O direito achado na rua e o neoliberalismo de austeridade

AutorAlexandre Bernardino Costa
Cargo del AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania - PPGDH/CEAM da UnB
Páginas61-80
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CAPÍTULO TERCERO.
O direito achado na rua e o neoliberalismo de austeridade
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1. INTRODUÇÃO
A política de austeridade fiscal não é uma novidade. Porém, após a crise
econômica mundial de 2008, a qual foi tão grave quanto a de 1929, austeridade
passou a ser a palavra de ordem. Como uma crise que foi gerada pelos bancos
e pelo sistema financeiro, e foi salva pelos países, pelos cidadãos, transformou-
se em uma crise da dívida pública? Essa é uma questão central acerca do tema.
A crise no sistema bancário/hipotecário/financeiro dos Estados Unidos
da Améric atingiu o mundo todo em 2008. Foram gastos de dinheiro do
contribuinte, do cidadão, aproximadamente 13 trilhões de dólares, e, segundo
alguns autores, já chegou a 21 trilhões. Uma nova crise atingiu o mundo, com
menor intensidade, em 2011, quando novamente o socorro veio dos Estados,
dos cidadãos.
No mundo todo, sobretudo nos países do Sul global (Santos, 2018), está
sendo aplicada a política econômica neoliberal de austeridade, inclusive no
Brasil. Contudo, essa política apresenta evidentes falhas na sua eficácia, já
reconhecidas, inclusive pelo próprio FMI, Fundo Monetário Internacional,
mas que a recomenda. Da mesma forma, a política econômica de austeridade
carece de comprovação empírica e sustentação científica.
Todavia, aplicar austeridade tem um caráter moral, ideológico, e
resulta por beneficiar um determinado segmento da economia. Para isso,
o neoliberalismo precisa transformar-se em uma racionalidade, uma razão
social, uma moralidade e uma governamentalidade.
1 Professor Associado da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos
Humanos e Cidadania - PPGDH/CEAM da UnB; Co-líder do grupo de pesquisa CNPq, O Direito Achado
na Rua; Membro do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais - IPDMS e da Associação Brasileira
de Juristas pela Democracia - ABJD.
Alexandre Bernardino Costa
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O presente texto buscará abordar como austeridade percorre o caminho
para transformar-se na política econômica a ser aplicada a fim de resolver
os problemas dos países em crise, bem como as consequências disso, e
como o Direito Achado na Rua pode ser uma forma de enfrentamento ao
autoritarismo econômico.
2. UMA IDEIA PERIgOSA
Mark Blyth esclarece o perigo da austeridade, pois já não se trata do plano
das ideias, mas da prática que causa males para a vida de milhões de pessoas.
Contudo, antes, é necessário compreender de onde partem os formuladores
dessas ideias e onde querem chegar.
Austeridade é uma forma de deflação voluntária em que a economia
se ajusta através da redução de salários, preços, e despesa pública para
restabelecer a competitividade, que (supostamente) se consegue melhor
cortando o orçamento do Estado, as dívidas e os déficits. Fazê-lo, acham
seus defensores, inspirará a “confiança empresarial” uma vez que o governo
não estará “esvaziando” o mercado de investimento ao sugar todo capital
disponível através da emissão de dívida, nem aumentando a já “demasiada
grande” dívida da nação (Blyth, 2017: 22).
Dessa forma, se os Estados gastadores passarem a poupar para garantir o
pagamento da dívida pública aos bancos, os investimentos privados retornarão
e a confiança retornará. A economia dos países crescerá, e aqueles que
adotaram a austeridade, após o sacrifício de sua população, terão o benefício
recebido ao final. Só que isso não corresponde à realidade, e somente
beneficia os bancos (Blyth, 2017: 27 e 28).
Um efeito imediato da política de austeridade e da retirada de direitos
é que atingem diretamente com mais intensidade os mais pobres, pois eles
dependem das políticas públicas de direitos sociais, ao passo que os ricos
têm instrumentos para lidar com a ausência de tais políticas, que, no final
das contas, nunca lhes fez falta. A parte inferior da pirâmide social depende
diretamente do sistema de direitos oriundo das políticas públicas: saúde,
educação, transporte, seguridade social, saneamento básico, lazer, cultura,
etc.
Em um país com as desigualdades que há no Brasil, as políticas de
austeridade são ainda mais cruéis, pois, segundo Pedro H. G. Ferreira de
Souza: Em 2013, o milésimo mais rico apropriou-se de 10% da renda total, o

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