Justiça ambiental e sustentabilidade para todos: em busca da harmonia entre homem e meio ambiente

AutorRaquel Fabiana Lopes Sparemberger/Camila Copetti
CargoDoutora em Direito/Mestranda em Desenvolvimento da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

Raquel Fabiana Lopes Sparemberger1

Camila Copetti2

Introdução

Um dos temas de maior significância e que tem merecido atenção constante dos mais diversos setores é o da questão ambiental. O presente artigo será pautado na crise ambiental que assola a sociedade, já denominada de risco, uma vez que o início desta referida crise teve início no século XVIII, com a Revolução Industrial, onde o capitalismo e a economia foram peças fundamentais para o desenvolvimento de tal crise. A economia e o capitalismo também contribuíram sobremaneira na evolução da sociedade moderna para a sociedade de risco.

A partir do aprofundamento sobre a sociedade de risco e a sua relação com o desenvolvimento sustentável, buscar-se-á expor a importância do tema justiça ambiental, bem como a importância que tal tema representa para a sustentabilidade do planeta. Pretende-se demonstrar que a justiça ambiental está intrinsecamente ligada aos conflitos sociais desta sociedade marcada pelas desigualdades.

Por fim, abordar-se-á o viés essencial na busca do desenvolvimento sustentável, da cidadania e da justiça ambiental, qual seja, a racionalidade ambiental que, aliada à educação ambiental, pode servir de alicerce na formulação de novos paradigmas para a solução dos conflitos ambientais da atualidade.

1. Em busca da justiça ambiental e do desenvolvimento sustentável na sociedade de risco
1. 1 A crise

O fenômeno da crise ambiental foi responsável por desencadear toda preocupação com as questões ambientais. Esta crise foi, de certa forma, um moderador à produção de bens e serviços do mundo globalizado. Conforme Leff (2006, p. 223), "a marca de uma crise de civilização, de uma modernidade fundada na racionalidade econômica e científica como os valores supremos do projeto humanizatório da humanidade que tem negado a natureza como fonte de riqueza."

A modernidade, desde suas origens, desenvolveu-se lutando pela busca da emancipação do sujeito em nome da ciência, rejeitando toda a bagagem do cristianismo e a herança do dualismo cristão e as teorias do direito natural que haviam provocado o nascimento das Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão.

As grandes promessas da modernidade, no desejo de responder às necessidades humanas, concentram-se nas vitórias, tanto da ciência como da tecnologia. Na linguagem marxista, atribuindo valor econômico às coisas pelo tempo de trabalho humano despendido à produção do bem e, posteriormente, em substituição ao trabalho humano, passando a valorar exclusivamente pela produtividade. Este novo referencial acabou coisificando a terra e extraindo tudo aquilo que pudesse ter valor no grande mercado das relações econômicas e sociais. A degradação ambiental já podia ser vista no período do Iluminismo, onde a razão cartesiana e a física newtoniana já separavam o homem da natureza (LEFF, 2006), mas foi com a Revolução Industrial, com a retomada da produção em massa, unindo ciência e tecnologia, principalmente na exploração de novos recursos naturais que surgiu a sociedade de risco e os movimentos ecológicos em busca do desenvolvimento sustentável.

O homem, como qualquer outro ser vivo, exerce sua influência sobre a natureza e, dela retira recursos para assegurar a sua sobrevivência rejeitando aquilo que não lhe parece útil. Contudo, diferentemente das demais espécies vivas, o homem culturaliza a natureza, imprime-lhe uma simbologia, uma representação com o intuito de torná-la inteligível a sua compreensão. A filosofia então, passou a ditar o que a natureza representa para o homem. No início, a natureza apropriada, depois, a crise ambiental, a crise da percepção da natureza pelo homem.

Esta sociedade, pós-moderna para alguns (SANTOS, 2003), de risco (BECK apud LEITE; AYALA, 2004) para outros, ou ainda, complexa, caracteriza-se pelo risco generalizado e pela incerteza, fatores que se apresentam como grandes desafios tanto para o Estado como para o direito. O conceito da sociedade de risco, trazido por Beck (2008) é de relevante importância no contexto da degradação ambiental do ecossistema e da crise ambiental.

