Uma análise sincrônica do conceito de Poder Coordenador

AutorAllysson Eduardo Botelho de Oliveira, Adamo Dias Alves
CargoUniversidade Federal de Minas Gerais/Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas658-689
UMA ANÁLISE SINCRÔNICA DO CONCEITO DE
PODER COORDENADOR
A SYNCHRONOUS ANALYSIS OF THE CONCEPT OF
COORDINATING POWER
Allysson Eduardo Botelho de Oliveira
Universidade Federal de Minas Gerais
Adamo Dias Alves
Universidade Federal de Minas Gerais
SUMÁRIO: I. INTRODUÇÃO.- II. EIXO METODOLÓGICO: A HISTÓRIA DOS
CONCEITOS.- III. O PROJETO DE REVISÃO CONSTITUCIONAL: UMA PROPOSTA
DE REFORMULAÇÃO DO ESTADO.- IV. O PODER COORDENADOR NA OBRA DE
ALBERTO TORRES.- V. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Resumo: O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise sincrônica do
conceito de Poder Coordenador, instituição proposta por Alberto Torres em seu
projeto de revisão constitucional, publicado em 1914, e que consiste em um
quarto poder de Estado responsável por realizar a coordenação e fiscalização do
sistema político como um todo. Para realizar a pesquisa, adotou-se como eixo
metodológico a História dos Conceitos, de Reinhart Koselleck, que busca
investigar as mudanças e permanências dos sentidos que um conceito pode
albergar ao longo da história. Ao fim, o Poder Coordenador foi classificado como
conceito engajado e conceito de pura expectativa, que não se referia a uma
experiência concreta, mas tinha por escopo a realização de mudanças na
realidade.
Abstract: The present work’s purpose is to carry out a synchronous analysis of
the concept of Coordinating Power, that is an institution created by Alberto Torres
in his project of constitutional reform, published in 1914, and which consists in a
fourth State power responsible for coordinating and supervising of the political
system as a whole. To perform the research, we adopted as methodology the
History of Concepts, criated by Reinhart Koselleck, in order to investigate the
changes and the permanences of the meanings that a concept can harbor
throughout his history. At the end, the Coordinating Power was classified as a
engaged concept and as a concept of pure expectation, since it didn’t refer to a
concrete experience, but it had as a purpose to operate changes in the reality.
Palavras-chaves: Poder Coordenador, Alberto Torres, História dos Conceitos,
Pensamento Político Brasileiro, História Constitucional Brasileira.
Key words: Coordinating Power, Alberto Torres, History of Concepts, Brazilian
Political Thought, Brazilian Constitutional History.
Historia Constitucional
ISSN 1576-4729, n. 22, 2021. http://www.historiaconstitucional.com, págs. 658-689
I. INTRODUÇÃO
O presente trabalho constitui a primeira etapa de pesquisa realizada em
sede de mestrado a respeito da história do conceito do Poder Coordenador. Nos
limites deste artigo, buscou-se realizar uma análise sincrônica do referido
conceito, abordando sua gênese na obra de Alberto Torres.
Na primeira seção, foi apresentado o eixo metodológico a partir do qual a
pesquisa está sendo realizada, a História dos Conceitos, que tem como principal
expoente o historiador alemão Reinhart Koselleck. Foram abordadas as principais
características desta vertente teórica, bem como suas categorias analíticas
centrais para a construção da história do conceito.
Em seguida, buscou-se contextualizar historicamente o projeto de revisão
constitucional proposto por Alberto Torres em 1914, no interior do qual se insere
sua contribuição mais inovadora: a criação de um quarto poder, o Poder
Coordenador. Também foram analisadas as principais teses do pensamento do
autor, bem como os pontos de seu projeto que dialogam com o instituto
pesquisado.
Na terceira seção, investigou-se como o Poder Coordenador se apresenta na
obra torreana. Foram abordadas a estrutura, a composição, as atribuições e as
principais características do novo poder, suas possíveis relações com o Poder
Moderador e os estratos de sentido oriundos da semântica política imperial, bem
como o espaço de experiência e o horizonte de expectativa associados ao conceito.
Ao fim, o Poder Coordenador foi classificado simultaneamente como
conceito engajado e conceito de pura expectativa, que, por um lado, tem por
finalidade precípua operar mudanças na realidade, e por outro, não designa
nenhuma situação concreta específica, mas busca ser um fator de mudança. O
instituto analisado se insere no interior de uma tradição do pensamento político
autoritária e conservadora, que no Estado forte e centralizador o redentor de
uma sociedade desarticulada, desprovida de povo e de nacionalidade. Composto
pelas grandes personalidades de seu tempo, caberia ao novo poder o papel de
tutor das instituições políticas na consecução de uma política orgânica, em que
as partes fossem entendidas como um todo harmônico e integrado.
