Direito de colocação à disposição pública interactiva das prestações dos artistas intérpretes ou executantes no direito português

AutorMaría Victória Rocha
Cargo del AutorProfessora Auxiliar da Universidade Católica, Porto, Advogada e Consultora
Páginas407-417

Page 408

I Nocoes gerais e objecto de investigacáo

O nosso estudo circunscreve-se ao direito de colocacao á disposicao interactivo atribuido por lei aos intérpretes ou executantes no direito nacional. A restricao aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes deve-se á escassez de estudos em materia de direitos conexos mas, sobretudo, á desastrosa regula-mentacao deste direito no ordenamento portugués.

Faremos uma breve referencia previa a aspectos doutrinais apenas na medida que se relacionem com o objectivo a que nos propomos, dada a limitacao de páginas a que estamos sujeitos. Pela mesma razao, restringiremos a análise ao direito de prestacao interactiva em Portugal.

II Breves notas sobre a origem, características e questoes doutrinais acerca da natureza do direito de colocacáo á disposicáo interactiva

Este direito tem a sua origem nos Tratados OMPI de 1996 sobre Direito de Autor (TODA) e OMPI 1996, sobre Prestacoes, Interpretacoes e Fonogramas (TOIEF). No contexto da UE, na Directiva 2001/29 de 22 de Maio (art. 3.1 e 3.2), Directiva sobre a Sociedade da Informacao (DIS)1.

Denota-se no TODA e TOIEF a preocupacao pela neutralidade da termino-logia e enquadramento do direito 2.

Page 409

Os TODA e TOIEF visam uma solucao neutra. Caracterizado o direito como um direito de exclusivo e nao sujeito a esgotamento, deixou-se a cada país margem para criar um novo direito, optar pelo direito de reproducao, comunicacao pública ou distribuyo, ou considera-lo uma combinacao de todas estas formas de exploracao. A isto se denominou "umbrella solution", expressao de M. FiesüR 3. Foi o mínimo denominador comum possível, deixando margem para divergencias nacionais.

No entanto, o art. 8 TODA insere o direito no contexto da comunicacao pública, o que torna a solucao "umbrella", num "half opened umbrella". Sem prejuízo de cada país poder optar por um direito novo, ou outra solucao, desde que respeitadas as características essenciais apontadas4.

No art. 10 TOIEF é consagrada a solucao "umbrella" em toda a sua ampli-tude. O direito de colocacao á disposicao interactiva aparece como uma forma de exploracao independente.

No TOIEF o direito em causa é um direito de exclusivo, nao sujeito a esgotamento, com a possibilidade de outorgar aos artistas intérpretes ou execu-tantes e aos produtores de fonogramas o direito a uma remuneracao irrenun-ciável para utilizacóes secundarias (cf. art. 15). Isto, sem prejuízo de os Estados poderem sempre manter o direito como um direito de exclusivo.5

A DIS opta pela colocacao do direito de colocacao á disposicao interactiva entre os direitos de comunicacao pública (cf. art. 3.1 e Considerando 23). Ou seja, a solucao "umbrella" acaba por se fechar 6. Já em materia de direitos conexos, o art. 3.2 abrange a possibilidade de o direito em causa ser um direito autónomo, pois os titulares abrangidos nao tinham um direi-to de comunicacao pública prévio harmonizado (sejam artistas, produtores de fonogramas, produtores audiovisuais das primeiras fixacóes de filmes, ou entidades de radiodifusao), isto, sem prejuízo de cada Estado-Membro poder enquadrar o direito em causa no direito de comunicacao pública. O que se impóe é que se trate de um direito de exclusivo e nao sujeito a esgotamento 7.

A colocacao á disposicao do público visada é interactiva.

Distingue-se entre interactividade activa e passiva. A primeira basta-se com a colocacao á disposicao em rede para acesso on demand; a segunda ocorre quando o utilizador acede ás obras ou prestacóes protegidas, por exemplo, fa-zendo um download de uma música ou vídeo. Basta o primeiro tipo de interac-tividade para que o direito seja exercido.