A sociedade de risco representa uma depauperação civilizatória, uma vez que as bases da vida se encontram sob ameaça e também como meios para tal ameaça. Há disparidade entre as percepções científica e social dos riscos - níveis de tolerância de substâncias tóxicas são estabelecidos de acordo com as necessidades produtivas, não de acordo com a salubridade real. Além disso, a ciência é contraproducente no tocante ao reconhecimento dos riscos, tendo-se em vista que a sua imprecisão, a dificuldade em compreender sua linguagem e sistemática ou até mesmo manipulação de dados a favor do progresso e da produção favorecem a incerteza quanto a eles, tornando a realidade especulativa, criando-se a incerteza.

Nesta incerteza, cria-se outra importante diferença na sociedade de risco: a capacidade de se prever o risco, de se dominar o risco (mesmo que suas causas sejam impossíveis de dominação). Uma nova moral ecológica surge cobrando a responsabilidade pelos efeitos secundários não apenas aos seres humanos, mas, também, ao restante da natureza. Problemas anteriormente não políticos adquirem importância política fundamental, porém, a sociedade de risco, segundo Beck (2008), não é revolucionária, mas sim, catastrófica, pois anuncia e aguarda os cataclismos iminentes. Cobra-se do direito, das ciências, do Estado a imposição de limites, ou seja, a ordenação, demonstrando portar, a sociedade de risco, um totalitarismo legítimo na defesa contra os perigos.

A individualização foi o principal efeito da passagem da sociedade industrial à sociedade de risco, individualização esta entendida como o desprendimento do indivíduo da classe e da família, sendo remetido ao seu destino laboral com todos os riscos, oportunidades e contradições decorrentes da modernidade (fundamentada no binômio indivisível da liberdade individual e igualdade independentemente das limitações impostas). Ao lado da individualização contamos com a institucionalização eis que, os indivíduos desprendidos se cada vez mais dependentes das instituições reguladoras da sociedade e do mercado. Assim sendo, a individualização é um processo contraditório de socialização, pois, da tomada de consciência dessa situação, pode ser conduzido o surgimento de novas comunidades socioculturais quer através de movimentos sociais ou de iniciativas cidadãs que protestam contra este "risco" de perda da vida própria que a individualização representa.

Para Beck (2008), o principal elemento diferenciador entre a sociedade industrial e a sociedade de risco não é a lógica da repartição das riquezas ou do risco. É a mudança da relação de prioridades: enquanto a primeira julga ser compatível a lógica da distribuição das riquezas em relação à produção dos riscos, a segunda considera as duas produções incompatíveis e rivais.

Nas afirmações de Beck (apud LEITE; AYALA, 2004), a degradação ambiental é o mais sistemático e abrangente de todos os riscos e perigos que as sociedades modernas criaram. E, conforme os riscos vão sendo produzidos no bojo dos conflitos e disputas de interesses que permeiam e caracterizam a dinâmica das formações sociais, amplia-se o grau de incerteza, medo, injustiça e insegurança no seio das sociedades contemporâneas.

Este grau de incerteza, segundo Leite e Ayala (2004, p. 110), é também acentuado pela impossibilidade da ciência em apresentar respostas satisfatórias aos riscos, sendo necessário ressaltar a incapacidade funcional da ciência, em primeiro lugar para o correto diagnóstico dos riscos e, depois para a informação e orientação das alternativas para as ações e processos relacionados à tomada de decisões em matéria ambiental.

Riscos estes que expõem geralmente os grupos sociais mais vulneráveis às condições ambientais em processo de degradação. Nesta perspectiva é que emerge a concepção da questão ambiental como uma questão também de justiça distributiva, tornando a gestão dos conflitos socioambientais democrática e participativa como uma das maiores lutas ecologistas.

1. 2 A luta por justiça ambiental

O tema em voga na atualidade é a degradação do meio ambiente que acomete as sociedades contemporâneas. Difunde-se a ideia de que todos somos vítimas em potencial porque vivemos no mesmo macro-ecossistema global - o planeta Terra. Giddens (1996, p. 256) afirma que "a ecotoxidade afeta potencialmente a todos, produzindo uma contaminação genérica, por substâncias químicas que atingem indiretamente o meio ambiente". Contudo, este raciocínio é simplista demais se analisado socialmente, uma vez que os impactos são distribuídos tanto em termos de incidência quanto de intensidade, sendo possível constatar que sobre os mais pobres e os grupos étnicos desprovidos de poder recai, desproporcionalmente, a maior parte dos riscos ambientais socialmente induzidos (seja no processo de extração, seja na disposição de resíduos no ambiente).

