Modernidade reflexiva e a sociedade de risco: o futuro da nova era social

AutorMs. Cláudia Maria Hanse/Ms. Cleide Calgaro
CargoDoutoranda em Ciências Sociais/Doutoranda em Ciências Sociais

Ms. Cláudia Maria Hanse1

Ms. Cleide Calgaro2

Introdução

O presente estudo tem como tema como objetivo principal o de analisar a sociedade de risco e a suas implicações no ambiente. Para atingir ao objetivo proposto, primeiramente, faz-se uma abordagem sobre a modernidade reflexiva e sociedade de risco, sendo que para responder a questão utilizam-se alguns eixos teóricos propostos por Ulrich Beck e Anthony Giddens.

1. Modernidade reflexiva

No decorrer do século XX, foi inegável que a evolução tecno-científica trouxe o bem-estar à sociedade. Mas, por outro lado, para consegui-la fez-se necessário explorar os recursos naturais existentes no planeta de forma incompatível, uma vez que estes são insumos na fabricação dos produtos e, em conseqüência, houve a degradação ambiental, o exaurimento dos recursos naturais. Além disto, colocou em risco à vida humana e de outras espécies (animais e vegetais).

Sendo assim, em virtude desta utilização predatória fruto do modelo econômico vigente, o planeta atingiu um patamar que dificilmente retornará ao estado natural, isto é, chegou a um ponto de não-retorno em razão desta pseudo-relação entre o homem e o meio ambiente.

Há também a globalização que tem imposto aos países (desenvolvidos ou não) serem menos atentos com as questões ambientais diante da competitividade econômica. Tal fato agrava-se nos países menos desenvolvidos, tendo em vista que quanto maior a população, maior é a pobreza e menores os recursos econômicos para a recuperação, preservação e educação ambiental (MIRANDA; HANSEL, 2006, p.192).

Também, percebe-se que as conseqüências da globalização possuem uma abrangência ampla, pois abarca praticamente todos os aspectos do mundo social. Todavia, em virtude da globalização ser um processo em aberto e intrinsecamente contraditório, as suas reais implicações são difíceis de serem previstas e controladas. Outro modo de pensar esta dinâmica é em termos de risco, pois muitas são as mudanças acarretadas pela globalização, resultando em novas formas de risco, bem diversas daquelas que existiam anteriormente. Ao contrário dos riscos ocorridos no passado, que tinham causas estabelecidas e efeitos conhecidos, os riscos hodiernos são incalculáveis e de implicações indeterminadas (GIDDENS, 2004, p. 65).

No mundo globalizante, os riscos ecológicos ameaçam o homem de variadas formas, sendo uma das principais preocupações o aquecimento global e o aumento da camada de ozônio.

Importante ressaltar que a sociedade de risco não se limita só aos riscos ambientais e de saúde, uma vez que inclui toda uma série de modificações na vida social contemporâneas: transformações nos padrões de emprego em um nível cada vez maior de insegurança laboral, influência decrescente da tradição e dos hábitos enraizados na identidade pessoal, erosão dos padrões familiares tradicionais, e democratização dos relacionamentos pessoais.

Todavia, antes de tratar sobre a sociedade de risco, faz-se necessário apresentar o significado de "modernidade reflexiva", que segundo Giddens (apud Beck, 1995, p. 12) é "a possibilidade de uma (auto) destruição criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial". Ressalta-se que "o sujeito dessa destruição não é a revolução, não é a crise, mas a vitória da modernização ocidental" (BECK, 1995, p.12).

Porém, Beck (1995, p. 207) revela que o conceito sobre o significado de "modernidade reflexiva" é controvertido entre os autores e para melhor elucidar o tema, formula quatro perguntas, sendo que a primeira refere-se ao sujeito, cuja resposta varia, pois os sujeitos principais da modernização reflexiva são os agentes individuais e coletivos ou os cientistas e as pessoas comuns, as instituições e as organizações, assim como as estruturas.

No que tange a segunda indagação, esta se relaciona ao meio da modernidade reflexiva, que segundo Beck (1995, p. 208) embora pareça ser o conhecimento em suas várias formas, não o é, visto que "na verdade, o oposto se afirma (Beck, 1995, p. 208): o não-conhecimento, o dinamismo inerente, o não-visto e o não desejado".

