Relações Humanas e Privacidade na Internet: implicações Bioéticas

AutorAdriana Silva Barbosa/Márcio Roger Ferrari/Rita Narriman Silva de Oliveira Boery/Douglas Leonardo Gomes Filho
CargoBióloga, especialista em Metodologia do Ensino Superior pelas Faculdades Integradas de Jequié (FIJ), mestre em Enfermagem e Saúde pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), analista universitária da UESB, secretária do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UESB/Analista de Sistemas formado pela Universidade Metodista de Piracicaba (...
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1. Introdução

Este estudo discute a influência da Internet nas relações humanas, suscitando questões bioéticas, dentre as quais a exposição da privacidade, o que pode proporcionar benefícios e facilidades, mas também riscos. Pretende-se, assim, refletir sobre esta questão tão presente em nossas vidas, como profissionais ou usuários, no desenvolvimento de atividades virtuais do cotidiano.

A partir da década de 1950 desencadeou-se um progressivo e avassalador desenvolvimento biotecnológico, engendrando-se as preocupações com a existência humana e configurando o contexto histórico que culminou com a criação do neologismo bioética e o desenvolvimento desta nova ciência. Assim, o neologismo bioética foi criado em 1971 pelo biólogo e oncologista Van Rensselaer Potter para designar uma “ética da sobrevivência” com sentido ecológico e global. Seis meses mais tarde, o médico Andre Hellegers empregou o termo bioética com sentido mais restrito, utilizando-o para designar a “ética das ciências da vida”, considerando principalmente aspectos relacionados à saúde humana (NEVES, 1996).

Embora, inicialmente, tenha prevalecido o conceito de bioética mais voltado para a saúde (NEVES, 1996), no decorrer dos anos, a bioética desenvolveu-se vertiginosamente, adquirindo um caráter transdisciplinar capaz de interrelacionar-se com todos os campos do desenvolvimento humano e científico, conduzindo à reflexão e convidando a um novo fazer e proceder humano mais ético e racional, seja nas relações profissionais ou no convívio diário com outras pessoas.

Neste sentido, Fortes (2011) lembra que a bioética constituiu-se um movimento em escala mundial de amplo campo doutrinário e abrangência ainda não definida. Nasce dos conflitos da transformação humana e seus valores numa tentativa de apreender e compreender o verdadeiro significado do novo e propiciar uma possível adaptação. As questões da bioética variam com o tempo e o contexto social vigente (COHEN, 2008). Para tanto, a bioética deve ser entendida nas relações humanas e percebida a partir da visão do ser humano diante do mundo; pois somente ele, com suas angústias frente às suas próprias pulsões e às exigências da realidade, cria os conflitos bioéticos (COHEN, 2006).

Produto do desenvolvimento científico e tecnológico do século XX, a Internet, também chamada de rede mundial de computadores, é bastante recente e já adquiriu importância imensurável em todos os campos da vida humana, inclusive no cotidiano e nas relações humanas. Todavia, esta rede teve origem militar, científica e universitária.

Segundo Marcelo (2001), a internet surgiu em 1969 a partir de um conjunto inicial de quatro computadores que, em dez anos, expandiu-se para uma rede de duzentos computadores para fins de pesquisa militar nos Estados Unidos da América, crescendo lentamente nos anos seguintes. Contudo, a internet como a conhecemos na atualidade só se tornou possível a partir de 1989 quando Tim Berners Lee criou um projeto de acesso à informação em nível mundial, um protocolo para a transferência de arquivos HTTP (Hypertext Transfer Protocol) baseado em hipertexto (HTML -Hypertext Markup Language), criando assim a Word Wide Web, a qual permite o estabelecimento de hiperligações entre os documentos localizados em computadores ligados a uma rede de internet por

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meio do URL (uniform resource locator), fazendo com que texto, som e imagem de computadores remotos cheguem ao computador de qualquer pessoa desde que estejam conectados à rede.

Na atualidade, devido ao seu vertiginoso desenvolvimento e expansão, à rapidez de comunicação e troca de informações que proporciona, à sua inserção no cotidiano profissional e na vida particular das pessoas, a internet tem influenciado e alterado as relações humanas, suscitando questões bioéticas, dentre as quais se encontra a questão da exposição da privacidade. Neste sentido, elaborou-se a seguinte questão norteadora: quais as implicações bioéticas das relações humanas e da privacidade na internet? Assim, este artigo tem como objetivo analisar as implicações bioéticas das relações humanas e da privacidade na internet. Todavia, ressalta-se que não se pretendeu esgotar tema tão amplo e complexo, mas apenas tecer uma breve reflexão acerca da interrelação existente entre eles.

