Romance processual: o processo como texto

AutorJosé Antonio Callegari
Páginas147-169
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ROMANCE PROCESSUAL: O PROCESSO COMO TEXTO
JOSÉ ANTONIO CALLEGARI
O direito moderno revela a seus destinatários uma dupla face: eles podem
tomar as normas do direito como simples ordens que limitam faticamente
o campo de ação de um sujeito, às quais ele tenta fugir estrategicamente, cal-
culando as conseqüências que podem resultar de uma infração da regra;
ou asumir um enfoque performativo, considerando essas mesmas normas
como mandamentos válidos aos quais se obedece “por respeito à lei”.
(HABERMAS, 2003, p. 308).
1. INTRODUÇÃO
Apresentamos algumas reflexões sobre relação entre paradigmas normati-
vos e o processo. Regido por estes paradigmas, o processo estrutura-se como um
texto, no qual se concretizam as normas jurídicas.
Segundo Hesse (1991), a Constituição possui força normativa. Deste
modo, ela atua como paradigma normativo (HABERMAS, 2003), projetando va-
lores e princípios no texto processual.
Ao projetar sua força normativa, a Constituição estabelece contato com
os fatores reais de poder (LASSALE, 2015), que testam sua validade no mundo
da vida.
Em sentido prático:
entre a norma fundamentalmente estática e racional e a realidade fluida e
irracional, existe uma tensão necessária e imanente que não se deixa elimi-
nar. Para essa concepção do Direito Constitucional, está configurada per-
manentemente uma situação de conflito: a Constituição jurídica, no que
tem de fundamental, isto é, nas disposições não propriamente de índole
técnica, sucumbe cotidianamen te em face da Constituição real. (HESSE,
1991, p. 10)
Neste aspecto, propomos analisar o processo como esfera pública comu-
nicativa, regido por duas gramáticas jurídicas, o Código de Processo e a
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Constituição. “Deste modo, o Direito normativo não resultará da produção le-
gislativa, sendo os textos normativos o início do processo de concretização da
norma, bem como um interdito, haja vista que serão sempre observados os pa-
râmetros de um Estado Democrático de Direito.” (STRECK, 201Ě, p. 2ě1).
Observados os parâmetros democráticos, o Código de Processo organiza
os atos de fala, numa sequência coerente e coesa, cuja integridade revela um tipo
de romance em cadeia dworkiniano: o processo.
Se a gramática jurídica programa as condições ideiais do texto processual,
é através do processo que surge o texto concreto. Por esta razão, levemos em
conta que:
O texto não existe em sua “textitude”; ele só é (existe) na sua norma, que
é o sentido que se atribui no processo de applicatio, isto é, de interpreta-
ção/aplicação (STRECK, 2017, p. 29).
O texto é inseperável de seu sentido; textos dizem sempre respeito a algo
da facticidade; interpretar um texto é aplicá -lo; daí a impossibilidade de
cindir interpretação da aplicação. (STRECK, 2017, p. 281)
Para desenvolver os nossos argumentos, analisamos alguns paradigmas
normativos no Direito brasileiro: Constituições federais de 1967 e de 1988 e Có-
digos de Processo Civil de 1973 e 2015.8
Como nos informa Streck (201Ě, p. 3Ě), em 19ěě “o Brasil recebeu uma
nova Constituição, rica em direitos fundamentais, com a agregação de um vasto
catálogo de direitos sociais.”
Em razão disto, indaga-se:
de que modo poderíamos olha r o novo com os olhos do novo? Afinal,
nossa tradição jurídica estava assentada em um modelo libera l-individua-
lista…em que não havia lugar para direitos de segunda e terceira dimen-
sões. Do mesmo modo, não havia uma teoria constitucional adequada às
demandas de um novo paradigma jurídico. (STRECK, 2017, 37).
Streck indica haver uma relação anacrônica entre os modelos normativos
e o novo paradigma constitucional. Em razão disto, surgiu a necessidade de se
adequar as normas jurídicas e as análises teóricas em conformiade com o novo
paradigma instituído.
Para Streck (201Ě, p. 3Ě), “não havia uma teoria constitucional adequada
às demandas de um novo paradigma jurídico”. Considerando a unidade do orde-
namento jurídico e a comunicação entre os subsistemas normativos, podemos
8 Para facilitar a exposição, reduziremos os termos Constituição Federal e Código de Processo Civil,
indicando os anos de publicação: CF/1967, CF/1988, CPC/1973 e CPC/2015.

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