O papel das Aggregated Collective Class Action Clauses nos processos de reestruturação de dívida

AutorPedro Ferreira Malaquias - José António Reymão Nogueira
CargoAbogados del Área de Derecho Mercantil y Derecho Público, Procesal y Arbitraje, respectivamente, de Uría Menéndez (Lisboa)
Páginas127-131

Page 127

Breve enquadramento - o risco de holdout

Os dois recentes defaults do Estado Argentino no pagamento de dívida soberana, em 2001 e 2014, vieram confirmar aquele que continua a ser o mais premente risco dos processos de reestruturação de dívida - o risco de holdout, i.e, o risco de não-aceitação, por parte dos credores, de uma eventual proposta de acordo de renegociação de dívida.

Com efeito, e apesar de cerca de 90% dos detentores de dívida argentina terem acordado em reestruturar os termos e condições iniciais dos seus títulos, uma pequena parte dos credores manteve-se intransigente nas suas pretensões, continuando a exigir o pagamento integral da dívida, nos termos e condições contratualizados inicialmente.

A supra referida pequena parcela de credores era maioritariamente composta por hedge funds especializados neste tipo de operações que, ao comprarem os títulos de dívida a desconto no mercado (por valores inferiores ao valor nominal inicial), pretendem ser reembolsados na totalidade do valor nominal dos seus títulos, por forma a gerarem lucro - não aceitando, por conseguinte, qualquer acordo de reestruturação (e que lhes valeu a denominação, na opinião pública, de fundos abutre).

Facilmente se depreende a posição desfavorável dos credores que aceitaram a reestruturação dos seus títulos, face aos que assim não o fizeram. De facto, para além do valor nominal dos títulos ser habitual-mente reduzido nos processos de reestruturação (o denominado haircut), os prazos de reembolso são usualmente alargados, o que leva estes credores a correrem o risco adicional de não virem a ser reembolsados, em virtude do substancial desembolso para pagamento aos credores que não aceitaram a proposta de reestruturação e que, por isso, foram reembolsados integralmente e no prazo de vencimento inicialmente acordado.

A ocorrência de situações idênticas àquela que se acabou de expor - que concretiza e define, de uma forma geral, o risco de holdout - levou a um progressivo e pertinente esforço, entre os mais importantes agentes de mercado (emitentes, credores, entidades reguladoras e de apoio, etc.), no sentido de serem criadas as bases necessárias para desenhar um enquadramento contratual que mitigasse o referido risco da melhor forma possível e, inerentemente, facilitasse os processos de reestruturação.

Page 128

Neste sentido, a International Capital Markets Association ICMA») publicou, muito recentemente, uma série de cláusulas contratuais que permitem, através de deliberações aprovadas por maiorias especificadas, sujeitar a totalidade dos credores - mesmo que pertencentes a diversas séries - aos acordos de reestruturação.

As cláusulas publicadas pela ICMA

Poderemos dividir as supra referidas cláusulas em três modalidades diferentes (de acordo com a nomenclatura dada pela ICMA): (i) Modification of a single series; (ii) Multiple series aggregation - two limb voting; e, (iii) Multiple series aggregation - single limb voting.

No essencial, as referidas cláusulas são mecanismos estandardizados, destinados a ter uma aplicação o mais abrangente possível, e que permitem a aprovação de decisões de renegociação de dívida soberana por determinadas maiorias. Iremos, adiante, abordar em concreto cada uma dessas cláusulas.

Cláusulas «modification of a single series»

O conteúdo deste tipo de cláusulas reflete liminarmente a forma convencional das Collective Action Clauses, utilizadas há mais de uma década em emissões de dívida soberana, nomeadamente em países como a Argentina, Grécia, República Dominicana e Uruguai.

De uma forma geral, as cláusulas em questão permitem aos credores de uma concreta série de dívida - através de uma maioria pré-determinada - aprovar deliberações vinculativas para todos os credores da série de dívida em questão, nomeadamente no que concerne a...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR