O Novo Regime do Processo de Inventário

AutorEduarda Proença de Carvalho - Miguel de Oliveira Martins
CargoAbogados de las Áreas de Fiscal y Laboral, y Público, Procesal y Arbitraje de Uría Menéndez (Lisboa).
Páginas136-139

Page 136

Decorria o ano de 1961 e acabava de ser publicado o Código de Processo Civil («CPC») que ainda hoje utilizamos (Decreto-Lei n.º 44129, de 28/12/1961). Uma verdadeira obra literária que exprimia o expoente máximo da evolução do Direito em Portugal. Entre os diversos temas abordados, podíamos encontrar, sob o Titulo IV - referente aos processos especiais - um capítulo dedicado exclusivamente ao processo de inventário (Cap. XVI, arts. 1326.º e segs. do CPC). Processo, este, que se manteve praticamente inalterado por cerca de meio século de convulsões legislativas e que regulamentava matérias várias como o regime das declarações do cabeça-de-casal, a relação de bens, a conferência dos interessados, a partilha, etc. E, de facto, apenas faria sentido que assim fosse, num Estado que se diz de Direito, num Estado que se quer Democrático. Duas realidades indissociáveis, condição sine qua non da outra, pois não haverá Democracia, se não houver Direito, e porque o Direito só opera plenamente em Democracia (art. 2.º da Constituição da República Portuguesa, «CRP»). Uma soberania alicerçada na legalidade (art. 3, n.º 2 da CRP), como corolário da segurança e certeza jurídicas. Uma estabilidade que confere aos cidadãos um conhecimento, seguro e certo, das leis que regem a sua vida, não fosse o axioma ignorantia juris non excusat, aplicável tanto ao desconhecimento da lei, como à sua má interpretação (art. 6.º do Código Civil, «CC»). Brocardo já consagrado, aliás, no próprio CC de 1867 (art. 9.º).

Porém, esta estabilidade foi abalada em 2007 por algo verdadeiramente inaceitável. Pois que, envolto num manto de descongestionamento dos tribunais e sob a égide da inovação tecnológica, o Governo decidiu porfiar a sua investida na simplexificação do ordenamento jurídico português. Uma impaciência que, no que toca ao processo de inventário, serviu apenas para esvaziar de conteúdo o princípio basilar de Direito de segurança e certeza jurídicas e criar um vazio legislativo lamentável. Vejamos porquê.

Em novembro de 2007, O Conselho de Ministros exprimiu a sua inquietude relativamente ao «constante crescimento da pendência processual» (Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 06/11). Patente nesta Resolução era a intenção do XVII Governo Constitucional de retomar os esforços do Plano de Ação para o Descongestionamento dos Tribunais de 2005 («PADT» I), no sentido de redefinir e/ou atualizar os mecanismos processuais existentes. Nascia, então, o PADT II. Nele, reiterava-se a intenção de aliviar as instâncias judiciais, identificando-se e removendo-se dos tribunais os processos que podiam ser resolvidos por vias alter-nativas. Entre as diversas iniciativas legislativas propostas, o Conselho de Ministros resolveu que, até ao final de 2007, dever-se-ia proceder à «desjudicialização do processo de inventário, considerando que o tratamento pela via judicial deste processo resulta particularmente moroso, assegurando sempre o acesso aos tribunais em caso de conflito».

Assim, em cumprimento destas medidas, em novembro de 2008, o Governo apresentou uma proposta de lei (Proposta de Lei n.º 235/X, de 25/11/2008) onde consagrou que a tramitação do processo de inventário fosse assegurada pelas conservatórias e pelos cartórios notariais (embora admitindo o respetivo controlo jurisdicional, sempre que este se revelasse necessário). Na sua essência, apelava-se ao recurso à mediação enquanto resolução alternativa de...

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