Em 1991, o Memorando Summer, do Banco Mundial tinha como lógica destinar sistematicamente os danos ambientais aos países, regiões e grupos sociais mais pobres elevando a eficácia global do sistema capitalista. Após duras críticas surgiu o termo "modernização ecológica" o qual propunha conciliar o crescimento econômico com a resolução dos problemas ambientais, dando ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso.

O pensamento dominante considera, então, democrática a distribuição dos riscos e, contra este pensamento é que insurgiram-se os movimentos sociais, sendo que, na definição do Movimento de Justiça Ambiental dos EUA, justiça ambiental

É a condição de existência social configurada através do tratamento justo e do desenvolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e aplicação de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se a grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional da operação de empreendimentos industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais ou municipais, bem como das conseqüências resultantes da ausência ou omissão destas políticas. (ACSELRAD, 2009, p. 16).

Este Movimento de Justiça Ambiental surgiu nos anos 80 nos EUA, mas, já na década de 60, havia um debate sobre a distribuição desigual dos riscos ambientais e a distribuição por raça e renda. Estudos comprovaram que o Estado concorria diretamente para a aplicação desigual das leis ambientais. Sindicatos e organizações específicas elaboraram, na década de 70, pautas sobre questões ambientais urbanas. Em 1976/77 houve negociações no sentido de combater a localização do lixo tóxico (concentrado nas áreas residenciais da população negra). Em 1982, na Carolina do Norte, o movimento se afirmou elevando a justiça ambiental à condição central na luta pelos direitos civis. Um estudo feito em 1987, a pedido da Comissão de Justiça Racial, confirmou que a "composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a existência ou inexistência de depósitos de rejeitos perigosos de origem comercial em uma área" (ACSELRAD, 2009, p. 16). A raça, portanto, prepondera mais do que a baixa renda, o que significa racismo ambiental.

Em 1990, o governo dos EUA, por pressão, criou um grupo de trabalho para estudar o risco ambiental nas comunidades de baixa renda, contudo, este grupo concluiu que faltavam dados para tal discussão em razão da pouca participação das comunidades de baixa renda e das minorias nos processos decisórios. Um ano depois, num encontro de lideranças ambientalistas foram aprovados dezessete princípios de justiça ambiental com o intuito de redesenhar a política ambiental naquele país e incorporar a pauta das minorias.

Os militantes que levantaram a bandeira da justiça ambiental diagnosticaram problemas e estabeleceram princípios e estratégias de luta a ponto de formar uma rede nacional de lutas solidárias e que, mais tarde, se tornou internacional. Dentro dos princípios está a ordem de poluição tóxica para ninguém que atribui para a justiça ambiental uma luta de caráter solidário com o objetivo de fechar o cerco contra empreendimentos ambientalmente perversos, impedindo que qualquer tipo de população politicamente mais fraca sofra as consequências. Outra regra estabelecida foi o princípio da transição justa com o objetivo de que o atual modelo de desenvolvimento precisa ser transformado de tal forma que não destrua o emprego dos trabalhadores das indústrias poluidoras, tampouco penalize as populações dos países menos industrializados para onde as transnacionais tenderiam a transferir suas fábricas. E, por fim, o princípio de políticas ambientais democraticamente instituídas, na perspectiva de conter o livre-arbítrio dos agentes econ6omicos com maior poder de causar impactos ambientais para uma democratização permanente e efetiva.

Concomitantemente a estes princípios também foram definidas algumas estratégias de luta pela justiça ambiental, como por exemplo, a produção de conhecimento próprio para a avaliação da equidade ambiental, pressão pela aplicação universal de leis ligada ao princípio da poluição tóxica para ninguém. Outras formas de pressão estão ligadas ao aperfeiçoamento da legislação de proteção ambiental e por novas racionalidades no exercício do poder estatal. A luta pela ação direta como forma de questionar os empreendimentos e de abrir um debate sobre a pertinência ou não de tais e a difusão espacial do movimento vem de encontro com este conjunto de ações, uma vez que é nítido que as lutas dos movimentos por justiça ambiental tem sido uma eficaz forma de resistência organizada contra os efeitos perversos da mobilidade espacial do capital e do esforço que os grandes interesses econômicos empreendem para instaurar diferentes padrões ambientais às suas atividades nocivas. Este movimento por justiça ambiental procura, de certa forma, demonstrar que não há questão ambiental a ser resolvida anteriormente à questão social.

