Informação tem dono no Estado patrimonialista brasileiro

AutorLuís Antônio Alves Machado; André Hacl Castro
Páginas300-318
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INFORMAÇÃO TEM DONO NO ESTADO PATRIMONIALISTA
BRASILEIRO
LUIS ANTONIO ALVES MACHADO
Doutor pelo Programa Direitos, Instituições e Negócios
Universidade Federal Fluminense (UFF) Rio de Janeiro, Brasil.
luismachado@bol.com.br
ANDRÉ HACL CASTRO
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais
Universidade Federal Fluminense (UFF) Niterói, Brasil.
andrecastro@id.uff.br
1. INTRODUÇÃO
Operação Lava-Jato, delação premiada, lavagem de dinheiro, propina, caixa 2, entre várias
outras referências desta linha, fazem parte de uma ampla relação de termos, nomes e definições que
nos últimos anos têm se incorporado ao vocabulário dos brasileiros. Este é o resultado da exposição
que os meios de comunicação social vêm realizando de uma série de investigações em curso sobre
crimes praticados por agentes públicos brasileiros, principalmente em combinação com integrantes
de empresas privadas. São relatos que evidenciam práticas ilegais, antigas, extensas e de grande
capilaridade na relação entre estado e iniciativa privada no Brasil, dando sinais bastante claros de
que a máquina pública brasileira é administrada com um forte sentimento de propriedade particular
por parte de uma parcela considerável dos dirigentes nacionais.
Certamente, Estado e iniciativa privada precisam se relacionar e buscar os objetivos comuns
e legais em benefício do adequado funcionamento da sociedade. Nesta interação, a iniciativa privada
age focada em seus interesses próprios e o Estado deveria agir com vistas ao bem-estar de todos.
Porém, a percepção que se forma no Brasil é que esta relação busca o bem-estar individual de
integrantes de grupos políticos e econômicos. A avalanche de fatos em torno da inadequação da
relação público/privado trazida ao conhecimento público nos últimos anos evidencia que decisões
estatais no Brasil são tomadas, em grande parte, não em nome da sociedade, mas em atenção
a interesses privados de quem dá suporte financeiro aos grupos políticos e econômicos no exercício
do poder.
Em um estado administrado por quem se acha seu dono, a informação sobre a estrutura
estatal também acaba tendo dono. Nossa “res publica” brasileira não é tão pública quanto deveria.
A coisa pública é tratada como coisa privada, sobre a qual não obrigação de informar. O
governante, ao tratar Estado como seu, não se acha no dever de dar satisfações, de explicar um ato,
não se sente obrigado a dar informação. Vigente desde 2012, a Lei de Acesso à Informação buscou
combater esta realidade no Brasil, mas em estado patrimonialista enfrenta justamente o desafio de
vencer a cultura do sigilo que impera em administrações públicas brasileiras, a visão de propriedade
que os governantes têm sobre as estruturas que governam. Na cultura nacional trata-se o município,
o estado, a federação, empresas e demais instituições públicas como se fossem propriedade dos
administradores, eleitos ou nomeados.
Nesse contexto, parece que entre os dirigentes estatais brasileiros uma forte tendência a
considerar que contas não precisam ser explicadas, dados podem ser negados, estatísticas ignoradas,
medidas não precisam ser nem minimamente justificadas. A impressão é que agem como se fossem
donos do Estado e a ninguém devessem satisfação. No entanto, a administração pública não é
patrimônio de ninguém, ao mesmo tempo em que é de todos a ela submetidos. Tratá-la como algo
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de pertencimento pessoal é como incorporá-la ao patrimônio privado, podendo tirar-lhe proveito e
guiá-la prioritariamente pelos interesses econômicos e políticos de alguém ou de algum partido ou
grupo econômico.
Este artigo destina-se a analisar as origens da confusão público/privado na administração
pública brasileira. A análise tem como referência central o conceito weberiano de patrimonialismo,
que será inicialmente apresentado. Em seguida, será apresentada a forma como a circulação da
informação era controlada pelo Estado nos períodos colonial, imperial e primeiros anos da República
no Brasil. O contexto histórico servirá para introduzir as análises e considerações de autores
nacionais que aplicaram a tese do patrimonialismo sobre a realidade brasileira e também autores que
divergem desta relevância, encontrando explicação mais ampla para esta relação entre público e
privado, mas sem deixar de reconhecer sua inadequação.
1.1. Origem do conceito patrimonialismo
O conceito patrimonialismo foi introduzido na sociologia por Max Weber (2015). O
sociólogo alemão é mais conhecido por seu livro a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, no
qual analisa as relações entre religião, política e economia. o conceito de patrimonialismo foi
apresentado e explicado na publicação Economia e Sociedade (WEBER, 2004, 2015), que tem os
diferentes tipos de dominação social entre seus principais temas, entre eles o patrimonialismo,
classificado como uma forma de dominação tradicional.
Inicialmente, Weber via o patrimonialismo como uma variante do patriarcalismo, talvez a
mais antiga forma de dominação social, pois que este regulava desde as mais primitivas formas de
vida em grupo, resultante das aglomerações familiares. Assim como o patriarcalismo, o
patrimonialismo seria uma forma de dominação tradicional, que contrasta com o Estado moderno,
racional e legal. Nesta visão, o patrimonialismo nada mais seria que a extensão do poder doméstico e
suas formas de controle para contextos mais amplos, como o oikos, assim entendidas as aglomerações
humanas mais complexas que as familiares, até mesmo as organizações tribais primitivas. Nas
primeiras visões de Weber sobre patrimonialismo, este seria uma forma de ampliar as práticas e
poderes da casa para gerenciamento do oikos.
De acordo com Carlos Eduardo Sell, nesta conceituação inicial, “Weber adotou o conceito
de patrimonialismo de Carl Ludwig Haller (1816) que em sua obra Restauration der Staatswissenschaft
discriminou três formas de Estado: patriarcal, militar e espiritual” (SELL, 2017, p. 321). Dentro dos
conceitos definidos por Haller, Weber considerou o patrimonialismo uma forma de Estado
patriarcal. No entanto, o amadurecimento do conceito fez Weber diferenciar patrimonialismo de
patriarcalismo em razão, principalmente, da presença de uma estrutura administrativa, que se
encontra na dominação patrimonial, mas que não está presente na dominação de tipo patriarcal.
“Na segunda versão da teoria da dominação essa concepção é inteiramente repensada e, em vez da
continuidade, Weber faz questão de acentuar a radical descontinuidade entre o tipo patriarcal e o tipo
patrimonial” (SELL, 2017, p. 322).
Para Weber, é a existência de um quadro administrativo que distingue, dentro das formas de
dominação tradicional, aquelas de tipo primário, baseadas na tradição, daquelas de tipos que
exigem uma organização e gerenciamento de poder de forma mais elaborada. Nesta visão
reformulada, ao discorrer sobre o patrimonialismo de forma geral e também sobre sua variante, o
patrimonialismo sultanista, Weber afirma que “do patriarcalismo originário se distinguem ambas
as formas, também o sultanismo, pela existência de um quadro administrativo” (WEBER, 2015, p.
152).
O viés patrimonialista da dominação tradicional faz com que o espaço público seja usufruído
como se fosse privado. Isso porque, na definição de Weber, o patrimonialismo é “toda dominação
que, orginalmente orientada pela tradição, se exerce em virtude de direito pessoal” (WEBER, 2015,
p. 152). Se dominar é considerado um direito pessoal, é possível identificar um forte sentimento

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