O Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, aprovado pela Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto

AutorJosé Maria Rodrigues y Alexandre Pedral Sampaio
Páginas142-153

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Introducao

A Lei n.° 89/2017, de 21 de agosto ("Lei 89/2017"), aprova o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiario Efetivo ("Regime do RCBE"), transpondo o capítulo III da Diretiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015 ("Diretiva 2015/849"), relativa á prevencáo da utilizacáo do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, e procedendo á alteracáo de alguns Códigos e outros diplomas legáis, entre outros, o Código do Registo Predial, o Código do Registo Comercial, o Decreto-Lei n.° 352-A/88, de 3 de outubro, que disciplina a constituí gao e o funciona-mento de sociedades ou sucursais de trust offshore na Zona Franca da Madeira, o Decreto-Lei n.° 149/94, de 25 de maio, que regulamenta o registo dos instrumentos de gestáo fiduciaria (trust), o Código do Notariado e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

Nos termos do artigo 30.°, n.° 1 da Diretiva 2015/849 (que se insere no capítulo III da referida Diretiva, ora transposto pelo diploma em análise), "Os Estados-Membros asseguram que as entidades societarias e outras pessoas coletivas constituidas no seu territorio sao obrigadas a obter e conservar informa-coes suficientes, exatas e atuais sobre os seus beneficiarios efetivos, incluindo dados detalhados sobre os inte-resses económicos detidos.". O n.° 3 do mesmo artigo 30.° refere que uOs Estados-Membros asseguram que as informales referidas non.01 sao conservadas num registo central em cada Estado-Membro, (...) ou num registo público. (...)."? Por sua vez., os n.°s 4 e 5 do mesmo artigo 30.° da Diretiva 2015/849 referem que uOs Estados-Membros exigem que as informales conservadas no registo central a que se refere o n.o 3 sejam suficientes, exatas e atuais." (n.° 4) e que uOs Estados-Membros asseguram que as informales sobre os beneficidrios efetivos estao acessíveis em todos os casos: a) Ás autoridades competentes e as UIF [Unidades de Informacáo Financeira da UE], sem restñcoes; b) Ás entidades obrigadas, no quadro da diligencia quanto d clientela nos termos do Capítulo II [da Diretiva 2015/849]; c) A quaisquer pessoas ou organiza-cóes quepossam provar um interesse legítimo." (n.° 5). As disposicóes da Lei 89/2017 e o Regime do RCBE parecem ter sido pensados de forma a cumprir com estas orientacóes emanadas da Diretiva 2015/849, entre outras provenientes do mesmo instrumento de legislacáo europeia.

Cumpre notar que a Diretiva 2015/849 é também parcialmente transposta por outro diploma legal aprovado pouco antes da Lei 89/2017, a saber, a Lei n.° 83/2017, de 18 de agosto, que, entre outras modificacóes na ordem jurídica nacional, estabele-ce medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo ("Lei 83/2017"). A própria existencia de um registo central do beneficiario efetivo encontra-se referida no

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artigo 34.° da Lei 83/2017, que refere, no seu n.° 1, que "As informacoes sobre os beneficiarios efetivos sao registadas no registo central do beneficiario efetivo, o qual é regulado por legislacao especifica.". Atendendo a que ambos os diplomas transpóem a mesma dire-tiva, a leitura da Lei 83/2017 é importante para uma compreensáo correta das materias abordadas pela Lei 89/2017 e do respetivo enquadramento.

Conceito de beneficiario efetivo

Conforme ácima referido, a Diretiva 2015/849 é também transposta pela Lei 83/2017, sendo a existencia de um Registro Central do Beneficiario Efeti-vo referida neste último diploma.

Táo ou mais importante, a própria densificacáo do conceito de beneficiario efetivo é facultada pela Lei 83/2017. Comeca esta por referir no seu artigo 2.°, n.° 1, que é beneficiario efetivo "a pessoa ou pessoas singulares que, em última instancia, detem a propñeda-de ou o controlo do cliente e ou a pessoa ou pessoas singulares por conta de quera é realizada uma operacao ou atividade, de acordó com os criterios estabelecidos no artigo 30." [da Lei 83/2017].".

De seguida, a Lei 83/2017 densifica o conceito de beneficiario efetivo. Quanto as entidades societarias, refere o artigo 30.°, n.° 1 da Lei 83/2017 o seguinte: "consideram-se beneficiarios efetivos das entidades societarias, quando nao sejam sociedades com acoes admitidas d negociaccio em mercado regula-mentado sujeitas a requisitos de divulgacao de informacoes (...):

  1. A pessoa ou pessoas singulares que, em última instancia, detem a propriedade ou o controlo, direto ou indireto, de uma percentagem suficiente de acoes ou dos direitos de voto ou de participaQao no capital de uma pessoa coletiva;

  2. A pessoa ou pessoas singulares que exercem controlo por outros meios sobre essa pessoa coletiva;

  3. A pessoa ou pessoas singulares que detem a direcao de topo, se, depois de esgotados todos os meios possíveis e na condicao de nao naver motivos de suspeita:

  4. Nao tiver sido identificada nenhuma pessoa nos termos das alineas anteñores; ou

    ii) Subsistirem dúvidas de que a pessoa ou pessoas identificadas sejam os beneficiarios efetivos.".