2. Metodologia

Trata-se de uma revisão crítica da literatura, de caráter qualitativo, realizada a partir de levantamento bibliográfico nas bases eletrônicas de dados do Portal Capes, Bireme - BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library On Line) e Google Acadêmico no período de janeiro de 2012 a fevereiro de 2012 com o emprego das seguintes expressões-chave: conceito de alteridade; conceito de privacidade; bioética e relações humanas; privacidade na internet; privacidade e bioética; bioética e o direito à privacidade; relações humanas e internet; segurança e internet.

Foram coletados oitenta trabalhos, dos quais foram selecionados trinta e um para compor a base bibliográfica deste estudo por se mostrarem mais adequados ao seu escopo. Para realizar tal seleção, efetuou-se a leitura prévia do resumo dos trabalhos coletados para verificação do atendimento aos seguintes critérios: 1) trazer aspectos que contribuam para a compreensão da interrelação bioética-relações humanas; 2) relacionar bioética e privacidade; 3) abordar a privacidade na internet; 4) trazer aspectos que permitam compreender as relações humanas na internet e sua interface com as questões relacionadas à privacidade.

Desse modo, foi possível agrupar os trabalhos em dois eixos temáticos: relações humanas, privacidade e sua interface com a Bioética; Implicações bioéticas das relações humanas e da privacidade na internet, este último subdividido em: Internet, relações humanas e privacidade: implicações positivas; Internet, relações humanas e privacidade: implicações negativas; Relações humanas e proteção da privacidade na internet.

Devido à complexidade e a atualidade do tema, não se delimitou tempo, todavia todos os artigos empregados na elaboração deste trabalho foram publicados entre os anos de 1996 e 2011, exceto o artigo clássico de Warren e Brandeis (1890) sobre o conceito de privacidade. Além disso, utilizou-se também livros, dissertações de mestrado, teses de doutorado e documentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Constituição da República Federativa do Brasil e o Projeto de Lei n.º 84/1999.

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É importante lembrar que este artigo foi elaborado considerando o contexto do marco constitucional brasileiro. Visando dispor sobre os crimes cometidos na área de informática e suas penalidades, o Projeto de Lei n.º 84/1999 foi elaborado num contexto social em que os crimes relacionados à internet começaram a se tornar mais frequentes e preocupar a opinião pública e as autoridades brasileiras; todavia, como será visto no artigo, este projeto de lei ainda não foi aprovado pelo legislativo e tem gerado discussão quanto ao teor de seus artigos.

3. Relações humanas, privacidade e sua interface com a Bioética

O ser humano não nasce ético, nem competente para desempenhar suas funções sociais. Tais aspectos são incorporados no decorrer de seu processo de humanização que ocorre no seio familiar, por meio da elaboração do pacto edípico1(COHEN; GOBBETTI, 2004), e no convívio com as outras pessoas de seu círculo social, o que significa que o ser humano pode ser entendido como abertura, relação, comunicabilidade e, portanto, o fundamento preliminar da alteridade (CORREIA, 1993).

Neste sentido, a ética pode ser considerada anterior aos gregos, uma vez que os primeiros ancestrais humanos relacionavam-se entre si e que, antes da criação de códigos, já existiam leis para regulamentar o comportamento humano (COHEN; GOBBETTI, 2004). Todavia, somente a partir das ideias de Hegel, os filósofos começaram a considerar o ser humano nas relações humanas e a noção de reciprocidade como elemento fundamental na formação do ser humano social e ético e na percepção do outro como constituinte do eu (SADALA, 1999). Alteridade significa ser outro, encontro com o outro, realidade dos outros, reconhecimento do outro (CORREIA, 1993), reportando-se, portanto, às relações humanas.

Neste contexto, Merleau Ponty lembra que o ser humano não existe como consciência fechada em si mesmo, ou seja, o ser humano é o ser no mundo das relações, um ser-situação num mundo inacabado e em permanente transformação, cujos vazios são preenchidos pelas relações humanas numa constante tensão ser humano-mundo, no movimento incansável das infindáveis transformações (SADALA, 1999).

O ser humano é biopsicossocial, ou seja, um ser dialogal, um ser-relação que precisa da reciprocidade da experiência dialogal:

Na experiência do diálogo, constitui-se um terreno comum entre outrem e mim, meu pensamento e o seu formam um só tecido, meus ditos e aqueles do interlocutor são reclamados pelo estado da discussão, eles se inserem em uma operação comum da qual nenhum de nós é o

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criador. (...) nós somos, um para o outro, colaboradores em uma reciprocidade perfeita (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 475).

Apesar disso, o mesmo autor lembra que as pessoas são limitadas a um certo ponto de vista sobre o mundo e que a liberdade nunca é incondicional, pois a...

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