Quando de seu surgimento, Alberto Torres via no Poder Coordenador um
reflexo da cultura política nacional, de modo que tal instituição seria brasileira
em sua essência, apta, portanto, a contribuir para a superação dos variados
problemas que afligiam o Brasil no alvorecer do século XX.
Conquanto repita a semântica política imperial, o novo poder também
apresenta suas particularidades, vocalizando a demanda pela tutela de direitos
sociais e difusos, bem como o fortalecimento do poder estatal, tendências que se
concretizarão no paradigma do Estado Social de Direito.
II. EIXO METODOLÓGICO: A HISTÓRIA DOS CONCEITOS
Entre as décadas de 1950 e 1960, Otto Brunner (1898-1982), Werner Conze
(1910-1986) e Reinhart Koselleck (1923-2006) deram início ao empreendimento
teórico que ficou conhecido como História dos Conceitos, ou, em alemão,
begriffsgeschichte, cabendo ao último a liderança do movimento, que também
contou com a importante participação de autores como Joachim Ritter (1903-
Allysson Eduardo Botelho de Oliveira y Adamo Dias Alves
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1974) e Erich Rothacker (1888-1965). O movimento intelectual ficou notabilizado
pela elaboração de um extenso dicionário de conceitos políticos e sociais alemães,
entre as décadas de 1970 e 1990, publicado em nove volumes, o Geschichtliche
Grundbegriffe – historisches Lexikon zur politisch-sozialen1.
A história conceitual surgiu como uma reação à História das Ideias,
consoante a qual os conceitos seriam imutáveis ao longo da história, em outras
palavras, seu sentido não se modificaria com o decorrer do tempo histórico.
Contra essa abordagem, representada por autores como Dilthey e Friedrich
Meinecke, os estudiosos da história conceitual argumentavam que lhe faltava
uma maior contextualização das ideias e conceitos, o que acabava levando a
anacronismos2.
Assim, a principal contribuição de Koselleck foi se atentar para a
historicidade dos conceitos, isto é, para a modificação de seu sentido ao longo da
história. Deste modo, a história conceitual reivindicaria uma “exigência
metodológica mínima”: que os conflitos sociais e políticos do passado fossem
compreendidos a partir do horizonte conceitual e linguístico que lhes fosse
coetâneo.
Na medida que permite esclarecer os sentidos que os conceitos assumem em
um determinado contexto, a História dos Conceitos adquire fundamental
importância para o estudo da própria história social. É por meio daquela que os
conflitos sociais e políticos do passado poderão ser melhor compreendidos e
traduzidos para o presente. Sem esse esclarecimento conceitual, haveria o risco
de não se perceber os sentidos específicos assumidos por determinados conceitos,
o que prejudicaria a compreensão do passado.
A compreensão do significado de um conceito requer não somente uma
análise de caráter linguístico, mas também o cotejo com a história social, isto é, é
preciso ter em mente a ambientação política, social, cultural e econômica em que
um dado conceito se insere, para então melhor entender o sentido que ele
assume. Por isso Koselleck afirma que a história conceitual é um “método
especializado de crítica das fontes”, que busca recuperar o sentido dos
conceitos presentes nas fontes históricas, a partir de uma análise que leva em
conta tanto o seu aspecto propriamente linguístico, como também a história
social subjacente. A metodologia da história conceitual também se propõe a
indagar acerca das funções sociais e políticas exercidas por um determinado
conceito em um dado contexto histórico, bem como as mudanças por que elas
passaram no decorrer do tempo3.
Koselleck pensa o tempo histórico, ou seja, as relações entre passado,
presente e futuro, a partir de duas categorias analíticas fundamentais em suas
1 Julio Bentivoglio, “A história conceitual de Reinhart Koselleck”, Dimensões, Vitória, vol. 24,
2010, pp. 118-119.
2 Julio Bentivoglio, “A história conceitual de Reinhart Koselleck”, op. cit., pp. 114-115; Marcelo
Gantus Jasmin, “História dos conceitos e teoria política e social: referências preliminares”, Revista
Brasileira de Ciências Sociais, vol. 20, no 57, fev., 2005, pp. 31-32; Reinhart Koselleck, Futuro
passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, Contraponto/PUC-RJ, Rio de Janeiro,
2006, p. 104.
3 Reinhart Koselleck, Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, op. cit.,
pp. 103-104.
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