As conseqüências da modernização reflexiva é a terceira indagação, sendo que:

Giddens concentra-se na desincorporação e na reincorporação, Beck na individualização, enquanto Lash se concentra na estetização e nas formações comunitárias, mas isto evidentemente, inclui reações no espectro do esoterismo, dos movimentos religiosos, dos novos movimentos sociais ou do neonacionalismo, juntamente com a invenção do político após o fim do conflito Oriente-Ocidente (BECK, 1995, p. 208).

A quarta pergunta relaciona-se ao motor da modernização reflexiva, cuja resposta segundo Beck não possui divergência entre os autores, respondendo da seguinte forma:

Não uma nova modernização, mas aquela conhecida no modelo da sociedade industrial ocidental (capitalista, democrático), que está se tornando global ou, simplesmente, reflexiva (1995, p. 208).

Quanto à reflexividade social, Giddens dispõe que viver na era da informação implica um aumento da reflexividade social, cujo significado é pensar constantemente e refletir sobre as circunstâncias em que se vive. Por isso, Giddens (2001, p.681) aponta que as sociedades quando se conduziam mais pelo costume e pela tradição, as pessoas podiam seguir as maneiras de fazer as coisas de uma forma mais irrefletida. Nos dias atuais, tal realidade é diferente, uma vez que em virtude da ciência e da tecnologia pode-se utilizar tais mecanismos e interferir nas decisões, colocando em risco à sociedade em razão das incertezas científicas. Exemplo disso, é que nos dias de hoje pode se optar pelo número de filhos que cada casal pretende ter.

Deste modo, Beck (1995, p.12) aduz que:

Se, no fundo, a modernização simples (ou ortodoxa): significa primeiro a desincorporação e, segundo, a reincorporação das formas tradicionais pelas formas sociais industriais, então a modernização reflexiva quer dizer primeiro a desincorporação e, segundo, a reincorporação das formas sociais industriais por outra modernidade.

Beck (1995, p. 12) dispõe também que em razão do seu inerente dinamismo, a sociedade moderna está terminando com suas formações de classe, camadas sociais, ocupação, papéis dos sexos, família nuclear, agricultura, setores empresariais e, é claro, também com os pré-requisitos e as formas contínuas do progresso técnico-econômico. Este novo estágio, em que o progresso pode se transformar em autodestruição, em que um tipo de modernização destrói outro e o modifica, denominando-as como etapas da modernidade reflexiva.

Esta concepção de que o dinamismo da sociedade industrial extingue com suas próprias fundações remete a Marx que aponta como sendo uma das vitórias do capitalismo a produção de uma nova forma social. Isto significa que não é a luta de classe, mas a modernização normal e modernização adicional que estão dissolvendo os contornos da sociedade industrial (Beck, 1995, pp. 12-13).

Por essa razão, Beck (1995, p. 13) diz que:

Supõe-se que modernização reflexiva signifique que uma mudança da sociedade industrial - ocorrida sub-repticiamente e sem planejamento no início de uma modernização normal, autônoma, e com uma ordem política e econômica inalterada e intacta - implica a radicalização da modernidade, que vai invadir as premissas e os contornos da sociedade industrial e abrir caminhos para outra modernidade.

Pode-se dizer então que há o triunfo do capitalismo neoliberal que assumiu uma nova face por meio da globalização, uma vez que ocorre uma planificação e uma massificação da cultura.

Por outro lado, Beck (2004, p. 214) aduz que pode ser criada uma cadeia de discussões sobre a reflexividade, sendo o ponto mais importante do estudo a cerca do tema. Aponta em um primeiro momento para o que denomina de globalização dos "efeitos colaterais" na questão nuclear e nas catástrofes ecológicas que estão a espreita (aquecimento global, camada de ozônio, etc.), acarretando em uma síndrome denominada de "cegueira apocalíptica" generalizada, possibilidade do que denomina de "externalização". Segundo, na sociologia clássica questiona-se a possibilização da externalização, uma vez que em virtude dela surge vários efeitos cumulativos e de tipo bumerangue. Os efeitos colaterais desvalorizam o capital, fazem com que os mercados entrem em colapso, confundem as agendas e fragmentam os quadros de funcionários, as gerências, os sindicatos, os partidos, os grupos ocupacionais e as famílias. Terceiro, os indivíduos carregam em suas consciências os "problemas secundários" de volta às fábricas e às organizações. Na medida em que a questão ecológica torna-se estabelecida e se espalha em uma sociedade, nem os círculos internos nem os centros de modernização dos agentes em negócios, na política e na ciência podem mais se proteger contra ela. Por fim, este argumenta amplia-se e aplica-se também no caso da comparação da modernização com a cientificação ou dominação dos "sistemas especialistas".