Já a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, criada dez anos após a Constituição Federal, elaborou uma declaração que expandiu a abrangência das denúncias para além do racismo ambiental e acabou definindo por injustiça ambiental

O mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento à populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. (ACSELRAD, 2009, p. 41).

A partir desta Rede Brasileira, vários direitos foram reivindicados, muitas denúncias de conflitos ambientais foram publicizados, como por exemplo, campanhas contra grandes empreendimentos, em especial contra barragens e monocultura, contra a violência no campo onde grupos indígenas e quilombolas são vítimas de agressões, a vitória do Brasil na OMC com pneus, dentre outros.

Crescentes são as pesquisas brasileiras que tentam examinar a coincidência entre áreas de degradação ambiental e local de moradia de populações despossuídas ao mesmo tempo que crescentes são as lutas contra as injustiças ambientais. Raça e renda também aqui no Brasil são variáveis importantes em termos de distribuição da desproteção ambiental. Tomando como exemplo o caso específico de São Paulo, as pesquisas apontam para o fato de existir uma associação positiva entre nível (ou concentração) de pobreza e grau de exposição aos riscos ambientais.

Entre os domicílios de baixa renda no município de São Paulo (ALVES; TORRES apud ACSELRAD, 2009), observa-se uma associação entre proximidades de cursos d’água e carência de infra-estrutura e serviços urbano estando, estes moradores, menos escolarizados, mais pobres, com menos acesso a serviços públicos e bens duráveis e residindo em domicílios mais precários do ponto de vista construtivo e mais expostos a vetores de doenças transmissíveis. Estes gravames acabam deixando esta população que, na sua grande maioria, são favelados, extremamente vulneráveis.

A desigualdade ambiental pode manifestar-se sob duas formas: quer seja na forma de proteção ambiental desigual, quer seja no acesso desigual aos recursos ambientais. A diferença no grau de exposição das populações aos riscos ambientais decorre de processos sociais e políticos que distribuem de forma desigual a proteção ambiental. Já o acesso desigual diz respeito às externalidades, ou seja, o desenvolvimento de uma atividade compromete a possibilidade de manutenção de outra atividade e até mesmo exclusão de um grupo social de determinado local, em favor do dito desenvolvimento (que infelizmente, por vezes, conta com o apoio e o respaldo do poder público). Este acesso desigual geralmente acarreta uma concentração de bens e poder (existe segundo o PNUD um segmento social [20%] com alto padrão de consumo [80%])3

A desigualdade ambiental, seja em termos de proteção desigual como de acesso desigual demonstra que o que está em jogo não é a sustentabilidade dos recursos e do meio ambiente mas sim, as formas sociais de apropriação, do uso e mau uso destes recursos e do ambiente acabando por evidenciar a co-relação direta dos mecanismos de produção da desigualdade social com os mecanismos de produção das desigualdades ambientais.

Neste sentido, a pobreza não é um fenômeno na natureza das coisas. É um produto dos processos sociais, ela não é um estado, mas um efeito, fruto de um processo social. E, desta forma, a desigualdade ambiental nada mais é do que uma distribuição desigual das partes de um meio ambiente injustamente dividido, onde a desigualdade social e de poder é o cerne da degradação ambiental. Por esta razão, não há que se falar em enfrentar a crise ambiental sem promoção da justiça social.

O Brasil tem batido recordes em desigualdade social no mundo através do mecanismo de admitir a prosperidade dos ricos por meio da expropriação dos que já são pobres. Não se pode falar em progresso e desenvolvimento nesta situação, onde certos capitais lucram com a transferência dos males ambientais para os mais desprotegidos. Dentre as causas para configurar uma proteção ambiental socialmente desigual, temos o mercado - onde os ricos tendem a escapar dos riscos ambientais residindo em áreas mais protegidas, cujo solo tem valor maior -, as políticas - tanto de ação como de omissão por parte do ente estatal -, a desinformação forçada pelos responsáveis dos riscos e, por fim, a neutralização da crítica potencial, ou seja, a conquista da população vizinha ao empreendimento com o intuito de evitar mobilizações e questionamentos sobre as suas reais condições de funcionamento.

