Fenómeno de concentraçáo empresarial no ámbito do direito do trabalho

AutorInés Morais Arruda y Tito Arantes Fontes
CargoAbogados
Páginas26-37

Ins Morais Arruda y Tito Arantes Fontes

Abogados *

1 · PROBLEMÁTICA DO GRUPO DE EMPRESAS NO ÂMBITO DO DIREITO DE TRABALHO

1.1 · Fenómeno de concentração empresarial no Direito do Trabalho. Breve introdução do tema

O fenómeno da concentração empresarial é, hoje, uma realidade face à qual o Direito do Trabalho não pode ficar indiferente. Tradicionalmente, o Direito do Trabalho tomou como centro de referência, no que concerne à constituição, modificação e extinção das relações laborais, a empresa jurídica e economicamente independente. Este modelo mostra-se, contudo, claramente insuficiente para fazer face à nova forma de organização empresarial assente na dogmática dos «grupos».

A concentração empresarial visa, essencialmente fins económicos, financeiros e organizacionais (cuja virtualidade não ousamos pôr em causa, nem cabe no âmbito do presente trabalho a sua análise), mas conduz, concomitantemente, a uma redução da protecção laboral.

Na verdade, a perda de parte significativa da autonomia das empresas integradas num grupo mais ou menos amplo, nomeadamente no que toca ao -importante- poder de decisão, ao poder de definir estratégias próprias, a favor da sociedade mãe, não afecta a independência jurídica de cada socie- dade membro do grupo. Por outro lado, no direito português os grupos de sociedades não têm personalidade jurídica, não podendo, consequentemente, ser titulares de direitos e obrigações, pelo que o grupo nunca poderá ser, ele próprio, encarado como empregador. Talvez por essa razão seja uma realidade genericamente ignorada pelo Direito do Trabalho1.

A verdade é que no domínio do Direito do Trabalho são numerosos os direitos dos trabalhadores susceptíveis de serem afectados por este fenómeno de concentração empresarial, seja no âmbito das relações individuais de trabalho, seja no que respeita às relações colectivas de trabalho. Vejamos:

1.2 · Relações Individuais de Trabalho

O primeiro -e central- problema que este fenómeno origina diz respeito à identificação da verdadeira entidade empregadora. Na verdade, ao tornar mais ou menos indefinida a identidade desta, coloca-se, por vezes, o problema da determinação do empregador real (por oposição ao tradicional empregador formal), tarefa que é, obviamente, fundamental para que o trabalhador possa efectivar os seus direitos e definir as suas obrigações. A incerteza gerada neste domínio pode significar a negação do real exercício dos mesmos.

Suponhamos, por exemplo, que uma pessoa é contratada pela empresa X, para exercer a actividade de motorista. Porém, presta indistintamente trabalho para as empresas X, Y e Z, as três pertencentes ao mesmo grupo económico 2. Não existem dúvidas que, neste caso, o empregador formal será a empresa X, com quem o prestador de actividade celebrou o contrato de trabalho. Todavia, não é indiferente para apurar o estatuto jurídico do trabalhador, o facto deste prestar, simultaneamente, a sua actividade para as demais empresas do grupo. Imagine-se que a empresa X abre falência. Ficará este trabalhador sujeito a uma situação de salários em atraso e desemprego ou, pelo contrário, considerando o facto de este trabalhar, também, para as sociedades Y e Z, mantém o seu posto de trabalho junto destes empregadores? E se a empresa X deixar de pagar o salário ao trabalhador? Serão as demais sociedades -beneficiárias da actividade deste trabalhador- responsáveis pelo pagamento do salário e pelas demais responsabilidades emergentes do contrato de trabalho? Note-se que, em face do direito português, os grupos de sociedades não têm sequer personalidade jurídica não podendo, consequentemente, ser titulares de direitos e obrigações. Portanto o grupo nunca poderá ser encarado como empregador 3. Porém, surgindo este fenómeno de concentração de empresas como uma nova forma de organização da actividade empresarial -com inegáveis reflexos no âmbito do Direito do Trabalho- o intérprete não se pode limitar a identificar o empregador nos termos do contrato celebrado, necessitando de avaliar se esse empregador «formal» corresponde ao empregador real.

A estrutura do grupo é também susceptível de afectar o núcleo das obrigações dos prestadores da actividade: poderá ser exigido ao trabalhador de uma das sociedades do grupo a prestação da sua actividade a outras empresas do grupo? Existem formas específicas de mobilidade geográfica no seio dos grupos societários? Serão os deveres de sigilo e de não concorrência que incumbem aos trabalhadores das diferentes sociedades que integram o grupo extensíveis às demais? E após a cessação de um contrato de trabalho do qual consta uma cláusula de não concorrência, em que medida tal acordo poderá impedir o trabalhador de realizar a sua actividade para empresas concorrentes das sociedades em relação de grupo com o seu empregador?

Num outro plano, poderá igualmente questionar-se se o princípio do «trabalho igual, salário igual» é extensível aos trabalhadores das várias empresas de um mesmo grupo ou se, ao invés, nada obsta a que trabalhadores com a mesma categoria, antiguidade, período normal de trabalho, por trabalharem em distintas empresas do mesmo grupo, tenham diferentes remunerações, regalias sociais, etc.

Prescreve o Código do Trabalho que a extinção da entidade empregadora determina a caducidade dos respectivos contratos de trabalho, salvo quando se verifique transmissão de estabelecimento. Ora, como veremos 4, controlando a sociedade dominante/directora, em alguns tipos de grupos (especialmente nas relações de domínio total e de contrato de subordinação), a actividade da sociedade dominada/subordinada, a utilização deste esquema organizacional pode levar à extinção premeditada da sociedade dominada/subordinada, por forma a determinar a caducidade de todos os respectivos contratos de trabalho, continuando uma outra sociedade do grupo para o mesmo objecto social e contratando para o efeito novos trabalhadores.

Finalmente, o fenómeno em análise interfere, também, no regime da cessação do contrato de trabalho. Pode uma sociedade dominada/subordinada alegar desequilíbrio económico-financeiro para proceder a um despedimento colectivo, enquanto a sociedade dominante/directora -que, em seu benefício, tem dado instruções desvantajosas à primeira- está em perfeitas condições económicofinanceiras? Será lícito esse despedimento?

1.3 · Relações Colectivas de Trabalho

Outro plano do ordenamento jurídico-laboral onde o fenómeno da concentração empresarial começa a produzir importantes consequências é o das relações colectivas de trabalho.

Na verdade, a constituição de diferentes empresas com autonomia jurídica pode ser utilizada como um meio de evitar a aplicação de determinadas regras respeitantes aos Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho. Mesmo não existindo qualquer intenção fraudulenta, a mera existência de uma coligação societária pode constituir um impedimento à concretização dos direitos atribuídos às estruturas representativas dos trabalhadores.

2 · PANORÂMICA DA COLIGAÇÃO DE EMPRESAS NO DIREITO DO PORTUGUÊS. NECESSIDADE DE UM CONCEITO DE GRUPO DE EMPRESA ESPECÍFICO PARA O DIREITO DE TRABALHO

2.1 · Razão de ordem

Todas estas questões carecem, em nosso entender, de uma resposta do Direito do Trabalho, o qual, todavia, ignora praticamente esta realidade. O Código das Sociedades Comerciais (CSC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, veio regular de forma sistemática as sociedades coligadas. Sem qualquer pretensão de realizar um estudo aprofundado das figuras em causa, parece-nos relevante abordar, sucintamente, o tratamento previsto na lei das formas de coligação, para um correcto entendimento da extensão dos riscos acrescidos 5 que resultam da coligação entre sociedades para os trabalhadores das mesmas. Analisando o alcance das diversas formas de coligação elencadas no CSC, torna-se necessário apurar se as normas jurídicosocietárias respondem de modo satisfatório às questões laborais suscitadas, oferecendo protecção suficiente para eliminar ou, pelo menos, acautelar, esses riscos.

A noção de grupo de empresas para o direito de trabalho (deverá) coincide (ir) com a noção de grupo de empresas que nos é fornecida pelo CSC? Ou pelo contrário existe a necessidade de um conceito de grupo de empresa específico para o direito de trabalho? Adiantamos, porém, e como melhor explicaremos infra, que o regime das coligações de sociedades apresentado pelo CSC é limitado e redutor, não oferecendo protecção suficiente para acautelar os riscos acima enumerados. Assim sendo, a questão que, desde logo, se nos afigura de relevante interesse prático é saber qual deve ser o conceito de grupo para o Direito de Trabalho.

2.2 · Das coligações de sociedades no CSC

Reiteramos que não pretendemos fazer uma abordagem exaustiva da tipologia da coligação societária prevista no CSC (artigos 481.º a 508.º - E), mas apenas abordar os tipos de coligação que merecem um tratamento positivo pelo direito português. Podemos dizer que existe coligação de sociedades sempre que esteja preenchida uma das três modalidades enunciadas no artigo 482.º do referido diploma legal. A saber: (i) sociedades em relação de participação (simples ou recíproca); (ii) sociedades em relação de domínio; e, por fim, (iii) sociedades em relação de grupo. Vejamos:

(i) Sociedade em relação de participação: simples ou recíproca

a) Sociedades em relação de simples participação: nos termos do artigo 483.º do CSC, uma sociedade encontra-se numa relação de simples participação com outra quando aquela é titular de participações sociais em montante igual ou superior a 10% do capital social desta última, desde que simultaneamente não se verifique a existência entre ambas de outra das relações previstas no artigo 482.º do CSC, ou seja, desde que o valor da participação não ultrapasse os 50 %, caso em que se presume a existência de uma relação de domínio, de acordo com o artigo 486.º, n.º 2, alínea a), do CSC;

b) Sociedades em...

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