Desenvolvimento sustentável e direito humano ao meio ambiente: breves apontamentos

AutorBettina Augusta Amorim Bulzico - Eduardo Biacchi Gomes
CargoProfessora da Graduação, Universidade Positivo - Professor de Direito Internacional (Graduação e Mestrado), Faculdades Integradas do Brasil
Páginas1-22

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I Introdução

A proteção ao meio ambiente é tema que, ao longo das últimas décadas, ganhou destaque preponderante, em todos os meios de comunicação, sejam nacionais ou internacionais. Para além disso, trata-se de um foco prioritário de ações por parte de toda a comunidade internacional no sentido de adotar posturas voltadas à preservação do meio ambiente, como forma de assegurar a vida para as futuras gerações.

A preocupação, antes de tudo, deve-se ao fato de que existe uma séria ameaça de que em um futuro, não muito distante, os recursos ambientais possam ficar cada vez mais escassos, o que seguramente prejudicará a vida do ser humano em nosso planeta.

O termo "proteção ao meio ambiente" não deve significar uma inércia social, ou seja, não pode representar a não utilização e a não exploração dos recursos naturais. É fato que, para movimentar a economia globalizada em que se inserem todas as nações, a utilização dos recursos naturais se faz indispensável. Todavia, de forma consciente e equilibrada, preservando e recuperando referidos recursos, bem como criando fontes alternativas de energia, de forma a não promover o esgotamento e a escassez no ambiente. Trata-se de medida mais do que politicamente correta: é essencial.

O presente artigo tem por finalidade abordar o conceito de proteção ao meio ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a partir da vertente dos direitos humanos, notadamente porque a finalidade dessa proteção, em última análise, é salvaguardar a vida humana.

Para tanto, propõe-se a apresentar algumas considerações sobre o histórico e o atual conceito de Desenvolvimento Sustentável e, em seguida, apresentar a aplicabilidade desse termo em casos julgados pelas Cortes Internacionais. Mais especificamente, serão analisados os seguintes casos: a) Gabcikovo - Nagymaros (Hungria vs. Eslováquia), Corte Internacional de Justiça 1997 e b) O chamado caso das papeleras (MERCOSUL, Protocolo de Olivos, 2006).

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Ao final, pretende-se realizar uma reflexão sobre a inter-relação existente entre democracia, o direito humano ao meio ambiente e a aplicabilidade do Desenvolvimento Sustentável.

II Conceito de desenvolvimento sustentável
1. Breve Histórico

Ao relacionar desenvolvimento e proteção ambiental, é possível afirmar que o termo Desenvolvimento Sustentável, embora sujeito a disputas e definições de ocasião, aponta para dois sentidos principais. Para os países desenvolvidos, sustentabilidade exige transformações no estilo de vida, melhoria da eficiência energética, moderação do consumo, a preferência pelo uso de recursos naturais renováveis e a reciclagem ou o reaproveitamento dos materiais. Para os países em desenvolvimento, onde existam recursos naturais, trata-se de programar a exploração não predatória que minimize impactos adversos, priorizando a produção de recursos renováveis, reduzindo desigualdades, gerando empregos e renda.

Suas origens são antigas. No final do século XVIII, autores, como THOMAS MALTHUS1, já se preocupavam com a relação entre crescimento populacional e capacidade de produção de alimentos. A criação de reservas florestais, por outro lado, era realizada por diferentes povos da Antiguidade, por razões religiosas ou para garantir a prática da caça, passando a ser bastante comum na Idade Média. A partir do desenvolvimento dessas ideias iniciais de criação de espaços protegidos e de preocupação com recursos naturais, surgem, nos Estados Unidos, no final do século XIX, duas correntes de pensamento dentro do movimento ambiental emergente, mais tarde denominadas de preservacionista e conservacionista.

Para os primeiros, como JOHN MUIR2, a natureza deveria ser preservada em seu estado primitivo, como objeto de contemplação do homem, necessária à sua expansão

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espiritual. Com base nesse pensamento foi que os Estados Unidos passaram a estabelecer, a partir de 1872, os parques nacionais, iniciando com Yellowstone no Estado do Wyoming. Vastas áreas ainda bem conservadas eram cercadas, as populações ali residentes expulsas e os espaços abertos apenas à visitação.

Os segundos, como Gifford PINCHOT3, entendiam que a providência a ser tomada residisse na utilização racional dos recursos naturais, com base nas experiências de manejo florestal trazidas da Alemanha. Já se pregava, então, a necessidade de garantir às futuras gerações a existência dos recursos naturais, prevenindo-se o desperdício.

Entretanto, o termo "Desenvolvimento Sustentável" propriamente dito, consubstanciado como aquele que corresponde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades, só foi consagrado no texto do Relatório Brundtland (1987). A partir de então passou a ser uma meta vislumbrada por toda a comunidade internacional para a proteção do meio ambiente como Direito Humano.

