A redução do capital social - dúvidas sobre o regime legal aplicável (em especial, a redução de capital para amortização de participações sociais)

AutorJoana Torres Ereio
Páginas71-87

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Este artigo pretende precisamente contribuir para a reflexão acerca do regime da redução do capital social: em primeiro lugar, relativamente a algumas dúvidas gerais decorrentes do atual regime legal; em segundo lugar, quanto à aplicação deste regime nos casos em que a redução intervenha como instrumento de concretização da amortização de participações sociais 6.

2 · A redução do capital social
2.1. Enquadramento geral

A título preliminar, cumpre notar que o regime geral da redução do capital social, constante dos artigos 94.º a 96.º do CSC, foi alvo de profundas alterações em 2007, pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de janeiro (o «DL 8/2007»).

Visando sobretudo simplificar o regime da redução do capital social, na sequência, aliás, de uma primeira simplificação implementada pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março (o «DL 76-A/2006»), aquele diploma veio, em particular, eliminar a obrigatoriedade de autorização judicial para a redução de capital (até então exigível em todos os casos, exceto quando se visasse, com a redução, a cobertura de perdas) 7, alterando os artigos 95.º e 96.º - alterações que, não tendo sido acompanhadas das correspondentes alterações nas normas que remetem para estes artigos, dão azo a uma série de dúvidas 8.

2. 2 · Finalidades e formas de redução de capital

Justificar-se-á referir nesta sede, ainda que de forma muito sucinta, as finalidades e formas de redução de capital previstas no artigo 94.º, n.º 1, do CSC 9.

Assim, e por um lado, nos termos da al. a) desta norma, temos que a redução do capital social pode visar a cobertura de prejuízos, a libertação de excesso de capital 10 ou uma finalidade especial 11. A deliberação de redução do capital social é, assim, uma deliberação vinculada a um fim específico, que deve desde logo constar da convocatória 12 e ser devidamente explicitado na respetiva ata.

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Entre as finalidades especiais de redução são apontadas pela doutrina, designadamente, a liberação da obrigação de entrada 13, a realização de uma operação de cisão 14, a extinção e anulação de ações próprias 15 e - com particular interesse para esta análise - a amortização de participações sociais.

Por outro lado, e nos termos da al. b) desta mesma norma, a redução do capital social pode operar por redução do valor nominal 16, reagrupamento 17 ou extinção 18 das participações sociais 19, podendo incidir, por força do n.º 2, sobre todas ou apenas parte das participações, sendo a forma da redução e a menção às participações sociais sobre as quais incidirá a redução (no caso de esta não incidir igualmente sobre todas elas) também elementos obrigatórios da convocatória da assembleia geral que delibere sobre a redução 20-21.

2. 3 · Os interesses sob tutela

Servindo a redução do capital social finalidades tão distintas como as referidas acima, os interesses a tutelar numa redução de capital são, no entanto, essencialmente, idênticos (ainda que, como veremos, em medidas diferentes).

A este respeito, chamemos à colação a distinção doutrinária entre redução nominal e redução real do capital social 22.

Assim, e por um lado, na redução nominal do capital não há qualquer libertação de bens aos sócios, visando-se apenas ajustar a cifra do capital ao mon-

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tante do património líquido 23 societário para fazer face a perdas entretanto sofridas 24.

Trata-se, pois, de uma medida de saneamento financeiro, de caráter meramente contabilístico, correspondendo, paradigmaticamente, à redução para cobertura de perdas 25.

Por outro lado, na redução real do capital social ocorre uma libertação efetiva de bens. Este tipo de redução corresponde tipicamente à redução para libertação de capital exuberante ou excessivo, em que são libertados bens da sociedade a favor dos sócios 26.

Isto dito, beneficiarão de uma redução de capital para cobertura de perdas, desde logo, a sociedade, que passa a agir no tráfico com umas contas (mais) equilibradas, indiretamente, os seus sócios, pelo crescimento da actividade da sociedade que daí possa resultar, e, por fim, também os credores, que passam a contar com uma correspondência mais próxima entre a cifra do capital social e a situação patrimonial da sociedade, o que permite que deixem de ser (tão) induzidos em erro quanto à efetiva situação patrimonial daquela 27.

Em ambos os casos de redução, beneficiarão da mesma, também diretamente, os sócios da sociedade, aos quais a quota de resultados a distribuir passa a ser potencialmente maior 28. Na redução de capital para libertação de capital exuberante, os sócios são ainda beneficiados num outro plano (em regra, mais imediato), na medida em que o capital excessivo pode ser-lhes total ou parcialmente dire-tamente atribuído 29.

Em contrapartida, e como facilmente se compreenderá, resultando de qualquer redução de capital a diminuição da fasquia a partir da qual podem ser distribuídos fundos aos sócios no futuro, decorrerá simultaneamente dessa redução a diminuição da garantia patrimonial dos credores da sociedade.

Na redução real do capital social esta diminuição é, no entanto, mais grave, na medida em que ocorre, em regra, um empobrecimento imediato da socie-dade, com a saída de ativos que integram o seu património. Neste tipo de redução de capital os credores são, por este motivo, frequentemente objeto de uma tutela reforçada 30.

São, assim, os credores os afetados (e, pelo menos potencialmente, prejudicados) com uma operação de redução de capital, pelo que é sobretudo aos interesses dos credores que haverá que atender na interpretação das normas deste regime.

No entanto, é também imprescindível atender aos interesses dos sócios, que muito embora fiquem numa situação de vantagem ao desbloquearem fun-

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dos que lhes passam a poder ser atribuídos (imediata e/ou mediatamente) pela sociedade e beneficiem também, na redução nominal, da eventual recuperação da sociedade pós-saneamento financeiro, podem ver a sua participação na sociedade diminuída, caso a redução não incida de forma igualitária sobre todas as participações, ou mesmo extinta, no caso da redução do capital a zero 31.

Na análise e interpretação do regime da redução de capital há, pois, que atender igualmente ao princípio da igualdade de tratamento dos sócios 32.

2. 4 · O artigo 95 do CSC - algumas dúvidas interpretativas

Cabe agora tentar clarificar o sentido e o âmbito de aplicação de algumas das regras que compõem o regime geral da redução de capital, em particular, as constantes do artigo 95.º do CSC.

Por facilidade de exposição, reproduzimos infra o disposto no artigo 95.º do CSC na redação dada pelo DL 76-A/2006 (redação anterior à atualmente em vigor, dada pelo DL 8/2007):

Artigo 95.º

Autorização judicial

1. A redução do capital não pode ser registada antes de a sociedade obter autorização judicial, nos termos do Código de Processo Civil.

2. A autorização judicial não deve ser concedida se a situação líquida da sociedade não ficar excedendo o novo capital em, pelo menos, 20%.

3. A autorização judicial é, porém, dispensada se a redução for apenas destinada à cobertura de perdas.

4. No caso do número anterior:

a) A deliberação de redução deve ser registada e publicada;

b) Os sócios não ficam exonerados das suas obrigações de liberação do capital;

c) Pode qualquer credor social, até 30 dias depois de publicada a deliberação de redução, requerer ao tribunal que a distribuição de reservas disponíveis ou dos lucros de exercício seja proibida ou limitada, durante um período a fixar, a não ser que o crédito do requerente seja satisfeito, se já for exigível, ou adequadamente garantido;

d) Antes de decorrido o prazo concedido aos credores sociais pela alínea anterior, não pode a sociedade efectuar as distribuições nela mencionadas; a mesma proibição vale a partir do conhecimento pela sociedade do requerimento de algum credor.

.

Resultava assim, do regime anterior em particular, que a redução de capital implicava, exceto se visas-se a cobertura de perdas, por um lado, a obtenção de uma autorização judicial e, por outro, que a situação líquida fiasse a exceder a cifra do capital em, pelo menos, 20%.

Ou seja, o anterior artigo 95.º distinguia claramente o regime a aplicar consoante a redução visasse a cobertura de perdas (n.os 3 e 4) ou outras finalidades, em particular, a libertação de capital excessivo (n.os 1 e 2).

Com o DL 8/2007, quer o n.º 1 do artigo 95.º (correspondente em grande medida ao anterior n.º 2), quer o n.º 4 (correspondente à al. b) do anterior n.º 4), passaram a prever de forma (pelo menos aparentemente) geral o regime para qualquer redução de capital, independentemente da concreta finalidade prosseguida pela redução.

No entanto, a doutrina tem-se pronunciado de forma divergente quanto a esta questão, defendendo uns que o propósito do legislador foi precisamente unificar o regime do capital social, pelo que não há que fazer qualquer distinção em termos de regime aplicável, consoante a redução vise a cobertura de prejuízos, a libertação de excesso de capital ou qualquer finalidade especial, e outros, que há que interpretar corretiva ou restritivamente estas normas, à luz da concreta finalidade prosseguida pela redução de capital.

Vejamos.

2.4.1 · O n.º 1 do artigo 95.º do CSC

Nos termos do atual artigo 95.º, n.º 1, do CSC, a redução do capital social apenas pode ser deliberada se a situação líquida da sociedade ficar a exceder

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o novo capital em, pelo...

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