Cash-out mergers in portuguese companies law

AutorJacinto Moniz de Bettencourt
CargoAbogado del Área de Mercantil de Uría Menéndez (Lisboa).
Páginas46-60

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1. Introdução

A fusão é vulgarmente associada a operações de aquisição de empresas, seja enquanto sinónimo impróprio (i.e., fusão em sentido amplo, como uma forma de aquisição), ou enquanto consumação jurídica e formal de uma união económica iniciada com a transmissão de participações sociais.

Como é sabido, a aquisição de participações sociais consubstancia um meio indirecto de obtenção do controle de empresa. Com efeito, se em termos formais, a aquisição de participações sociais não se identifica com a compra de empresa -pois o objecto do negócio são as quotas, acções ou partes sociais, e não a empresa em si1- materialmente, a aquisição de participações sociais permite a aquisição mediata do estabelecimento social ou da empresa2. Neste sentido, a compra e venda de empresas, na sua «forma indirecta e mediata através da cessão das participações sociais da sociedade exploradora da empresa»3, constitui uma realidade na qual podemos identificar, do ponto de vista económico, efeitos semelhantes aos da fusão em sentido estrito.

A confusão terminológica habitual fora do mundo jurídico pode, ainda, revelar a percepção dos agentes económicos quanto à existência de uma finalidade comum entre a compra e venda de empresas e algumas operações de fusão. Neste âmbito, recordamos que, contrariamente àquilo a que se assiste nos sistemas de Direito continental, nos quais a fusão é geralmente pensada enquanto instrumento formal de unificação, simultânea, de substratos patrimoniais e sociais de sociedades − distinto, por isso, do negócio de compra e venda e intimamente Page 47 ligado à noção de transmissão universal de patrimónios e de extinção ope legis da personalidade jurídica das sociedades4 − as soluções oferecidas pelos ordenamentos da common law são o resultado de uma leitura dinâmica e económica da fusão, enquanto mecanismo de criação de valor ou instrumento de obtenção de domínio. Por este motivo, dada a crescente preponderância das soluções oferecidas pelos ordenamentos anglo-saxónicos em matéria de transacções tendo por objecto sociedades, a fusão temse convertido, com alguma naturalidade, num mecanismo ao serviço da aquisição de empresas, seja pelo papel que desempenha no esquema da transacção − relembre-se, aqui, a fusão enquanto pedra de toque de algumas operações de management buy-out e de leveraged buy-out5, dando azo, inclusivamente, a que alguns se refiram à crescente desfuncionalização da fusão6 − seja por implicar, ela própria, e enquanto efeito essencial da mesma, a não continuidade dos sócios da sociedade incorporada no seio da sociedade incorporante.

É precisamente no seio deste último tipo de fusão que encontramos as denominadas squeeze-out ou freeze-out mergers7, e, entre estas, as cash-out mergers (fusions par rachat), modalidades de fusão nas quais os sócios da sociedade incorporada recebem dinheiro por troca das participações sociais que, por efeito da fusão, teriam direito a receber no capital social da sociedade incorporante8 9. Tratam-se de operações que permitem a prossecução de um Page 48 duplo objectivo: por um lado, a unificação de patrimónios, traço comum a todas as operações de fusão; por outro, o reforço do controle mediato sobre a empresa explorada pela sociedade incorporada, por força da saída dos accionistas desta. E é este segundo aspecto que justifica o recurso a esta modalidade de fusão sempre que a sociedade incorporante detém a maioria, mas não a totalidade, das participações sociais representativas do capital social da sociedade incorporada. Neste âmbito, aliás, distinguem-se habitualmente três tipos distintos de fusão: a two-step, «integrated» ou second-step freeze-out merger, em que a fusão conclui um processo de aquisição iniciado com uma oferta pública de aquisição através da qual se adquiriu o controle da sociedade incorporada mas não a totalidade das acções representativas do respectivo capital social desta10; a going private merger ou «retrieval» merger, que resulta de um processo complexo no qual os accionistas maioritários da sociedade incorporada adquirem a quase totalidade das acções dispersas no mercado de uma determinada sociedade, fazendo com que a mesma perca o carácter de sociedade aberta; transmitem, posteriormente, as acções para uma sociedade holding pelos mesmos controlada e, por fim, deliberam incorporar a sociedade nessa holding, assegurando que os demais accionistas minoritários recebem apenas contrapartidas em dinheiro; e a fusão de subsidiárias já detidas (longheld affiliates) pela sociedade incorporante11.