Duas correntes procuram estratégias, teorias, teses para negar a injustiça ambiental e justificar as desigualdades ambientais. De um lado, os neomalthusianos argumentam que o crescimento populacional excedeu a capacidade de suporte dos territórios e do planeta, e o crescimento da população pobre em especial. Eles defendem políticas de controle de natalidade, especificamente nos grupos sociais despossuídos. Sustentam a tese de não distribuir os recursos e assegurar que os mais aptos sobrevivam, bem como, suprimir os direitos e serviços públicos de saúde e educação às populações imigrantes. Por outro lado, os ultraliberais defendem a ideia de privatização do meio ambiente. Sustentam que a falta de definição de propriedade privada sobre os recursos ambientais é fator determinante da degradação ambiental e, mesmo que seja injusto, alegam que é preferível a injustiça do que a ruína.

Tais argumentos somente elucidam um sintoma: da visibilidade crescente dos movimentos por justiça ambiental. Alguns pensadores conservadores tentam negar as denúncias de injustiça ambiental. Sustentam que não existe desigualdade ambiental entre grupos sociais ou raciais, mas apenas entre indivíduos, embasando sua teoria na afirmação da ex-primeira ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher, segundo a qual "a sociedade não existe, só os indivíduos" (PERHAC apud ACSELRAD, 2009, p. 86-87) ou então pelo fato de que algumas pessoas aceitam voluntariamente o risco desproporcional em troca de vantagens econômicas; que as denúncias de desigualdade ambiental não equacionam o desejo das comunidades que querem evitar os riscos, mas querem também o desenvolvimento industrial e empregos.

As empresas, por sua vez, também adotam condutas no sentido de prevenir lutas por justiça ambiental, principalmente com investimentos em marketing cujo intuito é desmobilizar os agentes da crítica e conquistar a adesão da população à causa da empresa. O processo de "ambientalização" de uma empresa geralmente se dá não por sensibilização social, mas sim para desarmar uma organização social, impedir que a crítica da desigualdade ambiental venha comprometer a previsibilidade dos ganhos econômicos.

Entender a natureza no interior do campo dos conflitos sociais representa uma mudança na forma de pensar os direitos e a justiça. Significa um estilo menos confrontacional, mais moderado, mais interessado na harmonia. Contudo, a negociação como resposta ao avanço das lutas sociais, aparecem, geralmente, como prodígio democrático dos dominantes, infelizmente.

O Brasil é um país marcado por processos associados à acumulação extensiva e intensiva. O que fez o país ter um discurso ambiental no âmbito governamental foram, sem dúvida, as preocupações por parte das elites mundiais com a problemática do crescimento. As políticas que hoje chamamos de políticas ambientais implícitas se caracterizam por ações em três níveis: I - a administração dos conflitos pela apropriação de recursos naturais na fronteira de expansão das atividades capitalistas; II - a estruturação das condições gerais da produção capitalista e III - a oferta de bens de consumo. Tais níveis da ação estatal precederam, assim, a formulação contemporânea da questão ambiental e vieram integrar de forma reelaborada o que, a partir dos anos 70, veio a constitui as políticas ambientais explícitas.

Uma política ambiental explícita de governo iniciou-se em 1973 com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) sem qualquer articulação com a socidade. Constituiu-se gradativamente o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e somente em 1992 foi criado um Ministério para o Meio Ambiente.

A grande questão no Brasil foi como fazer política ambiental com aquilo que o sociólogo Francisco de Oliveira chama de "Estado anão" no que diz respeito às políticas redistributivas sociais, regionais e ambientais. O que se observa hoje é uma fragmentação e uma pulverização das instâncias de decisões das questões ambientais - a ausência da chamada transversalidade da preocupação com o meio ambiente nas políticas públicas - demonstram que a questão ambiental ainda está longe de ser considerada uma questão de Estado no Brasil, infelizmente.

