Ouvidores e administração da justiça no Brasil colonial. O caso da comarca da capitania da Paraíba (c.a. 1687-c.a. 1799)

AutorYamê Galdino de Paiva
Páginas79-95
Ouvidores e administração da justiça no Brasil colonial. O caso da comarca da capitania... 79
RJUAM, n.º 33, 2016-I, pp. 79-95ISSN: 1575-720-X
OUVIDORES E ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA NO BRASIL
COLONIAL. O CASO DA COMARCA DA CAPITANIA DA PARAÍBA
(C.A. 1687-C.A. 1799)*
Y G  P**
Resumo: O presente artigo é decorrente de uma pesquisa de doutoramento que se dedica a pensar
a relação entre direito e justiça a partir do caso dos ouvidores da comarca da Capitania da Paraíba.
No Brasil colonial, os ouvidores correspondiam a bacharéis de nomeação régia. Tinham como
circunscrição jurisdicional a comarca e atuavam num nível intermediário entre os juízes ordinários
e os Tribunais de Relação (Bahia e Rio de Janeiro), sendo um dos principais agentes responsáveis
pela administração da justiça nesse espaço. A ouvidoria da capitania da Paraíba foi criada em nais
do século  e, desde sua criação até o fi nal do século , vinte e dois magistrados passaram
pela mesma. Propõe-se aqui verifi car o perfi l prosopográfi co (origens geográfi ca e social e carreira
administrativa) desses bacharéis, procurando perceber semelhanças e/ou divergências com os
padrões estabelecidos pela historiografi a para o império português.
Palavras-chave: Justiça, Prosopografi a, Ouvidores, Paraíba, século .
Abstract: This article results from a doctoral research dedicated to legal history of the early mo-
dern period as from the case of the ouvidores of the Captaincy of Paraiba. In colonial Brazil, the
ouvidores corresponded to judges appointment by the king. They had as jurisdiction the territory
of comarca and worked at an intermediate level between ordinary judges and the Courts of Appeal
(Bahia and Rio de Janeiro), being one of the main agents responsible for the administration of
justice in this space. The ouvidoria of the Captaincy of Paraiba was established in the late seven-
teenth century and, since its creation until the late eighteenth century, twenty two magistrates have
gone through the same. It is proposed here to analyze the prosopographical profi le (geographical
and social backgrounds and career) of these graduates, seeking to understand similarities and/or
di erences with the standards set by historiography of the Portuguese empire.
Keywords: Justice, Prosopography, ouvidores, Paraíba, 18th century.
S: I. INTRODUÇÃO; II. A COMARCA DA PARAÍBA; III. CONCURSOS; IV ORI-
GENS GEORÁFICAS, V. CARREIRAS; VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS; VII. FONTES E
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA.
* Fecha de recepción: 19 de octubre de 2015.
Fecha de aceptación: 2 de abril de 2016.
** Doutoranda em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Bolsista Capes. Correio eletrônico: yamepaiva@gmail.com.
YAMÊ GALDINO DE PAIVA
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RJUAM, n.º 33, 2016-I, pp. 79-95 ISSN: 1575-720-X
I. INTRODUÇÃO
O processo de territorialização do aparelho judicial da América portuguesa seguiu um
ritmo irregular e descontínuo e foi, em grande parte, resultante da transposição e adaptação
de cargos e ofícios já existentes no reino e em outras partes do ultramar1. Na segunda me-
tade do século , quando o aparelho judicial já se mostrava consolidado, sua estrutura
apresentava a seguinte hierarquização2. Na base situavam-se as câmaras municipais, nas
quais atuavam os juízes ordinários, que correspondiam, em geral, a indivíduos sem forma-
ção acadêmica, que, segundo as Ordenações do reino3, fi cavam responsáveis por questões
de justiça de alçada limitada. Em algumas câmaras do Brasil também estiveram presente,
desde o fi nal do século , juízes de fora, estes sim bacharéis letrados de nomeação real.
Acima da circunscrição das câmaras estavam as comarcas4, onde atuavam os ouvido-
res, também estes com formação pela Universidade de Coimbra e de nomeação trienal. As
ouvidorias representavam, portanto, a segunda instância de justiça na América portuguesa,
recebendo apelações e agravos dos juízes ordinários, nas matérias que o permitiam, e ape-
lando para os Tribunais de Relação do Brasil (da Bahia, criado em 1609 e do Rio de Janeiro,
instalado em 1751)5. Os tribunais de Relação constituíam, portanto, a instância máxima do
aparelho judicial americano. Os recursos expedidos por esses tribunais eram remetidos à
Casa da Suplicação, em Lisboa, a qual tinha o poder de dar a sentença fi nal.
O presente artigo debruça-se sobre os ouvidores da comarca da Paraíba, entre fi nais do
século  até os derradeiros anos do século 6. Entre 1687 e 1799 vinte e dois ouvido-
1 Sobre ofícios e instituições no Portugal do Antigo Regime ver HESPANHA, A. M., As vésperas do
Leviathan. Instituições e poder político, Portugal, século , Coimbra (Almedina), 1994.
2 Para mais informações sobre a estrutura administrativa da América portuguesa consultar SCHWARTZ,
S., Burocracia e sociedade no Brasil colonial. A suprema corte da Bahia e seus juízes, 1609-1751, São
Paulo (Difel), 1979; SALGADO, G. (org.), Fiscais e Meirinhos, Rio de Janeiro (Nova Fronteira), 1985;
VASCONCELOS DE SALDANHA, A., As capitanias do Brasil. Antecedentes, desenvolvimento e extinção
de um fenómeno atlântico, 2.ª ed., Lisboa (Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos
Portugueses), 2001; WEHLING, A. e WEHLING, M. J., Direito e justiça no Brasil colonial. O Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (Renovar), 2004.
3 As atribuições dos juízes ordinários e dos juízes de fora estavam dispostas no livro 1.º, título 65, das
Ordenações Filipinas.
4 As comarcas, em geral, coincidiam territorialmente com os limites das capitanias, embora houvesse
exceções, como é o caso da comarca da Paraíba, que chegou a abranger até quatro capitanias ou o da capitania
das Minas Gerais que estava judicialmente dividida em quatro comarcas (Serro Frio, Ouro Preto, Rio das Velhas
e Rio das Mortes).
5 Sobre a Relação da Bahia, referência indispensável continua a ser SCHWARTZ, S., Burocracia e
sociedade no Brasil colonial. A suprema corte da Bahia e seus juízes, 1609-1751, cit. Para a Relação do Rio de
Janeiro ver o trabalho de WEHLING, A. e WEHLING, M. J., Direito e justiça no Brasil colonial. O Tribunal
da Relação do Rio de Janeiro, cit.
6 Este artigo deriva do nosso projeto de doutorado, que ainda em se encontra curso. Portanto, as
considerações aqui feitas, principalmente em questões quantitativas, podem sofrer algum ajuste quando do
resultado fi nal da nossa tese.

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