O processo de fusão e a tutela dos credores à luz do regime jurídico português e breves notas comparativas entre os regimes jurídicos português e espanhol

AutorMarisa Dinis
Páginas180-195
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O processo de fusão e a tutela dos credores à luz do regime jurídico
português e breves notas comparativas entre os regimes jurídicos
português e espanhol
MA R I S A DI N I S *
Universidad de Salamanca
1. Considerações iniciais
Ao processo segundo o qual duas ou mais sociedades reúnem numa só os respetivos ele-
mentos pessoais e patrimoniais, extinguindo-se todas e criando uma nova ou extinguindo-se
uma ou algumas e incorporando-se todos os elementos numa sociedade pré-existente, cha-
mamos fusão346.
* Doutora em Direito (Universidade de Salamanca – Faculdade de Direito), desde 2010. Mestre em
Direito (Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito), desde 2007. Professora-Adjunta no Instituto
Politécnico de Leiria, desde 2002. Membro efetivo do Centro de Investigação de Estudos Jurídicos (Insti-
tuto Politécnico de Leiria).
346 A lei portuguesa não nos dita uma noção de fusão referindo, apenas, nas al. a) e b) do n.º 4 do artigo
97.º do Código das Sociedades Comerciais, as modalidades que este instituto pode revestir. Podemos, com
efeito, concluir que, nos termos da al. a) daquele n.º 4, a fusão pode operar por incorporação ou absorção,
quando uma das sociedades participantes na fusão incorpora a outra ou outras que transferem para aquela
todo o seu património e se extinguem. Os sócios das sociedades extintas passam a ser sócios da sociedade
incorporante que mantém a sua individualidade jurídica. Por sua vez, de acordo com a al. b) do mesmo n.º
4, a fusão pode dar-se por constituição de uma nova sociedade, também designada por fusão concentração.
Neste caso, depois de uma transferência global do património das sociedades participantes para a nova
sociedade aquelas extinguem-se e os respetivos sócios recebem participações sociais na sociedade constitu-
ída. São ainda admissíveis situações de cisão-fusão, global e parcial. Nas primeiras, as sociedades cindidas,
dividem na totalidade o seu património em duas ou mais partes que serão fundidas noutras já existentes ou
constituem uma nova sociedade com partes de sociedades originadas por processos de cisão. Nas segundas,
sucede fundamentalmente o mesmo, mas as sociedades cindidas mantêm a sua personalidade jurídica por-
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Marisa Dinis
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Foi em 1888, por via da publicação do Código Comercial, que o instituto da fusão me-
receu acolhimento jurídico no ordenamento português, pela primeira vez347. Sob inspiração
do Códice di Comercio Italiano, o legislador luso reservou três artigos (124.º a 127.º) para
regular esta matéria. Pese embora o reduzido número de preceito legais dedicados à causa,
assumia especial relevo o artigo 126.º que, atendendo de forma particular aos interesses dos
credores no processo de fusão, lhes concedia o direito de oposição e determinava a suspensão
da fusão enquanto esta não fosse judicialmente resolvida348.
Quase um século volvido, reconhecendo a manifesta insuficiência do regime então vi-
gente, publicou-se o Decreto-Lei n.º 598/73, de 8 de novembro, que se afirmou no respetivo
preâmbulo como um “passo no esforço de modernização do direito, das sociedades comer-
ciais” e cujo objetivo residia num tratamento legislativo mais aprofundado do instituto da
fusão e na consagração, ex novo, do instituto da cisão. Porque, à data, o direito atribuído
aos credores no artigo 126.º do Código Comercial era entendido como um dos principais
entraves à concretização de fusões houve necessidade de o diploma de 1973 dedicar especial
atenção ao tema, mantendo a consagração do direito sem, no entanto, comprometer, no seu
entendimento, a realização de fusões. Foi, pois, com o intuito de alcançar um equilíbrio entre
os dois interesses aqui em causa, o dos credores, por um lado, e o socioeconómico, por outro,
que o n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 598/73 consagrou a possibilidade de os credores
das sociedades participantes deduzirem oposição judicial, nos trintas dias subsequentes à
publicação do registo provisório da deliberação de sócios que aprovava a fusão, promovido
obrigatoriamente pela administração de cada uma das sociedades participantes. Para tanto,
teriam os credores de alegar que a concretização da fusão acarretaria prejuízos para a satis-
fação dos seus direitos e provar que os seus créditos eram anteriores à data da publicação
suprarreferida.
A matéria da fusão passa, em 1986, a ser regulada pelo Código das Sociedades Comer-
ciais (CSC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, onde permanece atual-
mente, com as respetivas alterações legislativas349. Neste âmbito, a redação original do CSC
que não se extinguem já que destacam apenas parte do seu património para a fundir com outras sociedades
já existentes ou para criar uma nova sociedade com partes de sociedades objeto de cisão. Sobre a noção
de fusão, vd., entre outros, VENTURA, Raúl, Fusão, Cisão e Transformação de Sociedades – Comentário
ao Código das Sociedades Comerciais, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, páginas 14 e 15; GONÇALVES,
Diogo Costa, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coord. António Menezes Cordeiro, 2ª ed. Al-
medina, Coimbra, 2009, pág. 337; MARQUES, Elda, Código das Sociedades Comerciais em Comentário,
Vol. II, Coord. Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, Coimbra, 2011, página 155.
347 Para um estudo sobre a evolução legislativa do instituto da fusão no regime jurídico português,
vd. NOGUEIRA SERENS, “A translação de empresas nos negócios de fusão e de cisão”, IV Congresso de
Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2016, pp. 1-15.
348 Referia o artigo 126.º que “durante o prazo fixado no artigo anterior [3 meses] pode qualquer
credor das sociedades opor-se à fusão.” E no seu parágrafo único precisava que “a oposição suspenderá a
fusão enquanto não for judicialmente resolvida”.
349 Neste âmbito, importa referir os seguintes diplomas: Decreto-Lei n. 280/87, de 08/07; Decreto-Lei
n. 111/2005, de 08/07; Decreto-Lei n. 76-A/2006, de 29/03; Retificação n.º 28-A/2006, de 26/05; Decreto-
Lei n. 8/2007, de 17/01; Lei n.º 19/2009, de 12/05; Decreto-Lei n. 185/2009, de 12/08; Decreto-Lei n.
53/2011, de 13/04.

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