Depreende-se assim que consiste no fato de sua explicação para a degradação ambiental focar-se na interação entre o capitalismo e o industrialismo, visto que o capital se concentra em poder de poucos e estes manipulam os mercados, lançando mais e mais produtos no mercado a fim de serem consumidos aumentando os lucros de tais megaempresas. Colocando em colapso o ambiente.

[...] o industrialismo, em seu estágio avançado na segunda metade do século XX, está crescentemente produzindo efeitos que não podem mais ser abarcados ou cobertos pelo cálculo do risco e do seguro. Em vez disso, este último enfrenta as instituições técnicas e sociais do "Estado de precaução" com ameaças que anulam, desvalorizam e destroem todos os cálculos a partir de suas próprias fundações. Falando de modo irônico, a auto-reflexão da sociedade industrial tardia sobre o padrão de risco permanece e nos cega para a confrontação com ameaças incalculáveis, que são constantemente eufemizadas e trivializadas em riscos calculáveis. Também nos deixa cegos, para a crise institucional, a perda de fé e suas conseqüências e perturbações para o direito, a política, a economia e o que parece ser privacidade, que dessa forma fazem-se permanentes. (BECK, 1995, p. 217).

Verifica-se que segundo este autor, a antiga sociedade industrial está a desaparecer e a ser substituída pela "sociedade do risco". A gestão do risco é a característica principal da ordem global.

Por isso, de acordo com Giddens (apud Beck, 1995, p. 12) precisa-se repensar, reinventar a civilização industrial que está em crise.

Giddens (apud Ferreira, 2004, p. 82) no que se refere aos aspectos sociais tenta integrar a explicação das origens e efeitos da degradação do ambiente numa interpretação mais alargada do desenvolvimento e da dinâmica das sociedades modernas.

2. Sociedade de risco

Constata-se que segundo Beck (apud Giddens, 2005, p. 679) o risco torna-se central por várias razões, visto que por meio do avanço da ciência e da tecnologia surgiram novas situações de risco diferentes das existentes em décadas anteriores. A ciência e a tecnologia proporcionam à sociedade muitos benefícios. Entretanto, criam riscos que são imensuráveis. Justamente, em virtude disso, não se sabe os riscos que se corre com os alimentos modificados geneticamente ou com as tecnologias nano, por exemplo.

De outro modo, foi Beck (apud Giddens, 2005, p. 679) que mostrou que as questões ecológicas marcam muitos outros problemas com que se defronta.

Em um primeiro momento, existe a questão relacionada a sobrevivência ou segurança global. [...] a industrialização e o desenvolvimento tecnológico - com todos os infortúnios e também benefícios concomitantes - desenvolveram sob a égide das sociedades ocidentais. Por que as sociedades "menos desenvolvidas" deveriam agora embarcar em processos de industrialização em grande escala que limitam o seu crescimento econômico, para ajudar a resolver problemas criados pelos riscos? A expansão da pobreza global e a demanda urgente por justiça global estão auto-evidentemente vinculadas a dilemas ecológicos [...].

Depreende-se que para Beck a sociedade de risco origina-se da sociedade industrial. O tipo de sociedade existente no final do século XX inaugura uma outra fase histórica da humanidade, na qual finalmente se reconhece que a mesma tecnologia que gera benefícios ao ser humano é também responsável por provocar inesperadas e indesejadas conseqüências. A característica principal da sociedade de riscos é que as inovações tecnológicas e organizacionais da sociedade moderna também acarretaram efeitos colaterais negativos, cada vez mais complexos, imprevisíveis e, alguns deles, incontroláveis. Uma parte dos riscos contemporâneos escaparam do controle do sistema convencional das instituições da era industrial. O Estado-nação, não consegue mais regular os riscos de alta complexidade, principalmente, aqueles que têm uma espacialidade e uma temporalidade que vão além das fronteiras geopolíticas nacionais (1995, p. 210).

