O IMT sobre o aumento de capital em sociedades por quotas: conformidade com o Direito da União Europeia

AutorAntónio Castro Caldas - Susana Estevão Gonçalves
CargoAbogados del Área de Derecho Fiscal y Laboral de Uría Menéndez (Lisboa).
Páginas125-131

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Introdução

No presente trabalho propomo-nos analisar, à luz do direito da União Europeia -em particular da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 («Diretiva 2008/7/CE») relativa aos impostos indiretos sobre a reunião de capitais-, o regime do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis («IMT») aplicável ao aumento de capital de sociedades por quotas que possuam bens imóveis, quando algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social de tal sociedade, tal como resulta do artigo 2º, nº 2, alínea d), do Código do IMT.

Para o efeito, iremos proceder à caraterização sumária do regime de tributação previsto no Código do IMT a este propósito e do regime previsto na Dire-tiva 2008/7/CE, para que possamos, finalmente, concluir sobre a conformidade do primeiro regime

Código do IMT -com o segundo- Diretiva 2008/7/CE -, que sempre se deverá impor em caso de desconformidade, tendo em conta o princípio do primado do direito comunitário.

Do regime de IMT aplicável à aquisição de quotas

De acordo com a regra geral estabelecida no artigo 2º, nº 1 do Código do IMT, «O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional».

Nos termos da alínea d) do nº 2 do mesmo artigo 2º do Código do IMT, incluem-se no conceito de «transmissão de bens imóveis», para efeitos do nº 1 supra transcrito, a «aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois, sendo marido e mulher, casados no regime de comunhão geral de bens ou de adquiridos». Antes da entrada em vigor do Código do IMT, encontrava-se prevista uma norma similar no artigo 2º, § 1º, n.º 6º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações («CIMSISD»).

No que ao presente trabalho diz respeito, importa notar que se tem vindo a entender (embora, na nossa opinião, tal não tenha uma correspondência suficientemente densificada na letra da lei) que da passagem «por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos» resulta que também se deverá considerar incluído no âmbito de incidência objetiva do IMT o aumento de capital social numa sociedade por quotas que origine um aumento da participação de um determinado sócio, por forma que este fique a dispor de uma participação na sociedade respetiva superior a 75%.

Com efeito, tanto a doutrina (SILVÉRIO MATEUS e L. CORDEIRO DE FREITAS, in «Os Impostos sobre o Património Imobiliário -O Imposto do Selo», Engifisco, 2005, pág. 319 e F. PINTO FERNANDES e NUNO PINTO FERNANDES, in «Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações- Anotado e Comentado», Rei dos Livros, 1997, pág. 54) como a jurisprudência se têm pronunciado neste sentido.

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A este respeito, decidiu-se, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de novembro de 1969 (proferido ainda na vigência do artigo 2º, § 1º, 6º CIMSISD) que «Quando o aumento de capital social de uma sociedade comercial por quotas que possua bens imobiliários importar, também, o aumento da percentagem de participação de um sócio naquele capital de forma a que passe a dispor de, pelo menos, 75% do mesmo, há lugar ao pagamento de sisa» (in Acórdão Doutrinais, Ano IC, nº 99, pág. 390).

Assim, e nos termos desta interpretação, devem ser tributadas em sede de IMT, na esfera dos respetivos sócios, as aquisições (decorrentes de quaisquer factos, incluindo o aumento de capital) de quotas em sociedades por quotas (e também de partes sociais em sociedades em nome coletivo e em sociedade em comandita, embora a análise das mesmas esteja excluída do âmbito do presente trabalho) que determinem um domínio tal sobre aquelas sociedades (75%) que permita concluir que está em causa uma aquisição indireta dos bens imobiliários constantes do ativo das mesmas sociedades por parte de tais sócios. Como referem SILVÉRIO MATEUS e L. CORDEIRO DE FREITAS, «Trata-se de situações em que o predomínio da titularidade do capital social terá como consequência um resultado económico próximo da titularidade sobre os imóveis detidos pela sociedade e que, na perspectiva da lei, justifica a tributação do titular maioritário do capital social» (in «Os Impostos sobre o Património Imobiliário - O Imposto do Selo», Engifisco, 2005, pág. 319).

A ficção prevista na alínea d) do nº 2º do artigo 2º do Código do IMT tem pois implícita uma finalidade antiabuso específica, que é a de evitar que os sócios que têm uma posição de domínio sobre uma determinada sociedade adquiram, por intermédio dessa mesma sociedade, bens imóveis sem qualquer sujeição a IMT. A este respeito, é o próprio legislador que refere, no nº 6 do Relatório que precede o CIMSISD (aprovado pelo Decreto-Lei nº 41969, de 24 de Novembro de 1958), que «Só nos casos em que o adquirente da quota ou parte social se torna como que dono da sociedade é que a tributação pode justificar-se à luz dos princípios e é que ela se mostra verdadeiramente necessária para impedir a grande maioria das fraudes. Resolveu-se, por isso, sujeitar a sisa apenas as cessões pelas quais algum dos sócios obtenha 75 por cento do capital, o que lhe dará nítida posição de predomínio (...). Escaparão, é certo, os possíveis, mas raros, conluios entre cessionários de quotas ou partes sociais; contudo, mal se compreenderia que, para se evitarem algumas evasões, se tributasse o grande número de adquirentes de boa fé». Daí que apenas se devam considerar como incluídas no âmbito da alínea d) do nº 2 do artigo 2º do Código do IMT as aquisições posteriores à constituição da sociedade. A própria administração tributária já esclareceu, por intermédio da Circular 15/2002, emitida ainda a respeito do anterior artigo 2º, § 1º, n.º 6º do CIMSISD, que «se no acto de constituição de uma sociedade que possua bens imóveis, algum dos sócios ficar a dispor de, pelo menos, 75% do seu capital social, não será devida sisa por esse facto; só quando tal sócio vier a adquirir, posteriormente é que se verifica ficar sujeito a imposto municipal de sisa. Ou seja, como bem referem SILVÉRIO MATEUS e L. CORDEIRO DE FREITAS (op.cit.), «só quando o sócio maioritário vier a adquirir posteriormente uma quota ou parte social é que ficará sujeito a IMT» de acordo com o artigo 2º, nº 2, alínea d) do Código do IMT, pois aquando da constituição de uma sociedade -mesmo que um dos sócios fique a dispor desde logo de uma participação no capital social da socie-dade respetiva superior a 75%- «o IMT será devido apenas pela sociedade em relação ao valor dos imóveis que entrarem para a realização do capital social».

Questão diversa -e onde se podem colocar variadas questões de ordem...

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