É possível negar a dignidade humana? Estudo em homenagem ao professor Jesus Lima Torrado

AutorMarcos Leite Garcia
Páginas161-189
É POSSÍVEL NEGAR A DIGNIDADE HUMANA?
ESTUDO EM HOMENAGEM
AO PROFESSOR JESUS LIMA TORRADO
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Doutor em Direito e Especialista em Direitos Humanos*
INTRODUÇÃO
O professor Doutor Jesus Lima Torrado, acima de tudo, foi um teórico e
defensor dos Direitos Humanos. Nessa condição em um texto esclarecedor
brindou aos brasileiros na Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade
Paranaense (Unipar) com uma contribuição crítica com o artigo intitulado “El
pseudoconcepto de no-persona: de la negación del fundamento de los derechos
humanos a la justicación de la negación de las garantías”. O artigo do professor
Lima Torrado foi escrito em 2009 como parte de sua atuação como professor
convidado na República Federativa do Brasil.
O presente trabalho tem como objetivo teórico demonstrar o absurdo
da dicotomia que defende a teoria do Direito penal do inimigo, do alemão
Günther Jakobs, no sentido de que na sociedade contemporânea existem dois
tipos de cidadãos: o cidadão e o não-cidadão. O primeiro titular de dignidade
* Ambos cursos realizados na Universidad Complutense de Madrid - UCM. Tese Doutoral
defendida em 11 de outubro de 2000 na Universidad Nacional de Educación a Distancia –
UNED. Desde 2001 é professor do Programa de Pós-Graduacão Stricto Sensu em Ciência Jurídica
– Cursos de Mestrado e Doutorado – e do Curso de Graduação em Direito da Universidade
do Vale do Itajaí – Univali – Santa Catarina. Desde 2015 é professor do Curso de Mestrado
da Universidade de Passo Fundo – UPF – Rio Grande do Sul. Advogado, inscrito na Ordem
dos Advogados do Brasil desde 1988. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1988). Realizou estágio de pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina
(2012). E.mail: mleitegarcia@terra.com.br
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da pessoa humana 1, e assim considerado uma pessoa; e o segundo não-cidadão e
não acatado como titular da dignidade da pessoa humana e por isso considerado
não-pessoa.
Da mesma maneira, o presente texto pretende homenagear ao Senhor
Jesus Lima Torrado, que foi um excepcional professor/investigador e uma
figura humana exemplar. O Doutor Jesus Lima Torrado foi nosso professor
no Doutorado na disciplina Objeción de Consciencia y Derechos Humanos do
Programa de Derechos Fundamentales da Universidade Complutense de Madrid
nos inícios dos anos 1990. A questão/problema é a seguinte: é possível negar a
condição de persona a um ser humano? Sim ou não? Ou ainda: é possível negar
a dignidade humana, relativizando a cidadania e sua condição de pessoa?
Serão os autores Bertrand Binoche (2009), professor de Sorbonne de
Paris, o original de sua obra aqui aludida “Critiques des droits de l’homme
é de 1989, e posteriormente Gregorio Peces-Barba (1995, p. 39-98), os
teóricos a desenvolver sólidos estudos sobre as teorias negadoras dos Direitos
Humanos. Dentre as teorias negadoras dos direitos, sem nenhuma duvida,
nas últimas décadas podem-se acrescentar algumas. Entre elas as variações
atuais da negação típica dos conservadores, que nunca aceitaram as conquistas
humanas civilizatórias da modernidade e da contemporaneidade, como o
constitucionalismo do pós-guerra construído sobre os pilares de um sistema
jurídico baseado nos direitos humanos e na dignidade da pessoa humana. No
rol das teorias negadoras e conspiradoras contra os Direitos Humanos poder-
se-ia incluir a aludida por José Adércio Leite Sampaio (2004, p. 37-38) como
a teoria negadora dos Direitos Humanos tipicamente brasileira 2, que reduz os
1 Usar-se-á no presente trabalho a expressão dignidade da pessoa humana, uma vez que
é o termo escolhido pelo legislador constituinte da Constituição Republicana brasileira de
1988, assim explicitado no artigo 1º: “A Republica Federativa do Brasil (…) constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III- A dignidade da pessoa
humana”.
2 Certamente que entre elas está a que José Adércio Leite Sampaio (2004, p. 37) chama
de teoria negadora tipicamente brasileira. Essa é a que está estruturada em bases menos sólidas
e que simploriamente reduz os direitos humanos como proteção da delinquência. Não seria
importante se não fosse o fato de fazer parte de campanhas eleitorais de políticos conservadores
como a do candidato à presidência da República brasileira, o polêmico Jair Bolsonaro, que em
diversas oportunidades fez uso de refrão contra os direitos humanos: “bandido bom é bandido
morto” e assim prometeu dar carta branca aos policiais para matarem. A partir do processo
de redemocratização do final dos anos 1970 e do início dos anos 1980, a defesa dos Direitos
Humanos de presos comuns passou a ser associada pela maioria da população brasileira à defesa
de “privilégios de bandidos”, certamente que por culpa de uma mídia manipuladora que é contra
os direitos humanos. Assim, infelizmente a fundamental defesa dos presos políticos durante a
ditadura ficou vinculada cada vez mais a questão: “direitos humanos como meras prerrogativas
dos encarcerados”. Tudo isso fruto de uma elite mal-intencionada contrária aos Direitos de todo
o povo e que controla os meios de comunicações. Certamente que desde então é de fundamental

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