Hoje os riscos estão em todos os lugares. Em outros contextos históricos, inclusive em séculos passados, a experiência dos riscos nunca foi tão abrangente e profunda como têm sido nas últimas décadas. As situações de risco atuais são, portanto, quantitativas e qualitativamente distintas das formas anteriores de risco. As mudanças estão acontecendo cada vez mais rápidas e em maior grau e intensidade. As mudanças geram situações novas em que ninguém parece ter o controle. A incerteza passou a ser uma característica marcante de nossa época.

Layrargues (1999, p. 64) ressalta que é relevante lembrar que na essência da crise ecológica está a relação sociedade /natureza. E continua:

Sem considerar as dinâmicas históricas reais que a produziram e que a produzem, toda discussão fica descontextualizada e sem nenhuma relação de causalidade. A crise ambiental não pode ser tematizada apenas enquanto fenômeno físico natural externo à evolução das sociedades. A bem verdade, não é a natureza que se encontra em desarmonia; é a própria sociedade. A atual desordem da biosfera decorre de uma longa, complexa e conflituosa cadeia de relações entre o mundo humano e o mundo natural; ela materializa um conflito profundo entre a sociedade de consumo e a biosfera (LAYRARGUES, 1999, p. 64).

Sendo assim, ressalta-se que os perigos sempre existiram, sempre houveram, assim como ameaçaram as sociedades humanas, estando em todos os lugares; entretanto, não dependendo da ação humana. Enquanto, risco pressupõe perigo, estando relacionado com a ação humana e, sobretudo, com a ação humana voltada ao futuro. Como destaca Giddens (1995, p. 42):

Uma pessoa que arrisca algo corteja o perigo [...] qualquer um que assume um ‘risco calculado’está consciente da ameaça ou ameaças que uma linha de ação específica pode por em jogo. Os riscos são aqueles perigos que decorrem de nossas ações. Toda ação implica decisão, escolha e aposta. Em toda aposta, há riscos e incertezas. Tão logo agimos, nossas ações começam a escapar de suas intenções; elas entram num universo de interações e o meio se apossa delas, contrariando, muitas vezes, intenção inicial.

Nas modernas sociedades industriais, as origens, as conseqüências e as características dos riscos mudaram. A forma como os riscos são percebidos socialmente e o modo como se reage diante dos mesmos também se modificou. Os riscos e os acidentes passaram a estar claramente dependente das ações, tanto dos indivíduos quanto das forças sociais, econômicas e tecnológicas de âmbito mais vasto. Na modernidade, constata-se que os riscos estão intimamente ligados à expansão da racionalidade capitalista. Todavia, o socialismo também causou riscos à sociedade.

3 A crise ambiental como conseqüência da sociedade de risco

Depreende-se que a crise ambiental é deflagrada pelo sistema econômico vigente, cujo intuito é a acumulação de riquezas e do lucro. Também, neste modelo, há a necessidade de lançar constantemente produtos no mercado, fazendo com que as pessoas dependam cada vez mais deste sistema, tornando-se sempre mais exigentes e consumistas, descartando o velho. Os seres humanos, na ânsia de fabricar esses produtos, acostumaram-se a explorar os recursos naturais sem nenhum critério. Desse modo, acumulam mais e mais capital, isto é, lucram sobre a natureza, uma vez que extraem dela tudo que podem, sem a preocupação de ocasionarem a escassez desses recursos naturais. Além disto, acarretam riscos à sociedade.

Em termos éticos pode-se afirmar que a lógica do lucro e da acumulação ilimitada traz como corolário a descartabilidade não só do ser humano, mas da natureza como um todo (HANSEL, 2003, p. 38).

Derani (1997, p. 135) questiona não apenas o fato do consumo, mas o modo de consumir o que é produzido pela produção e não apenas objetivamente, mas também subjetivamente. A natureza humana - este conjunto de necessidades e impulsos - é passível de ser compreendida apenas dentro de um processo histórico, no qual não se justapõem um elemento constante e uma variável; ambos sem se inter-relacionarem. O particular, aqui, constrói a vida do geral.