    Ademáis, igualmente no que diz respeito a entidades societarias, refere o n.° 2 do referido artigo 30.° que devem ser atendidos (para efeitos do precedente n.° 1 do mesmo artigo) alguns indicios de propriedade ou controlo . Assim, refere o mesmo n.° 2 o seguinte:

    "[as entidades obrigadas nos termos da Lei 83/2017]

  5. Considerara como indicio de propriedade direta a detencao, por uma pessoa singular, de participares representativas de mais de 25 % do capital social do cliente [i.e., da entidade cujo(s) beneficiário(s) efetivo(s) se pretende apurar];

  6. Consideram como indicio de propriedade indireta a detencao de participado es representativas de mais de 25 % do capital social do cliente por:

  7. Entidade societaria que esteja sob o controlo de uma ou vdrias pessoas singulares; ou

    ii) Vdrias entidades societarias que estejam sob o controlo da mesma pessoa ou das mesmas pessoas singulares;

  8. Verificam a existencia de quaisquer outros indicadores de controlo e das demais circunstancias que possam indiciar um controlo por outros meios.".

    No caso dos trusts, ou de outras pessoas coletivas de natureza nao societaria, tais como as fundacóes, ou os centros de interesses coletivos sem personali-dade jurídica de natureza análoga a fundos fiduciarios (trusts), o artigo 30.°, n.°s 3 e 4 da Lei 83/2017 refere que devem ser considerados beneficiarios efetivos dos mesmos as seguintes pessoas singulares:

    "

  9. O fundador (settlor);

  10. O administrador ou administradores fiduciarios (trastees) de fundos fiduciarios;

  11. O curador, se aplicdvel;

  12. Os beneficidrios ou, se os mesmos nao tiverem ainda sido determinados, a categoría de pessoas em cujo inte-resse principal o fundo fiduciario (trust) foi constituido ou exerce a sua atividade;

  13. Qualquer outra pessoa singular que detenna o controlo final do fundo fiducidrio (trust) através de partici direta ou indireta ou através de outros meios.".

Principáis alteracóes na ordem jurídica

A Lei 89/2017 introduziu diversas alteracóes na ordem jurídica nacional. Procuraremos de seguida analisar brevemente as principáis dessas alteracóes, com um mínimo de organizacáo sistemática por

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categorías. Quando se trate de fazer referencia as novas obrigacóes de entidades sujeitas á disciplina deste diploma, iremos ocupar-nos essencialmente das obrigacóes que digam respeito as sociedades comerciáis, pela maior importancia que estas repre-sentam no tráfico jurídico.

Questoes societarias

Com a entrada em vigor da Lei 89/2017, os documentos de constituicáo de sociedades deveráo con-ter "a identificacáo das pessoas singulares que detem, aínda que deforma indireta ou através de terceiro, a propñedade das participares sociais ou, por qualquer outraforma, o controlo efetivo da sociedade" (cfr. artigo 3.° da Lei 89/2017). A redacáo do preceito -bem como de outros preceitos da Lei 89/2017 em que se faz referencia, sem distincáo, á "propriedade das participacóes sociais" de urna sociedade - coloca algumas dúvidas de interpretacáo. Terá a utiliza-cao da expressáo "a propriedade das participacóes sociais", seguida do disjuntivo "ou, por qualquer outra forma", e da referencia ao "controlo efetivo da sociedade" o significado de ser a intencáo da lei fazer aqui referencia apenas á "propriedade das participacóes sociais" em percentagens que consistam em indicios de propriedade ou controlo efetivo, para efeitos do artigo 30.°, n.° 2 da Lei 83/2017 (le., 25% ou mais do capital social)? Ou será que, nao tendo sido estabelecido qualquer limiar per-centual mínimo, o significado desta disposicáo será o de tornar exigível a identificacáo de todas e quais-quer pessoas singulares que detenham (incluindo indiretamente ou através de terceiro) urna partici-pacáo social, independentemente da percentagem que a mesma represente? Se esta última for a interpretacáo correta, fácilmente se poderá imaginar cenários absurdos em que tenham de ser identificados dezenas ou centenas de pessoas singulares nes-ta situacáo, ainda que algumas délas detentoras (incluindo indiretamente ou através de terceiro) apenas de participacóes ínfimas.

A nosso ver, a interpretacáo sistemática impóe que a Lei 89/2017 tenha de ser interpretada tendo tam-bém em conta as disposicóes da Lei 83/2017, tendo igualmente que ser atribuido significado ao disjuntivo "ou, por qualquer outra forma", pelo que a solu-cáo...

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