O penhor de créditos futuros no direito português

AutorFrancisco Da Cunha Ferreira - Alexandre Pedral Sampaio
CargoAdvogados da Área de Direito Comercial da Uría Menéndez - Proença de Carvalho (Lisboa)
Páginas147-151

Page 147

Considerações introdutórias

A evolução das relações económicas e a complexi-dade dos mercados nos últimos tempos têm desempenhado um importante papel no desenvolvimento do direito das garantias, nomeadamente através da criação de novas espécies de garantias, da introdução de modificações ao esquema tradicional das garantias já existentes ou da utilização de determinados institutos como instrumentos de garantia.

Sem deixar de reconhecer a importância que este desenvolvimento tem tido no fomento à circulação do crédito – sobretudo em tempos menos propícios a tal, como o que vivemos atualmente –, as garantias reais ditas tradicionais ou clássicas – a hipoteca e o penhor – continuam a desempenhar um relevante papel como instrumentos potenciadores de financiamento.

Em todo o caso, e no que ao penhor diz respeito, não obstante tratar-se de um instituto consolidado, ainda há importantes pontos por explorar e que não têm merecido uma análise aprofundada na doutrina e na jurisprudência, nomeadamente o penhor de créditos futuros.

É precisamente sobre o penhor de (ou sobre) créditos futuros – por oposição ao penhor em garantia de créditos futuros, que mereceu acolhimento expresso no artigo 666.º, n.º 3 do Código Civil – que propomos tratar no presente texto. Para o efeito, começaremos por analisar os fundamentos de admissibilidade desta figura à luz do ordenamento jurídico português. De seguida, e com o propósito de delimitar o objeto desta garantia, trataremos de analisar o conceito de «créditos futuros». Feita esta análise e delimitado o objeto do penhor de créditos futuros, estaremos já em condições de estabelecer a relação entre o nascimento do crédito e a perfeição do contrato de penhor, para a qual a notificação do devedor desempenha um papel essencial. Apresentaremos, por fim, as nossas conclusões sobre este breve estudo.

A admissibilidade do penhor de créditos futuros

Tal como sucede em muitos ordenamentos jurídicos, somos da opinião de que é lícito o penhor de créditos futuros à luz do ordenamento jurídico português. A sua admissibilidade encontra fundamento, desde logo, nas regras gerais relativas aos negócios jurídicos (e outros atos jurídicos) sobre coisas futuras. Com efeito, a prestação de coisa futura (artigo 211.º do Código Civil) está prevista, em termos genéricos, no artigo 399.º do Código Civil. A lei admite também a venda de bens futuros (artigo 880.º do Código Civil), podendo, ainda, os créditos futuros e até mesmo as expetativas de aquisição ser objeto de penhora (cfr. os artigos 735.º, n.os 1 e 2, 738.º, n.º 1, 773.º, n.os 1 e 2 e 778.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil).

Mas não só: em particular, o Código dos Direito de Autor e dos Direitos Conexos admite o penhor do conteúdo patrimonial do direito de autor relativo a obra futura (artigos 46.º e 48.º) e o artigo 115.º do

Page 148

Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas faz referência expressa ao penhor de créditos futuros, ainda que para limitar os seus efeitos em determinados casos.

Para além dos fundamentos legais – expressos e implícitos, de caráter geral ou especial – que nos permitem concluir não haver impedimento à constituição de penhor sobre créditos futuros, cumpre ainda referir que não tem cabimento, no penhor de direitos, falar-se em entrega material do objeto do penhor, pelo que o desapossamento deixa de ser um requisito necessário para a sua constituição – não estamos, pois, perante um contrato real quoad constitutionem, como sucede no penhor de coisas. Nesse sentido, a existência atual do crédito não é um elemento de facto necessário para a efetiva constituição do penhor. As especiais exigências de forma e publicidade do penhor de direitos (as mesmas exigidas para a transmissão do direito empenhado, nos termos do disposto no artigo 681.º, n.º 1 do Código Civil), bem como (e especialmente), no caso dos créditos, a necessidade de notificação ou aceitação do respetivo devedor para que o penhor produza efeitos, mesmo inter partes (artigo 681.º, n.º 2 do Código Civil), cumprem eficazmente as funções desempenhadas pela entrega no penhor de coisas.

Discordamos, por isto, das conclusões versadas no Parecer n.º 1/86, de 4 de junho, da Procuradoria Geral da República («Fundo de Turismo. Penhor. Coisa Futura. Promessa de Penhor.» Boletim do Ministério da Justiça n.º 374, março de 1988: 35-42), de acordo com o qual é inadmissível, «no ordenamento jurídico português, a constituição definitiva, por via de contrato, de penhor sobre coisa futura», salvo disposição legal excecional que o permita.

Partindo, embora, de uma premissa aplicável apenas ao penhor de coisas (i.e., a necessidade de entrega da coisa empenhada para a constituição do penhor), conclui-se no referido parecer que não seria «configurável o penhor de coisa não integrando, ainda, o património do devedor,...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR