A dedutibilidade de encargos financeiros no âmbito de fusões & aquisições

AutorAntónio Castro Caldas - José Maria Sacadura
CargoAbogados del Área de Derecho Fiscal y Laboral de Uría Menéndez (Lisboa)
Páginas122-127

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Sumário

A Administração Tributária e Aduaneira ("ATA") tem vindo a pôr em causa a legalidade da dedução de encargos financeiros relativos a empréstimos contraídos no âmbito de aquisições societárias seguidas de fusões inversas (ou fusões com efeitos similares), onde, grosso modo, apesar de a dívida correspondente ser originariamente contraída pela sociedade adquirente (incorporada), fruto do processo de fusão desta na sociedade adquirida (incorporante), os referidos encargos acabam por ser deduzidos contra os ganhos da sociedade adquirida (incorporante), o que pode ser visto como um método de alcançar o que, na gíria anglo-saxónica de mercado, se convencionou apelidar de "debt push down".

A sindicação de tal comportamento por parte da ATA tem sido feita com base na interpretação pela mesma efetuada do art.º 23 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC"), dispositivo base da noção de gastos para efeitos fiscais, desconsiderando a dedutibilidade de tais encargos e procedendo à emissão das correspondentes liquidações adicionais de IRC.

Correm presentemente vários procedimentos / processos tendo em vista a análise desta questão, sendo contraditórias as poucas decisões até à data conhecidas, razão pela qual a temática em causa prima pelo seu interesse e atualidade.

O presente artigo pretende demonstrar a invalidade da argumentação adotada pela ATA, apresentando, para tanto, um breve exame do comportamento tipo dos agentes de mercado (v.g. respetivas motivações) ao levar a cabo as transações em causa, e, bem assim, recorrendo ao suporte do regime legal aplicável e das orientações doutrinárias e jurisprudenciais mais relevantes.

Debt push down

A aquisição de sociedades é muitas vezes financiada por capitais alheios, os quais são, por natureza, remunerados via pagamento de juros; a estes acres-ce a tributação indirecta (v.g. imposto do selo) a que haja eventualmente lugar e, normalmente, um rol de comissões e despesas relacionadas com a complexa contratação existente em transacções de elevado montante e / ou inerentes ao próprio giro bancário, na medida em que o papel de financiador é tradicionalmente desempenhado por instituições de crédito / outras sociedades financeiras, despesas estas que denominaremos conjuntamente por encargos financeiros.

É sabido que a dedução de tais encargos tem um impacto fiscal positivo na esfera de uma sociedade na medida em que permite diminuir o respectivo lucro tributável e assim originar a poupança tributária correspondente (tax shield). Esta é mesmo por vezes uma das motivações para recorrer a capitais alheios ao invés de capitais próprios aliviando o respetivo custo final desta alternativa via a referida poupança fiscal, algo que não acontece no caso de capitais próprios, dado que a respectiva remuneração prototípica - dividendos - não será, ao contrário dos encargos financeiros, dedutível na esfera da sociedade pagadora.

As aquisições societárias podem, grosso modo, ser efetuadas via asset deal - compra dos ativos da

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sociedade alvo - ou via share deal - compra das participações sociais representativas do capital social da sociedade alvo.

Ora, no desenho tradicional de uma aquisição societária via share deal - onde tenhamos, por exemplo, um veículo (Sociedade A) criado para o exercício de uma função holding tendo em vista a aquisição de uma sociedade operacional (Sociedade B) - existirá por defeito uma desassociação entre a sociedade onde os encargos financeiros são incorridos (a Sociedade A) e aquela onde eventuais ganhos possam surgir contra os quais tais encargos poderiam ser reportados (a Sociedade B).

Em face do exposto, o mercado procurou encontrar formas de corrigir a referida desassociação, de modo a permitir a dedução dos encargos financeiros conexos à aquisição vis-à-vis os ganhos da sociedade adquirida - debt push down.

Entre os métodos tradicionais de debt push down encontram-se (i) a criação de um grupo de consolidação fiscal como seja, entre nós, o permitido pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (cf. art.os 69 e ss. do Código de IRC) e (ii) a realização de uma fusão por incorporação entre as sociedades adquirida e adquirente, seja através da

(a) incorporação da sociedade adquirida pela adquirente, ou pela (b) incorporação da sociedade adquirente pela adquirida, i.e. via o que comummente se refere como uma fusão inversa.

Com destaque para o cenário indicado em (ii) (b) supra, por ser aquele atualmente questionado pela ATA, tal transação permite, pela junção de ativos e passivos (v.g. qualquer financiamento antes contraído) das duas sociedades, inerente a uma fusão, que quaisquer encargos financeiros que venham a ser incorridos no futuro concorram para o lucro tributável concomitantemente com quaisquer ganhos decorrentes de atividades operacionais; por outras palavras, tendo por referência um organigrama onde uma sociedade (mãe) se localiza por cima de outra sociedade cujo capital detém na integra (filha), a dívida (originariamente a nível da sociedade mãe) é puxada para baixo / para o nível da sociedade subsidiária (filha).

Note-se que a inclusão da fusão inversa no escopo de operações passiveis de gozar do regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais ("Regime da Neutralidade"), vertido nos art.os 73 e ss. do Código de IRC, foi, durante largo período, posto em causa por parte da ATA; sem prejuízo é, desde há algum tempo a esta parte, consensualmente reconhecido a nível...

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