A sustentabilidade socioambiental da política energética brasileira: desafios e oportunidades

AutorProf. Dr. Jacson Roberto Cervi
Cargo del AutorProfessor Universidade Regional Integrada. do Alto Uruguai e das Missões (Brasil)
Páginas117-141

Ver nota 1

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1. Introdução

Das inúmeras questões ambientais que estão a desafiar governos, mercados, comunidade científica e a sociedade em geral, destacam-se os problemas advindos do aquecimento global e da energia. O último relatório do IPCC, publicado em 2013 reafirma, com maior grau de certeza do que os estudos anteriores, a presença crescente de uma série de fenômenos meteorológicos que estão a provocar o aquecimento do sistema climático global, sem precedentes na história das medições desde 1850. Também conclui de forma enfática a influência humana como causa dominante do aquecimento desde meados do século XX, mediante e emissão na atmosfera de gases causadores do efeito estufa provenientes, em grande parte, da queima de combustíveis fósseis.

Atualmente, a energia que move o Brasil provém, em maior parte, de fontes não renováveis, a exemplo do petróleo e derivados. No entanto, o percentual das fontes renováveis é um dos mais elevados do mundo, com previsão de aumento até 2030, priorizando-se a expansão das hidrelétri-

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cas e da biomassa. Não obstante a intenção em expandir a produção de energias mais limpas, seguindo tendência mundial, o Brasil resiste em reduzir e abandonar as tradicionais fontes não renováveis, relegando formas como a energia eólica e a energia solar para um segundo plano, não se vislumbrando grandes mudanças para o setor, ao menos no curto e médio prazo.

Outro problema, derivado da opção energética fundada em megaprojetos de hidrelétricas, reside nos graves impactos ambientais e conflitos sociais gerados. A deficiência na efetivação dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, em especial do licenciamento ambiental e do estudo prévio de impactos ambientais, tem levado à ocorrência de danos ambientais irreversíveis e a inúmeros conflitos socioambientais, dada a carência de informação, falta de participação e de políticas públicas para a realocação das populações afetadas.

Diante desses desafios, não se está a defender o abandono do vasto potencial hídrico do País para a geração de energia, mas sim alertando para a necessidade de rever algumas políticas a fim de contribuir para que o setor energético brasileiro se desenvolva de forma mais sustentável. O Brasil, dada a dimensão do território, características de relevo, clima e abundância de recursos naturais, é campo fértil para o desenvolvimento e exploração de qualquer fonte energia conhecida, o que favorece a consolidação de uma matriz energética ainda mais diversificada, limpa e segura.

2. A estratégia brasileira em matéria de meio ambiente, mudanças climáticas e energia

O Brasil, a exemplo de toda a América Latina, se defronta com esses e outros dilemas em que as questões ambientais se chocam com a necessidade de superação das urgências sociais de um continente em desenvolvimento, dependente da exploração primária dos recursos naturais, rumo à autossuficiência em matéria de energia. Com baixo índice populacional (se comparado aos países do hemisfério Norte), a América Latina ainda mantém inexplorada boa parte da biodiversidade dos ecossistemas, a exemplo da Amazônia, os quais possuem importância vital para o equilíbrio ambiental do Planeta. Assim, a busca de uma matriz energética acessível e segura, tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental, pode representar uma oportunidade de desenvolvimento sustentável, desde que se promova um debate multidisciplinar, com sopesamento e inter-relação das variáveis técnicas com as questões políticas e sociais, que se entrecruzam, em busca de uma convergência estratégica, a qual

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deve ser negociada de maneira livre e independente, sem cair nas tradicionais relações de subordinação. 2

No cenário brasileiro, toda e qualquer política ambiental, da Política Nacional de Meio Ambiente à Política Energética Nacional, passando pela Política Nacional de Águas, é orientada segundo os princípios do desenvolvimento sustentável, da prevenção, precaução, informação, participação e cooperação internacional. Esse quadro normativo considera também as demais políticas públicas econômicas e sociais, a exemplo dos sucessivos Programas de Aceleração do Crescimento, políticas de saúde e saneamento básico e demais ações que visam a inclusão social e a erradicação da pobreza.