Posteriormente, a Declaração do Rio (1992) fez referência ao Desenvolvimento Sustentável em cinco de seus Princípios4. A partir deles, visa-se a implementar o desenvolvimento de modo a permitir que sejam atendidas as necessidades das gerações presentes sem comprometer as das gerações futuras. Assim sendo, a orientação emanada é no sentido de que a proteção ambiental deva fazer parte do processo de desenvolvimento e, portanto, não pode ser considerada isolada deste.

Acontecimentos posteriores, como a Rio+5 (1997), a Conferência de Habitat II, em Istambul (2000), e a Conferência de Johanesburgo (2002) vieram a reforçar a necessidade de se implantar projetos, em nível local e global, que contemplem o Desenvolvimento Sustentável. É possível e extremamente necessário que continue havendo o desenvolvimento e o progresso da humanidade, desde que ocorra de forma equilibrada, mediante a gestão racional dos recursos naturais disponíveis e a utilização das modernas técnicas de gerenciamento.

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2. Aplicabilidade do Desenvolvimento Sustentável

Seu objetivo principal é manter o ponto de equilíbrio entre preservação e progresso econômico, sem prejudicar o acesso das futuras gerações aos recursos naturais. Para atingir tal fim, desconsideram-se posturas extremas tais como a ideia de defender o crescimento desordenado e predatório ou a postura verde xiita5. Abrange ainda questões pertinentes à coibição de agressões ao meio ambiente e à erradicação da pobreza no mundo6. Não obstante a incorporação de seu conceito nas Constituições7de grande parte dos Estados, é importante ressaltar que isso pouco significa se não vier acompanhado da incorporação de medidas garantidoras8de sua aplicação.

Quando se alcança consenso em questões extremamente controvertidas como esta, deve-se ter especial cuidado com os conceitos envolvidos. Obviamente não é possível afirmar que o Desenvolvimento Sustentável defendido por ONGs ambientalistas radicais e por indústrias altamente poluidoras tenha o mesmo sentido.

Na verdade, o discurso da sustentabilidade acabou sendo utilizado e difundido, de forma muitas vezes perversa, como uma cortina de fumaça que visa a encobrir sérias e irreversíveis degradações perpetradas por diferentes grupos econômicos, que nenhuma atenção real dispensam ao ambiente natural. Todavia, não se pode simplesmente abandonar a busca pela sustentabilidade, sob a ótica simplista de ser incompatível com o sistema capitalista, pois, desse modo, estar-se-ia abdicando da única ferramenta que

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resta para se tentar manter os processos ecológicos e, assim, os recursos bióticos essenciais à sobrevivência da espécie humana em níveis, ao menos, satisfatórios.

Por outro lado, não se deve esquecer que, dentro da discussão da construção de um Desenvolvimento Sustentável, a relação do homem com a natureza é cultural. Como discutido, cada cultura específica constrói, no tempo e no espaço, formas determinadas de relacionamento com o ambiente natural, sustentáveis ou não. Haverá sustentabilidade nessa relação quando não ocorrer o esgotamento das bases materiais de reprodução das atividades econômicas, sociais e culturais.

Falar em Desenvolvimento Sustentável significa falar em prática de ações que se reproduzam no tempo, não podendo, assim, esgotar as bases materiais sobre as quais ocorrem. Não significa, portanto, apenas a manutenção de estoques de recursos naturais para as gerações vindouras, mas a criação de um modo de vida sustentável, que possa ser legado às gerações futuras, em que não haja exclusão social e em que exista um patamar mínimo de igualdade, gerando ações e projetos voltados para a educação, saúde, emprego, habitação, etc9.

Como forma de delimitar o tema, foi efetivada uma pesquisa pontual, nos julgados de Cortes Internacionais, acerca do tratamento despendido ao meio ambiente, sua proteção e a busca do equilíbrio com o direito ao desenvolvimento. Inicialmente, apresenta-se um caso emblemático ocorrido na Europa, em 1997, e, em seguida, o foco é direcionado à América Latina, analisando situação datada de 2006.

III O caso gabcikovo - nagymaros (hungria vs. eslováquia) na cij

Este caso foi especialmente relevante para estudar as possíveis causas do rompimento dos tratados e das circunstancias que excluem a ilicitude de referido ato. A CIJ foi relutante em considerar as alegações da Hungria baseadas num "estado de necessidade" por motivos ambientais.

O conflito encontra sua origem no tratado celebrado em 16 de setembro de 1977, entre a Hungria e a então Thcekoslováquia (denominação dada pelo tratado), sendo que o sistema de barragem "tem por fim valorizar, de modo geral, os recursos naturais da

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seção Bratislava - Budapeste do Rio Danúbio, com o fim de desenvolver os setores de recursos...

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