O meio ambiente, na atualidade, é visto como uma simples restrição a ser acrescida ao conjunto de políticas públicas. A questão ambiental ainda tem sido insuficientemente vista como a expressão de uma luta social e política a ser equacionada por meios burocráticos. Dentro deste cenário é que surgem grupos sociais, não homogêneos do ponto de vista das condições materiais de existência, agindo de forma crítica na tentativa de formar um pensamento, uma compreensão sobre a necessidade urgente de proteção e justiça ambiental a todos.

Para Acselrad (2009, p. 139), no contexto da globalização

A solução só pode ser encontrada nos esforços feitos para evitar a competição interlocal seja entre trabalhadores ou entre governos, na discussão democrática tendo por base a informação disponível sobre os riscos e impactos nas formas de ação unificadas entre atores de diferentes localizações na análise crítica dos projetos e do modelo de desenvolvimento, assim como na busca de alternativas que faça com a morte não vença a justiça.

Dentre os principais sujeitos da resistência à produção de desigualdades ambientais estão as vítimas da contaminação de espaços não diretamente produtivos, as vítimas da contaminação produtiva interna e as vítimas da despossessão de recursos ambientais. Já as lutas pro justiça ambiental combinam a defesa dos direitos a ambientes culturalmente específicos, a defesa dos direitos a uma proteção ambiental equânime contra a segregação socioterritorial e a desigualdade ambiental promovidas pelo mercado, a defesa dos direitos de acesso equânime aos recursos ambientais contra a concentração de terras férteis, das águas e do solo seguro nas mãos dos fortes interesses do mercado bem como, a defesa dos direitos das populações futuras.

Para os setores populares mais organizados é cada vez mais evidente a fusão entre o risco ambiental e a insegurança social onde fica claro que a proteção ambiental não é restrita a classes médias urbanas, mas parte integrante das lutas sociais das maiorias para fazer do meio ambiente um espaço de construção de justiça e não apenas de realização da razão utilitária do mercado.

1. 3 Aspectos da educação ambiental na sociedade de riscos

Muito embora a sociedade de risco traga consigo uma gama de caracteres que apontem para a proximidade intermitente de um desastre, principalmente pelas injustiças ambientais, essa mesma sociedade traz consigo a possibilidade da percepção de oportunidades. A educação ambiental vem ganhando destaque na sociedade do século XXI como importante ferramenta de proteção do meio ambiente, atuando tanto no contexto formal como no informal.

Em nível mundial é possível visualizar a preocupação com o meio ambiente a partir da criação do Clube de Roma em 1968, da Conferência de Estocolmo em 1972 quando se vislumbra a problemática ambiental de forma mais ampla e as repercussões no "nosso futuro comum", como sugere em seu próprio documento final. Entretanto, é na Conferencia de Tibilisi, em 1977 que é incorporada de forma mais objetiva a dimensão ambiental na educação e é ressaltada a formação de educadores ambientais na perspectiva interdisciplinar, transcendendo os limites da educação formal.

No Brasil, a educação ambiental demorou para se estabelecer e somente adquiriu espaço no final da década de 80 com a promulgação da Constituição Federal e posteriormente com a Rio-92. Em seguida, o Programa Nacional de Educação Ambiental (1994) estabeleceu algumas diretrizes de ação sendo as principais: educação ambiental no ensino formal e educação no processo de gestão ambiental (não formal). Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais a questão ambiental foi transformada em um tema transversal em razão da importância social, urgência e universalidade mas, infelizmente, continuou a ser trabalhada em segundo plano uma vez que não foi definida como uma disciplina e sim tratada como um tema atrelado as diversas disciplinas. Foi somente em 1999 com a Política Nacional de Educação Ambiental que foram estabelecidos conceitos, princípios e objetivos fundamentais acerca do tema.

A educação ambiental deve ter por objetivo a plena capacitação do indivíduo para compreender adequadamente as implicações ambientais do desenvolvimento socioeconômico. Para Fiorillo (2006, p. 44) educar ambientalmente significa

Reduzir os custos ambientais a medida que a população atuará como guardiã do meio ambiente; efetivar o princípio da prevenção; fixar a ideia de consciência ecológica, que buscará sempre a utilização de tecnologias limpas; incentivar a realização do princípio da solidariedade; efetivar o princípio da participação dentre outras finalidades gerais.

