As listas de iniciados e as agências de rating

AutorAna Sá Couto
CargoAdvogada, del Area de Derecho Mercantil de Uría Menéndez (Lisboa)
Páginas48-52

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The rating agencies are the paper investing world’s equivalent of an air traffic control system

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Introdução

Em épocas de crise nos mercados financeiros como a que vivemos no presente momento, as atenções viram-se necessariamente para o papel dos diferentes agentes do mercado, cuja actuação é susceptível de influenciar, de uma maneira ou de outra, o seu regular funcionamento.

Entre outros, as empresas de notação do risco de crédito (vulgarmente conhecidas e doravante designadas por agências de rating) assumem lugar de destaque. A este propósito, a Comissão Europeia refere na sua Comunicação sobre as Agências de Notação (Comunicação CE) que estas «desempenham uma função essencial nos mercados bancários e dos valores mobiliários a nível mundial.»2, opinião partilhada e manifestada publicamente por diversos outros organismos e instituições.

A importância crescente das agências de rating, revela-se tanto ao nível dos investidores e da tomada de decisões de investimento, como ao nível dos emitentes, condicionando fortemente a colocação dos instrumentos financeiros sobre os quais emitem parecer e influenciando, com impacto por vezes material, os custos de angariação de capital das empresas. Para este efeito, tem igualmente contribuído de modo significativo, o estabelecimento de requisitos regulamentares determinados pelas notações de risco de crédito atribuídas.

Um dos temas que ganha particular actualidade neste contexto e que adiante abordaremos com maior detalhe, respeita ao acesso, pelas agências de rating, a informações privilegiadas relativas às empresas.

Os contornos desta questão, que mereceu tratamento expresso no código dos princípios fundamentais de conduta das agências de rating elaborado pela Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários3 (Código IOSCO), haviam sido anteriormente enunciados em diversas iniciativas dos organismos competentes, quer a nível europeu, nomeadamente na Resolução do Parlamento Europeu (Fevereiro de 2004) sobre a função e os métodos das agências de rating4, quer a nível global, em particular nos Estados Unidos da América, país cuja experiência nesta matéria, como noutros domínios do mercado de capitais, é amplamente considerado como benchmark.

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No quadro normativo europeu aplicável às agências de rating, o acesso a informação privilegiada foi objecto de tratamento específico na Directiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (Directiva do Abuso de Mercado).

As listas de iniciados surgem, neste contexto, como uma das principais medidas destinadas a prevenir o abuso de mercado5, com o fim último de proteger a sua integridade.

A Directiva do Abuso de Mercado

A Directiva do Abuso de Mercado visou, no essencial, dar resposta à necessidade de assegurar uma maior coerência da legislação relativa à prevenção e combate ao abuso de mercado, inserida no Plano de Acção para os Serviços Financeiros.

Da exposição de motivos constante dos seus Considerandos, destacam-se1 a necessidade de adoptar regras conjuntas para combater tanto o abuso de informação privilegiada como a manipulação de mercado, de molde a garantir a coerência do sistema 2, a necessidade de evitar lacunas legislativas que permitam a prática de actos injustificados e que afectem a confiança do público 3, a necessidade da divulgação rápida e leal da informação ao público e4 a imposição de uma maior transparência das transacções efectuadas pelas pessoas com responsabilidades de direcção nos emitentes e entidades com elas relacionadas.

Assinala-se também a novidade protagonizada pela Directiva do Abuso de Mercado no quadro normativo europeu, tendo sido pioneira na aplicação do procedimento legislativo comunitário comummente conhecido por processo Lamfalussy6, que consubstancia a existência de quatro níveis no esquema de regulamentação, a saber: os instrumentos jurídicos de nível 1 —entre os quais se insere a Directiva de Abuso de Mercado— que consagram os princípios e regras gerais do regime legal em causa; as normas de execução desses princípios (plasmadas em directivas e regulamentos), que concretizam o núcleo base das medidas de nível 2; as iniciativas de nível 3, destinadas a assegurar a uniformidade da transposição das disposições comunitárias para o direito interno dos Estados-Membros, envolvendo a cooperação das autoridades de supervisão nacionais entre si, os Estados-Membros e a Comissão Europeia, e a emissão de recomendações e pareceres pelas instâncias de cooperação supra-nacionais; e, por último, o nível 4, traduzido na vigilância e reforço, pela Comissão, da boa transposição e aplicação do Direito comunitário, a par da monitorização da eficácia do procedimento de regulamentação no seu conjunto.

No que se refere à Directiva do Abuso de Mercado, as medidas de nível 2 foram consagradas (i) na Directiva 2003/124/CE da Comissão de 22 de Dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de execução da Directiva do Abuso de Mercado no que diz respeito à definição e divulgação pública de informação privilegiada e à definição de manipulação de mercado (Directiva 2003/124/CE), (ii) na Directiva 2003/125/CE da Comissão de 22 de Dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de execução da Directiva do Abuso de Mercado no que diz respeito à apresentação imparcial de recomendações de investimento e à divulgação de conflitos de interesses (Directiva 2003/125/CE), (iii) no Regulamento (CE) n.º 2273/2003 da Comissão, de 22 de Dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de execução da Directiva do Abuso de Mercado no que diz respeito às derrogações para osPage 50 programas de recompra e para as operações de estabilização de instrumentos financeiros (Regulamento (CE) 2273/2003) e, finalmente, (iv) na Directiva 2004/72/CE da Comissão, de 29 de Abril de 2004, relativa às modalidades de execução da Directiva do Abuso de Mercado no que diz respeito às práticas de mercado aceites, à definição de informação privilegiada em relação aos instrumentos derivados sobre mercadorias, à elaboração de listas de iniciados, à notificação de operações efectuadas por pessoas com responsabilidades directivas e à notificação de operações suspeitas (Directiva 2004/72/CE).

Note-se que, com excepção das disposições de nível 2 consagradas no...

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