A transposição em Portugal Da dmif e da directiva da transparência

AutorSofia Leite Borges; Catarina Gonçalves De Oliveira
CargoAbogadas, del Área Mercantil de Uría Menéndez (Lisboa)
Páginas25-40

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1· Introdução

O Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro de 2007 («Decreto-Lei») aprovou a transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril, relativa aos mercados de instrumentos financeiros («Directiva 2004/39/CE» ou «DMIF»), que altera as Directivas n.os 85/11/CEE e 93/6/CE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e que revoga a Directiva n.º 93/22/CEE, do Conselho, designada Directiva dos Serviços de Investimento («DSI»). A directiva ora transposta (referida como directiva de primeiro nível, de acordo com o processo legislativo de Lamfalussy) é o principal diploma do denominado «Pacote DMIF», do qual fazem parte também as seguintes normas de execução: (i) o Regulamento (CE) n.º 1287/2006 da Comissão, de segundo nivel, de 10 de Agosto de 2006 («Regulamento»), que aplica a directiva de primeiro nível no que concerne às obrigações de manutenção de registo das empresas de investimento, à informação sobre transacções, à transparência dos mercados, à admissão à negociação dos instrumentos financeiros e aos conceitos definidos para efeitos da referida directiva; (ii) a Directiva n.º 2006/73/CE, de 10 de Agosto de 2006, tambem de segundo nível, que aplica a directiva de primeiro nível no que diz respeito aos requisitos em matéria de organização e às condições de exercício da actividade das empresas de investimento e dos conceitos definidos para efeitos da directiva de primeiro nível; (iii) a Directiva n.º 2007/44/CE, de 5 de Setembro, que altera a directiva de primeiro nível.

Cumpre referir que o Regulamento tem aplicação directa na ordem jurídica portuguesa, sem necessidade de transposição. Este Regulamento regula matérias tão importantes como (i) as obrigações de manutenção de registos das empresas de investimento, (ii) a informação sobre transacções, (iii) a transparência dos mercados, e (iv) a admissão à negociação dos instrumentos financeiros. O quadro normativo comunitário acima referido impôs ao legislador nacional inúmeras alterações legislativas a vários diplomas, tendo sido integralmente republicado o Código de Valores Mobiliários («Cód.V.M.»). Não obstante, foram alterados ainda o Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras («RGICSF»), o Regime Jurídico das Sociedades Corretoras e Financeiras de Corretagem («RJSCFC»), o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário («RJFII»), o Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo («RJOIC») e os Decretos-Lei n.os 176/95, de 26 de Julho e 94-B/98, de 17 de Abril, que versam respectivamente sobre as regras de transparência para a actividade seguradora e sobre o acesso à Page 26 actividade seguradora e resseguradora na União Europeia. O mesmo diploma veio também revogar duas disposições do Código das Sociedades Comerciais.

As referidas alterações são acompanhadas pela aprovação simultânea dos Decretos-Lei n. os 357- B/2007, 357-C/2007 e 357-D/2007, de 31 de Outubro, que procedem, respectivamente, à aprovação (i) do Regime Jurídico das Sociedades de Consultoria para Investimento, (ii) do Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Mercado Regulamentado, Sociedades Gestoras de Sistemas de Negociação Multilateral, Sociedades Gestoras de Câmaras de Compensação ou que actuem como Contraparte Central das Sociedades Gestoras de Sistema de Liquidação e das Sociedades Gestoras de Sistemas Centralizados de Valores Mobiliários («RJSG») e (iii) do Regime Jurídico relativo à Comercialização de Contratos de Investimento em Bens Corpóreos.

São destinatários do quadro normativo que compõe o Pacote DMIF as empresas de investimento, as instituições de crédito autorizadas a prestar serviços de investimento, os operadores de mercado, os agentes vinculados (que correspondem aos antigos prospectores), os emitentes, os consultores para investimento (que correspondem aos antigos consultores autónomos), os clientes profissionais, clientes de retalho e potenciais clientes. Também as autoridades de supervisão são destinatárias da DMIF, ainda que num segundo plano. Indirectamente, são também afectadas todas as entidades às quais é aplicável o regime dos intermediários financeiros ou às quais sejam aplicáveis normas que regulem a actividade destes.

Ainda que não em virtude da transposição da DMIF, são também abrangidas pelos Decretos-Lei de transposição as entidades cujo objecto se relaciona com as actividades pósnegociação - contraparte central, compensação e liquidação (reguladas no título V do Cód.V.M. -artigos 258.º a 288.º- e no RJSG). Surgem como principais objectivos desta reforma orientada pela DMIF a actualização do elenco dos instrumentos financeiros e dos serviços e actividades de investimento e respectivos serviços auxiliares que lhes estão associadas, a concessão de uma maior eficácia ao regime do passaporte europeu, o desenvolvimento e a harmonização dos requisitos de organização e dos deveres de conduta aplicáveis aos intermediários financeiros bem como o estabelecimento de um regime, designadamente informativo, aplicável à negociação de instrumentos financeiros. Da mesma forma, reconhecem-se novas formas organizadas de negociação, como é o caso dos sistemas de negociação multilateral (Multilateral Trading Facility - MTF) e da internalização sistemática. Intensifica-se, ainda, a disciplina de reporte de informação às autoridades de supervisão sobre transacções em instrumentos financeiros, fomentando- se igualmente a cooperação entre estas autoridades.

O legislador nacional aproveitou também o ensejo para transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/106/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 2004, designada «Directiva da Transparência». O presente texto procura, por isso, apontar as principais alterações do novo quadro normativo decorrente da transposição da DMIF e da Directiva da Transparência, contextualizadas a partir de cada um dos seus mais relevantes objectivos.

2· Alterações ao código dos valores mobiliários
2. 1· Actualização do elenco dos instrumentos financeiros (em particular, artigo 2 do Cód.V.M.)

O âmbito de aplicação material do Cód.V.M. foi alargado, tendo passado a centrar-se a sua regulação no conceito base de instrumento financeiro, que substitui, em boa parte das matérias, o conceito de valor mobiliário.

Relativamente ao elenco dos instrumentos financeiros, importa clarificar quais os instrumentos financeiros que, para além dos valores mobiliários, devem ficar abrangidos por essa qualificação. Encontram-se, assim, sujeitos à regulamentação do Cód.V.M. não só os valores mobiliários e as ofertas públicas a estes respeitantes, mas também, em consonância com a DMIF, os seguintes instrumentos financeiros: (i) instrumentos do mercado monetário (com excepção dos meios de pagamento); (ii) instrumentos derivados para a transferência do risco de crédito; (iii) contratos diferenciais; (iv) opções, futuros, swaps, contratos a prazo e quaisquer outros contratos derivados relativos a: (a) valores mobiliários, divisas, taxas de juro ou de rendibilidade ou relativos a outros instrumentos derivados, índices financeiros ou indicadores financeiros, com liquidação física ou financeira; (b) mercadorias, variáveis climáticas...

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