Levantamento do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases do Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima 3, rede que reúne entidades da sociedade civil com o objetivo de discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro, revela que as emissões de gases-estufa atingiram o seu menor índice dos últimos 20 (vinte) anos, muito graças ao controle do desmatamento da Amazônia. Com base nesses dados e motivado pelos compromissos assumidos com a instituição da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), conforme Lei n.º 12.187/2009 4 e regulada pelo Decreto n.º 7.390/10 5, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) passou a realizar estudos anuais a partir de 2012 no sentido de traçar estimativas de emissões de gases de efeito estufa para acompanhar o cumprimento do compromisso nacional voluntário para a redução das emissões até o ano de 2020. 6

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Análsies mais recentes em âmbito global, desenvolvido por organismos internacionais e com maior tradição no acompanhamento das emissões de gases de efeitos estufa do que os mecanismos brasileiros, ao longo dos tempos, revelam que o Brasil vem aumentando significativamente suas emissões, estando entre as nações que mais poluem. Os últimos levantamentos World Resources Institute (WRI), o qual desenvolveu recentemente uma nova versão de uma ferramenta online de visualização de emissões, o Climate Analysis Indicators Tool (CAIT 2.0), revelam que a China é atualmente o maior responsável pelas emissões, seguida por Estados Unidos, União Europeia, Índia, Russa e Indonésia. O Brasil aparece em sétimo lugar, COM um aumento de 57,73% (cinquenta a sete vírgula setenta e três por cento) nas emissões, durante o período compreendido entre 1990 a 2011. Porém, se for incluído o setor da utilização da terra e florestas, as emissões apresentam uma redução de 18,38% (dezoito vírgula trinta e oito por cento), o que confirma o êxito das políticas de controle do desmatamento adotadas pelo Brasil nos últimos anos. Dos setores analisados, os que tiveram aumento significativo nas suas emissões foram o dos processos industriais, com 144% (cento e quarenta e quatro por cento) e da energia, com 105,44% (cento e cinco vírgula quarenta e quatro por cento). 7

Logicamente, toda e qualquer análise, por mais isenta e fiel a dados empíricos, pode ser questionada a respeito da metodologia empregada, ainda mais quando se trata de uma forma de abordagem relativamente nova, como a das medições das emissões de gases de efeito estufa, contrastando realidades ambientais, econômicas e sociais tão diversas como a dos países objeto da pesquisa. Contudo, a relevância de tais estudos reside essencialmente na preocupação comum com a problemática do aquecimento global.

No Brasil, estão sendo desenvolvidas e implementadas novas ferramentas para se avançar nas formas de mensurar as emissões antrópicas de gases causadores do efeito estufa no País. Exemplo disso é a recente regulamentação, por parte do Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), do processo para acreditação de Organismos de Verificação de Inventários de Gases de Efeito Estufa (OVV), por considerar uma área importante para a sociedade e dada a crescente demanda do setor empresarial, o qual está vislumbrando novas oportunidades de negócios com atitudes ambientalmente corretas, mas também com o objetivo de se preparar para as crescentes exigências ambientais, como a apresenta-

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ção de plano de mitigação de emissões de gases de efeito estufa para fins de licenciamento ambiental, a exemplo de algumas legislações municipais e estaduais já vigentes. 8

A Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída pela Lei n.º 12.187/2009, além de oferecer diretrizes gerais para o estabelecimento de estratégias integradas para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, elege como um de seus principais instrumentos o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, o qual se constitui em um marco relevante para a integração e harmonização de políticas públicas ambientais. A premissa fundamental sobre a qual o Plano Nacional de Mudanças Climáticas está assentado é a redução da desigualdade social e o aumento da renda, com uma dinâmica econômica diversa da trajetória de emissões crescentes do modelo-padrão dos países indus-trializados. 9

O Plano Nacional de Energia 2030 ratifica a tendência de expansão do setor da energia com o aumento de fontes hidrelétricas. Nesse cenário de longo prazo, o aproveitamento hidráulico da Região Norte, em especial da Bacia Amazônica, é considerado necessário e estratégico por possuir o maior potencial hídrico, sendo que o não aproveitamento desses recursos implicaria na necessidade de desenvolver um programa termelétrico adicional, de maiores custos e impactos ambientais. 10

Mais recentemente, o último Plano Decenal de Expansão de Energia 2022 (PDE 2022) apresenta importantes sinalizações para orientar as ações e decisões voltadas ao equilíbrio entre as projeções de crescimento econômico do país e a necessária expansão da oferta de energia. O PDE 2022 traz como principal inovação uma análise mais detalhada, por fonte energética, do aspecto socioambiental e dos efeitos da expansão de energia sobre as mudanças do clima. Ao analisar os impactos da geração...

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