Proibiçào de assistência financeira -Notas para a sua interpretaçào e aplicaçào

AutorBernardo Abreu Mota
CargoAdvogado
Páginas107-111

(A propósito do Projecto de Relatório do Parlamento Europeu sobre a proposta da Comissão Europeia para alteração da Segunda Directiva)

Introdução

O art. 322.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais estabelece que: «uma sociedade não pode conceder empréstimos ou por qualquer forma fornecer fundos ou prestar garantias para que um terceiro subscreva ou por outro modo adquira acções representativas do seu capital». A proibição estende-se à subscrição e aquisição de acções na sociedade dominante por força do art. 325.º-B, n.º 1.

O n.º 2 do artigo 322.º admite duas excepções ao disposto no n.º 1 ?«as transacções que se enquadrem nas operações correntes dos bancos ou de outras instituições financeiras» e as «operações efectuadas com vista à aquisição de acções pelo ou para o pessoal da sociedade ou de uma sociedade com ela coligada»?, desde que, em qualquer caso, de tais transacções e operações não resulte que «o activo líquido da sociedade se torne inferior ao montante do capital subscrito acrescido das reservas que a lei ou o contrato de sociedade não permitam distribuir».

No que respeita à sanção, o n.º 3 do art. 322.º determina expressamente a nulidade dos negócios proibidos. Adicionalmente, o n.º 1 do art. 510.º sujeita a multa até 120 dias os membros da administração que dolosamente (cfr. art. 527.º, n.º 1), por qualquer meio, facultem fundos ou prestem garantias da sociedade para que outrem subscreva ou adquira acções representativas do seu capital social.

Nas operações de financiamento à aquisição de participações sociais surgem regularmente questões complexas relacionadas com a proibição de assistência financeira. Tal complexidade ?em conjunto com a que muitas vezes resulta inerente à própria natureza da operação? prende-se com a dificuldade de interpretação e aplicação do art. 322.º, n.º 1. É, pois, essencial determinar qual o pensamento legislativo que subjaz à norma e a fundamenta nomeadamente ponderando o interesse específico que o legislador pretende acautelar com a proibição de assistência financeira. Posteriormente, cabe aplicá-la a casos concretos. Numa segunda parte deste artigo a publicar, ensaiaremos alguns exemplos.

Tudo com a nota de que, nestas breves linhas, pouco mais poderemos almejar do que deixar alguns apontamentos para reflexão sobre parte da problemática relativa à proibição da assistência financeira, tentando enquadrá-los numa perspectiva históricoevolutiva em face das modificações legislativas que, lentamente, parecem aproximar-se.

Interpretação da proibição de assistência financeira -o pensamento legislativo

Das normas sobre a interpretação e integração de lacunas

Entre nós, as regras da interpretação da lei vêm previstas no art. 9.º do Código Civil. Do disposto nos n.os 1 e 2 deste artigo resulta que, a partir da letra da lei e no seu limite, o intérprete deverá reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta (i) as circunstâncias em que a lei foi elaborada (elemento histórico, composto por história do instituto, fontes e trabalhos preparatórios), (ii) as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada (vertente actualista da interpretação) e (iii) a unidade do sistema jurídico (elemento sistemático sentido da norma no ordenamento global, incluindo o local em que se insere). Presume-se que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» e que «consagrou as soluções mais acertadas» (art. 9.º, n.º 3 do mesmo Código).

No âmbito da integração, existindo um caso omisso, poderá justificar-se o recurso à analogia. Recorde-se que as normas excepcionais não comportam aplicação analógica (art. 11.º do Código Civil).

Finalmente, note-se que, como diz Carlos Alberto da Mota Pinto, «quando se constate, por interpretação, que a lei quis impedir, de todo em todo, um certo resultado, os negócios que procuram contornar uma proibição legal [...] tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei expressamente previue proibiu» são celebrados em fraude à lei e ficam feridos de nulidade [Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil 4ª ediçao por Antonio Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pág. 557 (itálico nosso)]. A fraude à lei será, assim, a protecção in extremis da ratio legis.

As circunstâncias em que a lei foi elaborada

A proibição da assistência financeira tem origem no direito inglês ? inicialmente, no art. 16 do Companies Act 1928, o qual foi depois reproduzido sem alterações no art. 45 do Companies Act 1929 (cfr. Eilís Ferran, Company Law and Corporate Finance, New York, Oxford University Press, 2005, pág. 374). Após a 1.ª Guerra Mundial, tornou-se prática habitual que investidores, detectando uma sociedade com liquidez substancial ou com facilidade de obtenção de financiamento, designadamente através dos denominados empréstimos de guerra, comprassem a maioria ou a totalidade das acções representativas do seu capital social, diligenciando no sentido de que o preço de...

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