O registo de factos relativos a quotas e respectivos titulares

AutorJoao Anacoreta Correia; Pedro Gomes Da Cunha
CargoAdvogados do Área de Direito Comercial da Uría Menéndez (Lisboa)
Páginas108-114

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Introduçao

O regime do registo de factos relativos às participações sociais nas sociedades por quotas e respectivos titulares foi substancialmente alterado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março ("DL 76- A/06") e, mais recentemente pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro ("DL 8/07").

Enquadrando-se no propósito geral de enfrentar as imposições burocráticas colocadas aos cidadãos que não se traduzam num qualquer valor acrescentado, os referidos diplomas têm como objectivo, relativamente ao tema que nos propomos abordar, eliminar actos duplicados ou desnecessários e simplificar os procedimentos registrais e notariais.

Importa, contudo, analisar se, no tocante ao registo de factos relativos às participações sociais nas sociedades por quotas, este "aligeirar" de procedimentos e actos se traduz numa efectiva melhoria do regime existente. A reformulaçao dos procedimentos tem como finalidade principal a simplificaçao, retirando o ónus de um duplo controlo (notarial e registral) da legalidade, porventura desnecessário, visando a criaçao de uma normativa aparentemente mais flexível e elementar nesta matéria. Porém, tal não deverá ser (ou não deveria ter sido) levado a cabo à Page 109 custa de um mínimo de segurança jurídica que é, por definiçao, uma das funções do registo. Mas tais considerações terão apenas sentido após uma análise detalhada às opções tomadas e consagradas no normativo actual.

Registo por transcriçao e registo por depósito

O DL 76-A/06, alterando diversos diplomas, dos quais se destacam o Código das Sociedades Comerciais ("CSC") e o Código do Registo Comercial ("CRC"), veio criar uma nova prática registral de actos, denominando-a de "registo por depósito" em oposiçao ao "registo por transcriçao".

O registo por transcriçao corresponde ao registo tradicional, consistindo, nos termos do n.º 2 do art. 53º-A do CRC na extractaçao (é a expressão usada pela lei) dos elementos que definem a situaçao jurídica das entidades sujeitas a registo constantes dos documentos apresentados. Ou seja, há um controlo por parte do conservador que promove o registo por transcriçao, devendo este, nos termos do disposto no art. 47º do CRC apreciar a viabilidade do pedido em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos nele contidos.

Por seu turno, o registo por depósito consiste, nos termos do referido n.º 2 do art. 53º-A do CRC, no mero arquivamento dos documentos que titulam factos sujeitos a registo. Não há controlo da legalidade por parte do conservador, que apenas deve rejeitar o registo com fundamentos meramente formais de não respeito pelo modelo de requerimento aprovado, falta de pagamento das quantias que se mostrarem devidas, caso o facto não esteja sujeito a registo ou se o requerente não tiver legitimidade para o efeito (cfr. artigo 46º do CRC).

Porém, no que toca a factos respeitantes a quotas e respectivos titulares, o registo por depósito consiste apenas na mençao do facto na ficha, efectuada com base no pedido (salvo no que toca ao registo das acções e outras providências judiciais a cujo regime nos referiremos adiante). Esta particularidade vem consagrada no n.º 3 e no n.º 4 do art. 53º-A do DL 8/07 que veio apenas dar cobertura legal àquilo que já era a prática das conservatórias nesta matéria.

Não se trata, assim e na realidade, de um verdadeiro depósito dos documentos que titulam e suportam os factos cujos registos se promovem, ao contrário do que a denominaçao poderá denunciar.

Tratase antes de uma simples mençao na ficha da sociedade do facto promovido a registo na conservatória, uma espécie de "registo por mençao em ficha". Intitularse desta forma seria mais claro e consentâneo com a realidade.

Cumpre ainda salientar que a lei define os actos de registo que deverão ser efectuados "por depósito" sendo os demais, a contrario, efectuados "por transcriçao".

Registo de factos relativos a quotas e respectivos titulares

O registo dos factos relativos às quotas e respectivos titulares vem previsto nos artigos 242º-A a 242º-F do CSC, introduzidos pelo DL 76-A/06 e alterados (o artigo 242º B, n.º 2 e o art. 242º-F, n.º 2) pelo DL 8/07.

O regime vem então conferir um novo enquadramento a esta matéria, cometendo às sociedades por quotas diversas obrigações que vão desde a promoçao dos registos até à responsabilidade fiscal solidária no caso de promoçao dos registos em violaçao das normas aplicáveis, passando ainda pelo dever de guarda dos documentos que suportam os factos sujeitos a registo.

Vamos por partes

Verifica-se, desde logo, que apenas a sociedade tem legitimidade para, em primeira linha, promover estes registos junto da conservatória do registo comercial (cfr. art. 29º, n.º 5 do CRC). Com efeito, nos actos em que de alguma forma tenha tido intervençao ou mediante solicitaçao de quem tenha legitimidade, caberá à sociedade a promoçao do registo. E se dúvidas havia, o legislador veio de uma vez por todas removê-las, esclarecendo-o na redacçao dada ao n.º 2 do art. 242º-B do CSC pelo DL 8/07.

Será de referir que, de acordo com o art. 242º-C do CSC, a promoçao dos registos deve respeitar a ordem dos pedidos, sendo certo que, caso sejam pedidos na mesma data, devem ser requeridos pela ordem de antiguidade dos factos. Se esta data for, por sua vez, a mesma, deverão seguir a ordem da respectiva dependência. Todavia, a par desta norma surge o art. 242º-D do CSC, que determina que a sociedade apenas poderá promover o registo de actos modificativos da titularidade das quotas e de direitos sobre elas caso nelas tenha tido intervençao o titular registado.

Por outro lado, os factos relativos a quotas serão ineficazes perante a sociedade enquanto não for Page 110 solicitada a promoçao do respectivo registo, nos termos do art. 242º-A do CSC. Todavia, esta soluçao dificulta a articulaçao com o disposto sobre a eficácia do consentimento no art. 228, n.º 3 do CSC. De facto, não parece ser suficiente que a sociedade comunique por escrito a cessão das quotas ou que a sociedade a reconheça por escrito ou tacitamente, para que esta seja, por si só, eficaz. Porém, poderá entender-se que a comunicaçao da cessão de quotas implica, pelo menos tacitamente, o pedido de promoçao do registo. Mas em virtude da necessidade aduzida pelo DL 8/07 de acompanhar o pedido de promoçao de registo com as quantias e emolumentos devidos parece, de alguma forma, prejudicado este entendimento. A tónica do art. 242º-A do CSC assenta na necessidade de solicitaçao da promoçao do registo à sociedade por quem tenha legitimidade para que aquela se torne eficaz perante a aquela, o que decorre da análise conjunta do...

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