Importante também esclarecer acerca da educação formal e da não formal ou informal. A primeira é aquela desenvolvida no âmbito dos currículos ou seja, aquela que ocorre no ensino escolar público ou privado enquanto que a segunda aborda práticas e ações de natureza educativa que visam sensibilizar a população em geral acerca da pertinência das questões ambientais e a sua organização e participação na tutela do meio ambiente. A educação não formal não exclui a participação das escolas e das universidades na formulação e execução de programas e atividades vinculadas a tal fim.

De todos os desafios no decorrer da caminhada, a prática da interdisciplinaridade eclodiu como alternativa epistemológica orientadora de novas práticas para desencadear as ações que tenham como pressupostos da formação de um novo profissional de educação ambiental. As iniciativas inovadoras e interdisciplinares existentes mostraram-se insuficientes para alcançar os objetivos que esse novo formar ambiental impõe, demandando não mudanças superficiais e isoladas, mas sim transformações profundas que implicam na ressignificação do sentido do ser educador.

O educador ambiental deverá estar receptivo a uma nova epistemologia socioambiental, permanentemente aberto aos saberes de forma crítica e reflexiva, capaz de se inter-relacionar com o ambiente, com a finalidade e transformar a realidade ao interagir com ela transformando a si mesmo também. Ao analisar a parte deve compreendê-la como parte constitutiva da complexidade do cosmos. É uma sabedoria dispersa e em constante movimento na formação do saber ambiental que se consolida na cultura, na história, nas relações socioambientais nas quais estiver interagindo. Contudo, seria ingênuo acreditar que esta formação de saber ambiental seria capaz e suficiente para desencadear todos os processos de transformações necessários para a promoção da sustentabilidade, da cidadania e da justiça ambiental.

O campo de realização destas novas epistemologias não pode permanecer relegado a uma compreensão de que o ente público é gestor destes interesses, mas evidenciar que a possibilidade de concretização pressupõe compromissos interpessoais e interinstitucionais uma vez que a interdisciplinaridade se configura em políticas públicas multiatoriais não do poder público apenas, mas da totalidade das instâncias influentes na geração e implementação destas políticas. Neste sentido, é importante que a referida concepção/ação se dissemine e permeie toda a coletividade inerente à vida.

Com sua visão crítico-reflexiva, o novo ente será capaz de identificar ou mesmo provocar inquietações no processo em que a interação, sujeito entre sujeitos, dissemine sementes da transformação desejada. A integração dos saberes pressupõe ainda a permanente convivência com as diferentes culturas, não apenas a suportabilidade como convivência, mas como busca da totalidade, aceitando o diferente como diferente, mas nunca como desigual ou inferior.

Compreendida a necessidade da construção de novos paradigmas educacionais no que tange a matéria ambiental, faz-se imprescindível relacioná-los à sociedade de risco na atualidade, bem como visualizar soluções para os problemas destas a partir dos novos modelos de ação dentro os quais a construção de uma nova racionalidade, haja vista a contradição entre economia e ecologia imposta pelos homens. A construção de uma racionalidade ambiental é o processo de produção teórica e de transformações sociais que orientam para uma economia global sustentável. Este processo, segundo Leff (2002, p. 162), "gera novas perspectivas epistemológicas e métodos para a produção do conhecimento, bem como para a integração prática dos diversos saberes no tratamento de problemas socioambientais".

O novo saber ambiental requer o rompimento com antigos paradigmas em busca de um novo conhecimento que objetive, principalmente o desenvolvimento sustentável, a cidadania plena e justiça ambiental. Isto implica "um processo de desconstrução do pensado para se pensar o ainda não pensado, para se desentranhar o mais entranhável dos nossos saberes e para dar curso ao inédito." (LEFF, 2002, p. 196).

Esta nova racionalidade ambiental para Leff (2002) deve funcionar como um instrumento integrador das diversas disciplinas que analisam o meio ambiente na interação das transformações socioambientais que, para eles, são decorrentes de uma racionalidade produtiva que estaria em crise. Deve também existir uma estratégia ambiental de desenvolvimento, que incorpora novos conceitos, princípios, valores, normas, ações e relações entre meios e fins, fundada nos princípios do ecodesenvolvimento, da gestão ambiental e do desenvolvimento sustentável além de uma curiosidade epistemológica na busca de um saber ambiental que internaliza as condições da subjetividade e do ser, o que levanta uma série de implicações tanto para uma epistemologia como para uma pedagogia da complexidade ambiental.

