A relevância do duelo na definição de uma identidade para a Europa tardo-medieval

AutorPaulo Catarino Lopes
Páginas15-42
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2. A RELEVÂNCIA DO DUELO NA DEFINIÇÃO DE UMA
IDENTIDADE PARA A EUROPA TARDO-MEDIEVAL
Paulo Catarino Lopes
*OTUJUVUPEF&TUVEPT.FEJFWBJT/07"'$4)
É nossa intenção nas páginas que se seguem reflectir sobre a importância dos
binómios )POSB7FSHPOIBF %FTBGJP%VFMP na estruturação do quadro mental do
europeu ocidental na transição da Idade Média para a Modernidade, tendo por
pano de fundo o exemplo português e o caso específico dos enfrentamentos indivi-
duais em campo de batalha.
Neste quadro, procuramos responder a uma pergunta central: tendo em conta
a mutação profunda da arte e da técnica da guerra na viragem do século XV para
o século XVI em sentido absolutamente contrário, como é que o desao e o duelo
individuais não apenas vão sobreviver como vão impor-se na qualidade de elemen-
tos estruturantes dos conceitos de honra, vergonha e afronta, os quais serão a base
da ética, dos valores morais e, sobretudo, da identidade da nobreza nos três séculos
seguintes?
Metodologicamente, será desenvolvida uma análise com base quer na crítica his-
tórica quer em conceitos devedores da antropologia social. O exame incidirá
sobre três casos: o primeiro e mais importante associado a D. Jaime, 4º
Duque de Bragança (ainda que de forma indirecta, dado tratar-se de um texto que
lhe é dirigido); e dois relacionados com o cronista Gomes Eanes de Zurara
(1410-1474). Os acontecimen-tos em causa têm lugar em Itália e no Norte de
África.
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Consideramos que os casos em análise, pela sua diversidade, alcance e protago-
nistas, oferecem em relação à condição especíca dos duelos individuais no campo
de batalha uma mundividência que podemos imaginar representativa da nobreza
masculina do Ocidente tardo-medieval.
Sem nunca perdermos de vista a identidade do reino luso e o papel singular des-
empenhado pelos portugueses neste período de encruzilhada, não devemos esque-
cer que Portugal faz parte de um todo que deve ser olhado em conjunto. Mais ainda,
em sentido lato, é fundamental reter que os binómios )POSB7FSHPOIBF %FTBGJP
%VFMP constituem um fenómeno europeu e não apenas português – isto indepen-
dentemente do grau e do alcance que o mesmo possa atingir em cada território. Tal
deve-se a que a os alicerces civilizacionais são os mesmos: a cultura greco-latina e a
matriz judaico-cristã. Não é, pois, de estranhar que a uniformidade social e cultural
ocorra também a este nível específico.
A perspectiva com que os Portugueses encaram o mundo que os rodeia tem por
base o que conhecem e esse conhecido é o mundo cristão com tudo aquilo que o
caracteriza: a hierarquia e a organização política, social e religiosa os costumes e
superstições associados as práticas jurídicas e litúrgicas. Enfim, tudo o que distin-
gue a Cristandade ocidental.
A postura fortemente centralizada da Igreja de Roma torna, por um lado, e ape-
sar de cíclicos momentos de tensão espiritual vividos na Cristandade, a identidade
religiosa um dado inquestionável e, por outro inequívoco o sentimento de
pertença a uma mesma comunidade de valores.
Portugal está, pois, invariavelmente ligado à Europa de que faz parte, nomeada-
mente a Castela, Itália, França e Inglaterra. Não surpreende, por isso, que partilhe
de uma idêntica concepção do mundo, bem como dos seus valores, sentimentos,
emoções e ansiedades.
Neste ponto, salientamos que foi uma opção metodológica consciente deixar a
realidade dos torneios fora deste estudo, pois constituem um caso à parte. A honra,
o desao e duelo são atributos intrínsecos ao torneio, sem dúvida. E é um facto
incontestável que determinado modelo de torneio tenta recriar genuínos campos de
batalha. É, pois, inequívoco o papel desempenhado por este tipo de FWFOUP na estru-
turação da mentalidade guerreira (logo, nobre) medieval. As crónicas, por exemplo,
comprovam-no. No entanto, é igualmente manifesto que o torneio tem uma base
lúdica, seja qual for a forma em que se desenvolvam os combates: cortesmente ou

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