A lógica da descartabilidade do ser humano está presente num modelo de desenvolvimento que prioriza o mercado a partir de uma ótica neoliberal despreocupada com as necessidades básicas da maioria da população. Essa matriz desenvolvimentista ensejou extraordinários avanços da ciência e da tecnologia, importando-se muito mais com o valor de troca dos bens produzidos, ao invés de colocar os produtos do progresso ao alcance de toda à sociedade (HANSEL, 2003, p. 39).

Sendo assim, o relevante em uma sociedade de consumo é consumir e não satisfazer as condições para uma vida digna a ser universalizada. No processo de produção o indivíduo é transformado em mercadoria na medida em que seu valor reside na força produtiva de trabalho, percebida como mera rubrica do orçamento e, portanto, descartável quando declina seu poder de contribuição.

Por outro lado, constata-se que estes produtos ao serem adquiridos pelas pessoas, proporcionam a elas prazer momentâneo, pois logo após consumirem-nos já pensam em adquirir outros bens. Há também o consumo de produtos para diminuírem o seu tempo desempenhando tarefas quotidianas; todavia, o que não percebem é que esse tempo que supostamente estão ganhando ao consumir esses produtos acarreta sempre mais insatisfação nas pessoas, porque sempre estão infelizes e insatisfeitos. Além disso, este consumo provoca o exaurimento dos recursos naturais, pois estes são matérias primas na elaboração desses produtos,colocando em risco à sociedade em razão das incertezas cientificas que estes produtos possuem.

Para Habermas a democracia e a democratização tanto do processo político convencional como dos centros de decisão econômica, previamente despolitizados, constitui um elemento essencial de uma política de ambiente sustentável (MIRANDA; HANSEL, 2006, p. 206).

Considerações finais

O atual modelo econômico precisa ser revisto e a cultura do consumo precisa ser refreada. Ocorre que a sociedade está pautada na concepção de que quanto "mais é melhor". Com isso, propagou-se a idéia de que a base para conquistar a riqueza era aumentar a eficiência, geralmente, com ganho de escala. Porém, hodiernamente, esse modelo está cobrando um preço alto: o aquecimento global e uma sensação de tristeza e insatisfação, pois o consumo está desencadeando cada vez mais desigualdades sociais do que prosperidade, mais insegurança do que progresso. Sem contar na crise ecológica oriunda desta sociedade de risco e de consumo.

Já, no limiar do século XXI, Habermas (1987, p.104) prevê que o futuro aparenta ser negativo, pois para ele:

Desenha o panorama aterrador da ameaça mundial aos interesses da vida em geral: a espiral armamentista, difusão incontrolada de armas nucleares, o empobrecimento estrutural dos países em desenvolvimento, o desemprego e os desequilíbrios sociais crescentes nos países desenvolvidos, problemas com o meio ambiente sobrecarregado, altas tecnologias operadas às raias da catástrofe, dão as palavras-chave que invadiram a consciência pública através dos meios de comunicação em massa. As respostas dos intelectuais refletem uma perplexidade não menor do que a dos políticos. Não é de forma alguma apenas realismo se uma perplexidade aceita temerariamente coloca-se cada vez mais no lugar de buscas de orientação que apontem para o futuro. A situação pode estar objetivamente ininteligível. Contudo essa imperspicuidade é também uma função da presteza de ação de que uma sociedade se julga capaz. Trata-se da confiança da cultura ocidental em si mesma.

Convém lembrar que a Europa neste período (final da década de 80) passava por modificações político-econômicas cujos efeitos refletiam-se na sociedade. Também, no que se refere a questão ambiental, os efeitos catastróficos relacionados a acidentes envolvendo energia nuclear, sem contar com o processo de industrialização que causava sérias degradações ecológicas.

Ainda, Habermas (1987, p. 105) deixa clara a sua desilusão não só com o Estado social-democrata, mas também com os teóricos da pós-modernidade.