Dito isto, pretende-se pelo presente trabalho averiguar, em primeiro lugar, se é possível uma cash-out merger à luz das normas e princípios jurídicos que regulam a fusão de sociedades em Portugal e, em segundo lugar, da conveniência de eventuais soluções de lege ferenda visando a consagração desta modalidade de fusão no ordenamento português. Pensamos ser este um momento propício à reintrodução do tema, dadas as recentes alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2009, de 12 de Maio, e pelo Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12 de Agosto, ao Código das Sociedades Comerciais (CSC). A título final, esclareça-se que, não obstante a importância deste tipo de operações no contexto das ofertas públicas de aquisição, a análise das questões suscitadas neste trabalho será somente efectuada do prisma do Direito societário, sem cuidar das especificidades legais aplicáveis no mercado de valores mobiliários.

2 - As «cash-out mergers» no direito comparado: revisão histórica

Já desde 1957 que o estado norte-americano de Delaware permite a incorporação, por fusão, de uma sociedade detida em 90% ou mais, mediante a atribuição aos accionistas da sociedade dominada, de títulos, dinheiro, bens ou direitos de qualquer espécie, competindo exclusivamente ao órgão de administração da sociedade incorporante decidir se quer, ou não, afastar os accionistas minoritários da sociedade incorporada (cf. 8 Del. C. §253). Este tipo de operação, autorizada em diversos Estados norte-americanos com algumas variantes12, tem dado azo a decisões judiciais diversas sobre a protecção dos accionistas minoritários (como adiante veremos).

Também o Direito inglês permite, ao abrigo de um scheme of arrangement proposto ao tribunal nos termos da Section 425 do Companies Act de 198513, levar a cabo uma fusão com resultados semelhantes ao de uma oferta pública de aquisição (takeover bid) prevista nas Sections 428 a 430F, com consequente «expulsão» dos accionistas minoritários. O recurso Page 49 à Section 425 apresenta, aliás, diversas vantagens: por um lado, sendo a aquisição proposta ao abrigo de um scheme of arrangement, basta que metade dos accionistas, representando 75% ou mais dos votos, votem a favor para o tornar vinculativo para os restantes (Section 425, §2), quando, em caso de takeover, seriam exigíveis 90% dos votos, incluindo os do adquirente; por outro lado, o recurso a um scheme of arrangement permite evitar a complexidade ou morosidade de um processo de takeover, em dois ou mais passos, sobretudo nos casos em que a sociedade adquirente não possui, ainda, 90% do capital da sociedade target14 .

Nos países de tradição romano-germânica a cash- out merger não teve idêntico acolhimento. Aliás, entre os Estados-membros da União Europeia, apenas o ordenamento sueco parece acolher hoje a possibilidade de a contrapartida (fusionsvederlag) a entregar os sócios minoritários da sociedade incorporada compreender apenas dinheiro − e mesmo assim, estabelecendo que as participações sociais deverão constituir, pelo menos, metade da contrapartida global a atribuir (cf. Aktiebolagslagen (ABL) 2005:551, 23 Kap §2)15. A tendência dos legisladores europeus pode mesmo caracterizar-se por um recuo justificado na necessidade de adaptação do direito interno dos Estados-membros às disposições da 3.ª Directiva16 (caso da Grécia, por exemplo, onde a 3.ª Directiva levaria à aprovação do decreto presidencial no. 498/1987, responsável pela supressão desta modalidade de fusão da lei das sociedades anónimas), mas também por outras razões, entre as quais algum impasse quanto à compatibilidade desta modalidade de fusão com os direitos à propriedade privada e à livre iniciativa económica. A este respeito recorde-se que já o §15 da Umwandlungsgesetzes germânica, de 12 de Novembro de 1956, estabelecia um mecanismo simplificado de transmissão global do património (verschmelzende Umwandlung) de uma sociedade filha para a sociedade mãe, sempre que aquela fosse detida em 90% ou mais pela última, e sem que aos accionistas minoritários da filha fossem atribuídas participações sociais na sociedade mãe. Este mecanismo viria a ser declarado inconstitucional pelo Tribunal de Düsseldorf e, apesar da decisão do Tribunal Constitucional alemão no acórdão Feldmühle de 196217 quanto à constitucionalidade do mesmo, o §15 não viria a ter lugar na Umwandlungsgesetz de 1969 e de 199418. A questão permanece actual19, porém.

Por fim, não podemos deixar de assinalar a Loi fédérale sur la fusion, la scission, la transformation et le transfert de patrimoine (LFus) helvética: trata-se, aparentemente, do único diploma de um legislador europeu que prevê a atribuição, por fusão, aos accionistas da sociedade incorporada, de quantias em dinheiro apenas (dédommagement) (art. 8, al. 2), desde que obtido o voto...

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