García Da Cruz |
| Cargo del Autor | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Centro de História da Universidade de Lisboa |
| Páginas | 732-754 |
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CAPÍTULO 40
DO PALÁCIO AO MERCADO,
REAVALIAÇÕES DE QUOTIDIANOS FEMININOS
NO RENASCIMENTO EM PORTUGAL
MARIA LEONOR GARCÍA DA CRUZ
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Centro de História da Universidade de Lisboa
1. INTRODUÇÃO
Embora continuidade das épocas anteriores, o Renascimento traz con-
sigo antagonismos e controvérsias que dele farão uma era própria, com
mais tópicos de debate em virtude da ampliação da visão do mundo e
dos homens, e com procura de soluções a desafios de ordem demográ-
fica, renovações políticas, dinâmicas económicas e sociais, seculariza-
ções institucionais e culturais.
Numa época de novas dinâmicas pela exploração de mundos até há
pouco desconhecidos da Europa, seja abrindo e regularizando circuitos
comerciais, relações políticas, missões de apostolado, descobrindo a al-
teridade de povos e de culturas, que reavaliações o homem faz de si pró-
prio, da sua humanidade? No impacto com sociedades diferentes como
se revê em questões de género?
Respostas múltiplas correspondem a estudos específicos que se vão re-
alizando sobre o equipamento teórico e legislativo de diferentes áreas
do mundo, as normas, quantas vezes formas residuais de circunstâncias
passadas, ou sobre observações de uma prática quotidiana, ortodoxa ou
por vezes desviante, marginal, clandestina. Do rescaldo de testemunhos
ressaltam relatos de povos e de terras, tratados jurídicos ou doutrinais,
comentários éticos, assim como criações artísticas de cariz descritivo,
de índole pedagógica e moralizadora, quiçá reafirmando arquétipos de
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diferentes épocas ou utilizando a ironia e a sátira como armas concerta-
doras de uma sociedade ideal.
O alargamento cultural das elites, provenham estas dos meios aristocrá-
ticos e de Corte ou dos meios de negócio e citadinos, repercutindo-se
em círculos eclesiais ou civis, perspectiva-se com fenómenos como o da
secularização de instituições políticas, de administração central ou regi-
onal, municípios, organismos comerciais e financeiros, instâncias de
instrução (das humanidades à cartografia, astronomia, contabilidade).
Tal alargamento cultural perspectiva-se igualmente com a internaciona-
lização de negócios e de redes de indivíduos activos, sejam comercian-
tes, exploradores, militares, missionários, diplomatas ou juristas.
O humano e a valorização da acção do homem está na ordem do dia.
Alargam-se e adaptam-se conceitos em discussões teológicas e jurídicas.
É grande o impacto da descoberta de novos povos sobretudo no conti-
nente americano, obrigando à reavaliação da igualdade do género hu-
mano. O contraste de culturas reforça uma reflexão que se vem fazendo
sobre as relações do homem e do divino. A modernidade chegará a teo-
rizações políticas nos séculos XV e XVI onde a ordem humana será a
responsável pelas normas e configurações da sociedade e da representa-
tividade do supremo poder231, muito embora a centúria de quinhentos,
com as suas tensões e conflitos de fé prolongue um tipo de Estado con-
fessional.
Com as modificações culturais e a promoção de movimentos de reforma
espiritual e disciplinar, tão incisivos e constantes nestes séculos, reavi-
vam-se experiências e reflexões em tratados, epistolário, nas belas letras
e nas belas-artes232, que em novos contextos originarão visões solidifi-
cadas ou revisões, controvérsias, até chegar pela pena ou pelo acto, pú-
blico ou privado, a soluções que escamoteiam uma aparente tolerância
para se revelarem de violência extrema.
231 Obras de Maquiavel e de Jean Bodin ocasionarão comentários e críticas acaloradas em
pensadores ibéricos (Albuquerque, 2012; Albuquerque, 1978; Albuquerque, 2007; Cruz, 2019).
232 Representações pictóricas idealizando ou condenando a mulher em Grieco (1991).
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