[...] Elas apresentam a ciência, a técnica e o planejamento como instrumentos promissores e seguros para um verdadeiro controle da natureza e da sociedade. Contudo, precisamente essa expectativa foi abalada por evidências massivas. A energia nuclear, a tecnologia de armamentos e o avanço no espaço, a pesquisa genética e a intervenção da biotecnologia no comportamento humano, a elaboração de informações, o processamento de dados e os novos meios de comunicação são técnicas de conseqüências intrinsecamente ambivalentes. E quanto mais complexos se tornam os sistemas necessitados de controle, tanto maiores as probabilidades de efeitos colaterais disfuncionais. Nós percebemos diariamente que as forças produtivas transformam-se em forças destrutivas e que a capacidade de planejamento transforma-se em potencial desagregador. Diante disso, não constitui surpresa que hoje ganhem influência, sobretudo aquelas teorias desejosas de mostrar que as mesmas forças de incrementação do poder - das quais a modernidade extraiu outrora sua autoconsciência e suas expectativas utópicas - na verdade transformaram autonomia em dependência, emancipação em opressão, racionalidade em irracionalidade.

Deste modo, Beck (p. 680) corrobora com Habermas que a nova sociedade não anuncia o fim das tentativas da reforma social e política, surgindo uma nova forma de ativismo. Ele aduz que se verifica a emergência de um novo campo denominado de subpolítica, cujo termo designa as atividades de grupos e agências que operam fora dos mecanismos formais da democracia política - tais como os grupos ecológicos, de direitos dos consumidores ou de direitos humanos. Ressalta também que a responsabilidade da gestão do risco não pode ser deixada ao arbítrio de políticos e cientistas, fazendo-se necessário a participação de outros grupos.

Entretanto, Giddens (p. 682) dispõe que estes grupos mencionados por Beck (agências e os movimentos que trabalham fora do enquadramento formal da política) podem ter um relevante papel. Mas para Giddens não suplantarão a democrática ortodoxa. A democracia ainda é crucial, pois os grupos existentes na área da subpolítica fazem reivindicações divergentes e têm interesses diferentes.

Referências

BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASCH, Scott. Modernização reflexiva: Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1995.

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Maxlimonad, 1997.

FERREIRA, Leila da Costa. Idéias para uma sociologia da questão ambiental - teoria social, sociologia ambiental e interdisciplinaridade. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 10, p. 77-89, jul./dez. 2004. Paraná, Editora UFPR, p. 83.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4º ed. rev. atual. Trad.: Figueiredo, Alexandra; Baltazar, Ana Patrícia Duarte Baltazar; Silva, Catarina Lorga da; Matos, Patrícia; Gil, Vasco. Coordenação e revisão científica. Sobral, José Manuel. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

.As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: UNESP, 1991.

. A constituição da sociedade. Tradução Álvaro Cabral. 2º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

GUIVANT, Julia. A trajetória das Análises de Risco: Da periferia ao cento da teoria social. BIB nº 46, 1998.

HABERMAS, Jurgen. A nova intransparência: a crise do Estado de Bem-Estar Social e o esgotamento das energias utópicas. Novos Estudos Cebrasp. São Paulo, nº 18.

HANSEL, Claudia Maria. O princípio da precaução frente a responsabilidade civil pelos danos ambientais. Caxias do Sul: UCS, 2003.

LAYRARGUES, Philippe Pomier. Sistemas de Gerenciamento Ambiental, tecnologia limpa e consumidor verde: a delicada relação empresa-meio ambiente no ecocapitalismo. Revista de Administração de Empresas. São Paulo: v. 40, n. 2, p.80, abr-jun, 2000.

MIRANDA, Daniela O.; HANSEL, Claudia M. Hansel. Direito ambiental, política e democracia: a política deliberativa em Habermas como condição de possibilidade de se pensarem novos caminhos democráticos. In: Direito Ambiental: um olhar para a cidadania e sustentabilidade planetária. Org. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger e Jaime Paviani. Caxias do Sul: EDUCS, 2006, p. 208.

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[1] Doutoranda em Ciências Sociais na Universidade de Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Mestre em Direito (UCS); Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS);

[2] Doutoranda em Ciências Sociais na Universidade de Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Mestre em Direito (UCS); Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS); Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Metamorfose Jurídica (UCS);

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