Termos de compromisso, relativizando a conservação: os casos em Oriximiná e em Niterói

AutorAlba Simon; Leonardo Alejandro Gomide Alcântara; Wilson Madeira Filho
Páginas211-240
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TERMOS DE COMPROMISSO, RELATIVIZANDO A
CONSERVAÇÃO: os casos em Oriximiná e em Niterói
ALBA SIMON
LEONARDO ALEJANDRO GOMIDE ALCÂNTARA
WILSON MADEIRA FILHO
1. INTRODUÇÃO
A política de conservação da natureza adotada pelo Brasil e consumada
pela Lei 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC)
privilegiou um modelo de conservação da natureza cuja proteção integral criou
restrições para permanência de famílias, grupos ou comunidades que, em muitos
casos, são detentores de um “saber local” no uso, apropriação e dependência dos
recursos naturais em áreas já habitadas por estes.
Antes do SNUC, as Unidades de Conservação, sobretudo parques e
reservas biológicas (consideradas de proteção integral pelo SNUC) eram
implantadas como uma medida técnica administrativa orientada na maioria das
vezes por biólogos (ativistas e/ou técnicos de órgão público) de forma
pragmática, à revelia das comunidades locais, resultado de concepções
conservacionistas de caráter universalista onde a “natureza para todos” deveria
se sobrepor “a natureza para alguns”.
Nos marcos do debate entorno dos conflitos e constrangimentos às
populações tradicionais inseridas em áreas naturais legalmente protegidas, forjou-
se a construção de pactos na esfera da burocracia estatal e a reinvenção da
categoria jurídica População Tradicional que, antes do advento do SNUC, era
desprovida de tratamento legal diferenciado.
O histórico de reconhecimento da existência de modos de vida
tradicionais no debate das áreas naturais protegidas está ligado a um movimento
internacional de reconhecimento do “componente “social” do desenvolvimento,
para além do ambientalmente sustentável. Nesse sentido, os Termos de
Compromisso (TC) passam a ser objeto de análise e investigação na medida em
que surgem no contexto de reconhecimento dos direitos de populações
tradicionais, conquistados por meio de lutas sociopolíticas democráticas de
natureza emancipatória, pluralista, coletiva e indivisível. Ressalta-se a diversidade
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de leis e decretos nesse sentido, corroborando com a ideia de rompimento com
os paradigmas da dogmática jurídica tradicional.
O presente artigo faz uma reflexão sobre os processos de elaboração de
dois TCs, em regiões e condições distintas, o primeiro na Reserva Biológica
(REBIO) do Rio Trombetas, em Oriximiná PA, Unidade de Conservação criada
no período militar, e o segundo no Parque Estadual da Serra da Tiririca (PESET),
em Niterói RJ, em face de um ambientalismo reativo no bojo do processo de
redemocratização do país. Ambas as análises são lastreadas na atuação
profissional dos autores e na participação empírica do Laboratório de Justiça
Ambiental da Universidade Federal Fluminense, junto ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Direito da UFF.
2. COMUNIDADES TRADICIONAIS E AGENDAS PÚBLICAS
A relevância do ambiente socialmente sustentável e economicamente
viável “ecoou” junto ao debate sobre o Desenvolvimento sustentável na década
de 1980, se consolidando como política pública com o Relatório das Nações
Unidas intitulado Nosso futuro comum (WCED, 1986). Segundo Santilli (2005,
p.30), o Relatório foi um dos marcos da história do ambientalismo mundial com
repercussões sobre o ambientalismo brasileiro, e atesta que “o conceito de
desenvolvimento sustentável coincide historicamente com o apoio nacional e
internacional ao movimento dos povos da floresta (índios e seringueiros) pela
conservação da floresta amazônica e sua articulação com a conservação
ambiental”.
A conservação da biodiversidade sob a ótica da democracia participativa
em áreas protegidas ocupa hoje espaço expressivo nas agendas públicas de quase
todos os países do globo. Em âmbito internacional, diretrizes e princípios
contidos em Tratados e Convenções relativos ao tema, internalizam-se na gestão
pública de diferentes países através de programas, planos, legislações e outros
que acabam por demandar esforços na elaboração de modelos, métodos e/ou
ferramentas para a construção de novas práticas dirigidas à conservação da
biodiversidade e às suas interfaces com a dinâmica social.
O tema dos impactos e/ou efeitos, positivos e negativos, associados às
áreas protegidas e a grupos locais, demonstra uma mudança paradigmática na
condução de novas políticas públicas e nos desafios inerentes a construção
destas, uma vez que o enfoque se debruça sobre os impactos sociais e não apenas
os ambientais como historicamente vêm sendo debatido.

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