Cisão de sociedades e o regime da responsabilidade da beneficiária por dívidas da sociedade cindida

AutorJosé Costa Pinto
CargoAbogado del Área de Derecho Mercantil de Uría Menéndez (Lisboa).
Páginas112-116

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Introdução

Importa reconhecer que a clareza dos regimes legais subjacentes aos institutos jurídicos consubstancia uma condição sine qua non da qualidade e eficiência das decisões a adoptar, bem como da necessária segurança jurídica. Neste contexto, cumpre chamar a atenção para o regime jurídico aplicável à cisão de sociedades previsto no Código das Sociedades Comerciais (doravante o «CSC»), em particular, no que respeita à (eventual) responsabilidade de uma sociedade beneficiária de uma operação de cisão pelas dívidas da sociedade cindida que não lhe sejam transmitidas, matéria que é aqui objecto da nossa análise. Devemos sublinhar que, como é fácil de ver, a relevância desta questão ultrapassa em muito o mero âmbito dos interesses dos sócios e órgãos de administração das sociedades envolvidas, estendendo-se aos respectivos credores, trabalhadores e demais interessados.

Da análise da doutrina nacional mais relevante, resultam claras as dúvidas e divisões que subsistem quanto à possibilidade de um credor da sociedade cindida (ou de uma das sociedades beneficiárias) poder vir a exigir de uma (outra) sociedade beneficiária o pagamento de dívidas (em sentido lato, isto é, o cumprimento de obrigações) que nos termos de uma operação de cisão não lhe tenham sido transmitidas expressamente. A par desta constatação, deparamo-nos ainda com uma significativa escassez de decisões judiciais sobre esta matéria.

Mais do que pretender procurar respostas taxativas à problemática em análise, o objectivo deste artigo é aclarar os argumentos avançados pela doutrina e pela jurisprudência mais relevantes para defender os diferentes pontos de vista apresentados sobre a mesma. Vejamos.

A Cisão de Sociedades e o Regime da Responsabilidade por Dívidas (Artigo 122º do CSC)

Nos termos do artigo 118.º do CSC, uma sociedade comercial pode «a) Destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade; b) Dissolver-se e dividir o seu património, sendo cada uma das partes resultantes destinada a constituir uma nova sociedade; c) Destacar partes do seu património, ou dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade». Com base nestas diferentes possibilidades, entre outras modalidades e sub-modalidades que uma operação de cisão pode assumir, é comum encontrarmos referência à «cisão simples», à «cisão-dissolução» e à «cisão-fusão». Por outro lado, distingue-se ainda o conceito de «cisão parcial» e de «cisão total», consoante a sociedade cindida subsista à operação de cisão ou não, respectivamente.

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Regulada pela primeira vez de forma exaustiva em Portugal através do Decreto-lei n.º 598/73, de 8 de Novembro, a cisão de sociedades encontra-se actual-mente disciplinada nos artigos 118.º a 129.º do CSC. São ainda aplicáveis à cisão, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à fusão de sociedades comerciais previstas nos artigos 97.º a 117.º-L do CSC, ex vi o artigo 120.º do mesmo código.

Interessam-nos em particular para o âmbito do presente texto as normas previstas no artigo 122.º do CSC, o qual estabelece o regime relativo à responsabilidade por dívidas no âmbito da cisão, nos seguintes termos (i) «a sociedade cindida responde solidariamente pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade incorporante ou à nova sociedade» (Cfr. artigo 122.º, n.º 1, do CSC); «as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial; pode, todavia, convencionar-se que a responsabilidade é meramente conjunta» (Cfr. artigo 122.º, n.º 2, do CSC); e «a sociedade que, por motivo de solidariedade prescrita nos números anteriores, pague dívidas que não lhe hajam sido atribuídas tem direito de regresso contra a devedora principal» (Cfr. artigo 122.º, n.º 3, do CSC). Complementando este regime, dispõe ainda o nosso legislador que, nos casos de cisão-dissolução, «não tendo a deliberação de cisão estabelecido o critério de atribuição de bens ou de dívidas que não constem do projecto definitivo de cisão, os bens serão repartidos entre as novas sociedades na proporção que resultar do projecto de cisão; pelas dívidas responderão solidariamente as novas sociedades» (Cfr. artigo 126.º, n.º 2, do CSC).

Este regime tem suscitado alguns debates na doutrina, entre os quais o que ora nos ocupa. Com efeito, se é claro neste regime legal que a sociedade cindida responderá solidariamente por dívidas que tenha transmitido à sociedade beneficiária no âmbito de uma operação de cisão, já não é tão claro quando é que esta última deve ser, também, responsável pelas dívidas da sociedade cindida ou por esta transmitidas a outras sociedades beneficiárias da mesma...

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