Capítulo 28. Histórias de marias: descobrindo o Brasil através da vivência de duas mulheres pobres e negras

AutorLucas Reis-Silva
Cargo del AutorUniversidad de Granada
Páginas550-570
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CAPÍTULO 28
HISTÓRIAS DE MARIAS: DESCOBRINDO
O BRASIL ATRAVÉS DA VIVÊNCIA DE DUAS
MULHERES POBRES E NEGRAS
LUCAS REIS-SILVA8
Universidad de Granada
1. INTRODUÇÃO
A construção do Brasil diz respeito a movimentos peculiares dentro de
um marco de congruências e divergências condizentes com um processo
histórico concreto. Sua formação, enquanto uma nação, expressa tensões
sociais materializadas pela ação de sujeitos em posições específicas den-
tro de um tecido social previamente estabelecido.
O país é resultante de movimentos contínuos, repletos de nuances e con-
tradições que o elaboram de forma heterogênea, permeado por um apro-
fundamento entre classes. Neste sentido, existem diferentes fatores ma-
croeconômicos interconectados que condicionam a vida das pessoas –
seres sociais que movem a história num processo dialético no qual se
absorve, dinamiza e reproduz uma determinada lógica, responsável, ou
não, pela manutenção da ordem.
Neste contexto, o Brasil é uma “totalidade concreta” que se desvela me-
diante síntese da razão existente entre o agrupamento dinâmico de fato-
res sociais, econômicos e políticos que lhe performan. Analisá-lo em sua
“totalidade” nos permite reconhecer sua “realidade como um todo estru-
turado e dialético, no qual pode ser compreendido racionalmente qual-
quer fato (classe de fatos, conjunto de fatos)” (Kosík, 1967, p. 55)10 e,
8 https://orcid.org/0000-0002-9400-4146
9 lucasreis@id.uff.br
10 Tradução própria.
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atribuir-lhe um caráter “concreto”, permite-nos encontrar a “síntese de
múltiplas determinações, portanto, a unidade do diverso” (Marx, 1982,
p. 51)11 que o compõe.
Esta “totalidade concreta” tem nos fundamentos estruturantes de sua es-
sência (estrutura) o que Norbert Elias (1990) entendia ser um intercâm-
bio contínuo entre meio social e indivíduos, onde um recria o outro para
produção da realidade. Esta dinâmica estabelecida não é estática, senão
o contrário, dela decorre o movimento responsável por fazer o aconteci-
mento da história.
Esta relação dialética entre sociedade e indivíduos expressa como o pas-
sado afetou o presente e isto condiciona o futuro. Por este motivo, a pes-
quisa consiste em conhecer mais do Brasil, a partir de seu funciona-
mento (movimento cotidiano), materializado de modo objetivo, como
trajetória vital das pessoas no país. Lembrando que “os homens fazem a
sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade,
pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é
feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram”
(Marx, 2011, p. 25). Com base nesta afirmação, fundamental para com-
preender o pensamento de Marx, é que pesquisei a trajetória de duas
mulheres negras nascidas no princípio do século XX, neste caso con-
creto, minhas bisavós maternas: Maria da Penha e Florinda Maria.
2. METODOLOGIA
Este trabalho se constitui com metodologia qualitativa, recorre ao mé-
todo bibliográfico, valendo-se da história oral como forma de registrar
as “histórias de vida” das pessoas que orientam este estudo. Existe um
suporte expressivo de fontes fotográficas e documentais obtidas de um
acervo familiar. Estas fontes são relativamente escassas, porém, permi-
tem uma maior aproximação com as trajetórias de Maria da Penha e Flo-
rinda Maria.
A pesquisa realizada procura abdicar do sectarismo e do esteticismo,
comum em concepções pós-modernas, rompendo com o idealismo
11 Tradução própria.

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