Capítulo quinto. O horizonte da cultura jurídica brasileira: reflexões desde a crítica decolonial e reafirmação dos direitos humanos

AutorIvone Fernandes Morcilo Lixa
Cargo del AutorProfessora de Teoria do Estado e Direito Contemporâneo. Universidad Regional de Blumenau, Santa Catarina, Brasil.
Páginas115-135
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Capítulo quinto.
O horizonte da cultura jurídica brasileira:
reflexões desde a crítica decolonial
e reafirmação dos direitos humanos
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1. INTRODUÇÃO
Refletir acerca do horizonte da cultura jurídica brasileira desde a crítica
decolonial e tendo como contexto o atual cenário político, significa a neces-
sária tomada de consciência e atitude de questionamento do presente a par-
tir das condições históricas concretas para sua superação. Se o ser humano
é definido pela história, por suas relações intersubjetivas e que, segundo a
dimensão vital adotada, a compreensão e apropriação de sua história define
escolhas é possível ao sujeito histórico tanto afirmar e conservar o passado
como, identificando os elementos emancipadores do presente, construir um
futuro generoso e humanizador.
Com a perspectiva de reconhecer os elementos emancipadores da cul-
tura jurídica brasileira, discutindo seu horizonte histórico e reconhecendo
que, desde tal perspectiva há um Outro negado pelas totalidades colonizado-
ras e homogenizadoras eurocêntricas, com vistas a um novo futuro inclusivo
e emancipador é que se pretende, nesse trabalho, refletir acerca das expe-
riências da cultura jurídica coletivamente partilhadas no espaço geopolítico
e cultural brasileiro. Desde tal análise, trata-se de estabelecer um horizonte,
uma perspectiva de mundo, que possibilite o confronto –oposição do novo
(presente, atual e questionador) ao antigo (dominante, a tradição)– do que
permanece oculto pelos paradigmas dominantes. Como resistências a serem
superadas, pois como lembra Gadamer que “O novo deixaria de sê-lo se não
tivesse que se afirmar contra alguma coisa” (Gadamer, 1998: 14).
O interesse em refletir acerca da experiência cultural colonizadora desde
a historicidade é uma exigência quando se tem em conta o questionamento
da história efeitual. A história efeitual é o que determina de antemão o que se
1 Professora de Teoria do Estado e Direito Contemporâneo. Universidad Regional de Blumenau,
Santa Catarina, Brasil.
Ivone Fernandes Morcilo Lixa
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mostra à primeira vista como questionável e objeto de investigação, portanto,
uma maneira de superar a ingênua compreensão na qual nos orientamos pelo
padrão de compreensibilidade (Gadamer, 1997: 449-450). “Quando se nega a
história efeitual na ingenuidade da fé metodológica, a consequência pode ser
até uma real deformação do conhecimento.” (Gadamer, 1997: 450). Mas não
se trata apenas de mero reconhecimento do poder da história efeitual como
elemento hermenêutico, mas, sobretudo de torná-la consciente a fim de
reconhecer outras possibilidades compreensivas desde o Outro. Sem a pre-
tensão de apreender um saber absoluto, a consciência da história efeitual é,
segundo Gadamer, em primeiro lugar consciência da situação em que nos si-
tuamos em face da tradição que se quer compreender.
A situação do presente compreensivo representa, assim, as possibilidades que
limitam o fenômeno compreensivo. Trata-se do âmbito de visão – horizonte no
sentido hermenêutico – que inclui tudo o que é visível a partir de um ponto. A
consciência da história efeitual permite a abertura para outros horizontes, para
uma ampliação inclusiva de novos pontos de mirada. Nas palavras de Gadamer:
Ter horizonte significa não estar limitado ao que há de mais próximo, mas
poder ver além disso. Aquele que tem horizonte sabe valorizar corretamente
o significado de todas as coisas que caem dentro deles, segundo padrões de
próximo e distante, de grande e pequeno. A elaboração da situação herme-
nêutica significa então a obtenção do horizonte de questionamento correto
para as questões que se colocam frente à tradição (Gadamer, 1997: 452).
A presente reflexão, desde o conceito de cultura de Enrique Dussel, é uma
tentativa visibilizar e problematizar os elementos fundacionais do conjunto de
representações hegemônicas dos juristas no Brasil, tarefa que em tempos de
crise, tal qual está a viver a sociedade brasileira nos dias de hoje, ganha sentido
a fim de repensar e reordenar a tradição com vistas a “depurar criticamente
determinadas práticas sociais, fontes fundamentais e experiências pretéritas
que poderão, no presente, viabilizar o cenário para um processo de conscien-
tização e emancipação” (Wolmer, 2019: 1).
2. CULTURA E DOMINAÇÃO: BREVE REFLEXÃO DESDE ENRIQUE
DUSSEL 2
Em que pese o fato de que Dussel não discutir diretamente o conceito
de cultura jurídica, sua imensa produção intelectual oferece um rico funda-
2 O tópico a seguir resulta das discussões e pesquisas reflexões realizadas em conjunto com Carlos
Eduardo Nascimento mestrando do Programa de Mestrado em Direito da FURB (PPGDFURB) o qual
desenvolveu dissertação de mestrado sobre o tema sob orientação da autora.

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