Polimorfismo constitucional do direito de resistência em Portugal

AutorJosé Domingues
CargoProfessor auxiliar da faculdade de Direito Universidade Lusíada - Norte (Porto)
Páginas195-221
POLIMORFISMO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE
RESISTÊNCIA EM PORTUGAL
CONSTITUTIONAL POLYMORPHISM OF RIGHT TO
RESIST IN PORTUGAL
José Domingues
Professor auxiliar da faculdade de Direito
Universidade Lusíada – Norte (Porto)
SUMÁRIO: I. INTRODUÇÃO.- II. POLIMORFISMO DO ARTIGO 21º DA CRP.- III. A
LINHAGEM PRÉ-CONSTITUCIONAL DA LEGÍTIMA DEFESA. - IV.
POLIMORFISMO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA NA CRP.- V. A GENEALOGIA
PRÉ-CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE RESISTÊNCIA COLETIVO.- VI. A
GENEALOGIA PRÉ-CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE RESISTÊNCIA
INDIVIDUAL.- VII. CONCLUSÃO.
Resumo: O atual texto da Constituição da República Portuguesa agrega debaixo
da mesma norma jurídica (art.º 21º) várias formas de resistência constitucional.
Este artigo, numa perspetiva histórica, vai recuperar algumas das múltiplas
formas de manifestação do direito de resistência em Portugal, v. g., a legítima
defesa, o direito de resistência popular e o direito de resistência individual. O
primeiro objetivo é, não sendo aconselhável uma separação estanque, contribuir
para uma possível diferenciação entre cada uma dessas formas. O segundo
objetivo deste trabalho é o de combater a tese de que o direito de resistência
popular teria sido transformado, pelo constitucionalismo moderno, num direito
de resistência individual para defesa dos direitos fundamentais consignados na
Constituição. Desta forma, o elemento histórico poderá ser um contributo para a
interpretação do referido preceito constitucional sobre o direito de resistência.
Abstract: The present text of the Constitution of the Portuguese Republic adds
under the same legal norm (art. 21) various forms of constitutional resistance.
This article, from a historical perspective, will recover some of the manifold forms
of manifestation of the right of resistance in Portugal, v. g., self-defense, the right
of popular resistance and the right of individual resistance. The first objective is,
not being advisable a watertight separation, to contribute to a possible
differentiation between each of these forms. The second objective of this work is
to counter the thesis that the right of popular resistance has been transformed,
by modern constitutionalism, into an individual right of resistance to defend the
fundamental rights enshrined in the Constitution. In this way, the historical
element could be a contribution to the interpretation of the referred constitutional
precept on the right of resistance.
Palavras chave: Direito de Resistência, Legítima Defesa, Proto
Constitucionalismo, Portugal.
Key Words: Right to Resist, Self-defense, Proto Constitutionalism, Portugal.
Revista de Historia Constitucional
ISSN 1576-4729, n.18, 2017. http://www.historiaconstitucional.com, págs. 195-221
I. INTRODUÇÃO1.
Os vestígios de um típico direito de resistência universal são constante e
assiduamente recuados à Idade Antiga: no Ocidente à Grécia de Sófocles2 e no
Oriente à China de Confúcio e Mécio3. Tendo sido ao longo de muitos séculos o
palco de interesse e debate entre os mais conceituados juristas, legistas,
canonistas, teólogos, politólogos, estadistas, etc., vindo a contagiar de forma
indelével os "American Founders", acabaria por assegurar e evidenciar até à
hodiernidade o seu papel no seio da Teoria e da História Constitucional. Na
verdade, o tema da resistência constitucional continua latejante e arrebatador
para o pensamento constitucional, tanto ao nível do ius como da praxis, da
norma como do facto ou da razão como da vontade. Assim, acabou por se
converter num atrativo de dois gumes: (i) para o historiador do Direito
Constitucional, v. g., pelo seu lastro encanecido por mais de duas dezenas de
séculos; (ii) para qualquer jurisperito mais voltado para a atualidade
constitucional, v. g., pelo crescente de importância verificado nos últimos tempos,
sobretudo a partir da segunda metade do século passado4, que levou à sua
consagração em mais de 20% dos textos constitucionais vigentes que se
encontram disseminados por cerca de quarenta e quatro Estados do mundo
atual5.
Este artigo cingir-se-á, particularmente, em torno da índole historicista, num
excursus relâmpago que vai desde a Baixa Idade Média até à Época
Contemporânea, e, sobretudo, dentro do espaço geográfico que Portugal ocupou
1 Abreviaturas utilizadas: e. g. = exempli gratia (por exemplo) ou v. g. = verbi gratia (por
exemplo); i.e. = id est (isto é); OA = Ordenaçoens de El-Rey D. Affonso V, Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1792 (edição fac-simile da Fundação Calouste Gulbenkian, 1984/1998) [Disponível
em http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/ (consultado a 15 de Janeiro de 2017)]; Dig. =
Digesta e Cód. = Codex Iustinianus, Corpus Iuris Civilis, Paul Kruger e Theodor Mommsen (ed.),
1872-1895.
2 Mario TURCHETTI, Tyrannie et Tyrannicide de l’Antiquité à nos Jours, Bibliothèque de la
Renaissance 11, Paris, 2013; Rosana GALLO, La Tiranía en la Antigua Grecia. Repercusiones en el
Derecho Mercantil y Económico, Buenos Aires, Dunken, 2014.
3 Tom GINSBURG, Daniel LANSBERG-RODRIGUEZ e Mila VERSTEEG, “When to Overthrow your
Government: The Right to Resist in the World's Constitutions”, in UCLA Law Review 60, 2013, pp.
1195-1207 [Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=
5102&context=journal_articles (consultado a 30 de Agosto de 2016)].
4 Tom GINSBURG, Daniel LANSBERG-RODRIGUEZ e Mila VERSTEEG, “When to Overthrow your
Government: The Right to Resist in the World's Constitutions”, op. cit., pp. 1217-1220: “For over a
century, a mere 5 percent of all constitutions included the right to resist. It is only in the second part
of the twentieth century that the right to resist began to spread more widely, to about 10 percent in
the 1980s and abo ut 20 percent today. In April of 2012, Hungary becam e the latest nation to adopt
the right to resis t”.
5 Tom GINSBURG, Daniel LANSBERG-RODRIGUEZ e Mila VERSTEEG, “When to Overthrow your
Government: The Right to Resist in the World's Constitutions”, op. cit., pp. 1242-1259. Ao rol
apresentado pelos autores acresce, ainda, a Constituição da República Popular da China 1975,
art. 55º (“É um dever sagrado de todo cidadão de la República Popular da China defender a pátria e
opor resistência à agressão”); e o preâmbulo da Constituição da República de Angola 2010
(“Destacando que a Constituição da República de Angola se filia e enquadra directamente na já longa
e persistente luta do povo angolano, primeiro, para resistir à ocupação colonizadora, depois para
conquistar a independência e a dignidade de um Estado soberano e, mais tarde, para edificar, em
Angola, um Estado democrático de direito e uma sociedade justa).
José Domingues
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