Finalmente, a educação ambiental é um saber construído socialmente, multidisciplinar na estrutura, interdisciplinar na linguagem e transdisciplinar na ação. Por isso não pode ser área específica de nenhuma especialidade do conhecimento humano. Deve ser instrumentalizada em bases pedagógicas por ser uma dimensão da educação. Deve lutar pela transformação de pessoas e dos grupos sociais e ainda ensejar a busca de um mundo viável para presentes e futuras gerações sendo todos partícipes esclarecidos da construção do presente e do futuro.

Breves considerações

A partir da percepção de uma crise do projeto sócio-cultural da modernidade que culmina no período atual de crise marcado pelos riscos globais há uma crescente inquietação por parte de instituição nacionais e internacionais, públicas e privadas acerca da necessidade de repensar os atuais padrões de desenvolvimento.

Torna-se nítida a necessidade da construção de uma nova relação do homem consigo mesmo, do homem com o outro e principalmente do homem com a natureza, a qual não deve ser pautada tão-somente pela desenfreada expansão mercadológica, mas sim dizendo de um parâmetro de respeito à possibilidade de uma vida digna. Sem essa perspectiva, os perigos para a raça humana e as desigualdades sociais provenientes das externalidades provocadas pelo sistema atual, apenas serão aceitos em sua fatalidade e de modo algum criticados ou superados.

Porém, a partir da própria ambivalência inerente à sociedade de risco, pode-se traçar um caminho de sustentabilidade e preservação ambiental, promovendo a justiça ambiental como valor diretamente relacionado à possibilidade de uma vida digna eis que a questão ambiental não representa necessariamente um entrave ao desenvolvimento, mas, uma dimensão constitutiva de um modelo de desenvolvimento democrático e inclusivo. Essa percepção provém da dicotomia desastres/oportunidades relativa à sociedade de risco, considerando-se que aponta um dos únicos rumos viáveis em tempos nos quais a dissociação entre global e local e local e global se torna cada vez mais improvável - ou senão impossível.

Portanto, a emergência de um Saber Ambiental em meio à sociedade de risco é primordial, considerando-se que as oportunidades traçadas pelo "momento cosmopolita" podem fazer com que o ser humano construa, dentro dos princípios da democracia ambiental, da equidade social, econômica e cultural demarcando um processo de uma sociedade renovada regida pela justiça ambiental, um paradigma de sustentabilidade em meio à tamanha crise vivenciada atualmente.

Referências

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SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.

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[1] Doutora em Direito. Teoria e filosofia do Direito pela Universidade Federal do Paraná (2003).Pós-doutorado em Direito Ambiental e Antropologia Jurídica pela Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC. Foi professora do Departamento de Estudos Jurídicos e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -UNIJUI, disciplina de Ecocidadania, Meio Ambiente e Desenvolvimento. Atualmente é professora do Centro de Ciências Jurídicas e do Programa de Mestrado em Direito Ambiental da Universidade de Caxias do Sul- UCS - disciplina Teoria do Direito Ambiental. Professora do Mestrado em Política Social da Universidade Católica de Pelotas.Pesquisadora do GPAJU- Grupo de pesquisa em Antropologia Jurídica da UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina, financiado pelo CNPq. É professora responsável pelo Grupo de Pesquisa interinstitucional em Direito, Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNPq. Membro do ASF- Advogados Sem Fronteira na América Latina- Brasil. E-mail: raquel7778@hotmail.com

[2] Mestranda em Desenvolvimento da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), Linha de Pesquisa: direito, cidadania e desenvolvimento. camila.copetti@brturbo.com.br

[3] Segundo o PNUD (apud ACSELRAD, 2009, p. 75), "são 20% da população mundial que consome entre 70% e 80% dos recursos do mundo. São estes 20% que comem 45% de toda carne e de todo peixe, que consomem 68% de toda eletricidade, 84% de todo papel e que consomem 87% de todos os automóveis."

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