O "público" nao é já um conjunto de pessoas que se reúnem e que tem aces-so á obra ou prestacao ao mesmo tempo, é agora pessoa que está sozinha e que acede á obra ou prestacao, ou seja, acede onde e quando quiser. Embora nem

Page 410

sempre seja fácil a distincáo, estamos prante um público, ainda que ausente, desde que náo estejamos no ámbito familiar restrito, doméstico, ou do género.

O acto de exploracáo vai ser, em último termo, realizado pelos provedores de conteúdos, uma vez que sáo estes que colocam as obras á disposicáo do público na rede. Para tanto, teráo que pagar aos titulares de direitos as licencas correspondentes 8.

Trata-se de um direito individual, de exclusivo ligado á exploracáo primaria da obra ou prestacáo em rede. Basta pensar na coexistencia dos dois mercados referidos. Inclusive, é usual que a colocacáo á disposicáo, o "reléase", por exemplo, na área musical (que equivale á primeira publicacáo e distribuyo no mercado analógico), se efectue primeiro na internet. Desde que náo haja nada de diverso acordado com o produtor, ou distribuidor, o seu titular pode optar por um regime de copyleft ou associar a prestacáo a uma creative common. Isto náo impede que se possa tratar de uma utilizacáo secundária, se já foi autorizada a exploracáo pré-via para outra finalidade e depois se faz o upload para a rede. Optando por uma creative common, já nem sáo as tradicionais entidades de gestáo a representar o titular de direitos. Há ainda casos em que o titular do direito opta por efectuar ele próprio a producáo e contrata apenas a distribuicáo, ou opta por fazer tudo.

A distincáo entre utilizacáo primaria e secundaria é essencial, porquanto no primeiro caso, como se trata da primeira exploracáo da obra ou presta-cáo, impóe-se um direito de exclusivo. Na segunda hipótese, dado que a obra ou prestacáo já foram utilizadas previamente com outra finalidade, já náo choca que o direito de exclusivo se transforme num direito de simples remuneracáo.

III O regime do direito em analise em portugal no código do direito de autor e dos direitos conexos (CDADC)
1. Direito único, novo, complexo e autónomo

O legislador nacional considerou este direito como um direito único, complexo e autónomo. O art. 178.º CDADC, sob a epígrafe "Poder de autorizar ou proibir", consagra na al. d) do n.º 1, o direito de exclusivo de autorizar radiodi-fusáo e comunicacáo pública por fio ou sem fio, de forma a ser acessível a qual-quer pessoa, a partir do local e no momento por ela escolhida. Náo há dúvida que é um direito de exclusivo novo, autónomo, ligado á exploracáo primária da prestacáo9. É o meio privilegiado de acesso on line, independentemente de o

Page 411

suporte ser um computador, um i-phone, um i-pad, um androide ou outro qualquer hardware. Tecnologicamente, esta forma de acesso implica processos que envolvem reproducao, ainda que temporaria, comunicacao para visualizacao no ecra e eventual download. É um direito de exclusivo novo, autónomo, ligado á exploracao primaria da prestacao.

2. Direito de exclusivo, apesar da infeliz redaccáo do n 4 do art. 178º. CDADC

Decorre da al. d) do n.º 1 do artigo 178.º do CDADC que estamos perante um direito patrimonial de exclusivo e nao um direito de simples remuneracao. Inclusive, está sujeito a gestao colectiva obrigatória prevista para as utilizacóes secundarias -cf. 178.º, n.º 1 al. d) e ns.º 2 e 3 -.

Todavia, o n.º 4 do artigo viola este direito de exclusivo, ao expropriar o artista intérprete ou executante do direito previsto na al. d) do n.º 1, convertendo-o, sem que nada o justifique, num direito de simples remuneracao para utilizacóes primárias, inclusive, exercido por uma entidade de gestao que, entre nós, tem um monopolio de direito e de facto -a GDA-, sendo o artista intérprete ou executante forcado a uma gestao por uma entidade que o nao representa, sequer10.

O art.178.º, n.º 4, nunca poderá ser interpretado no sentido de impedir ao respectivo titular (original ou derivado) o exercício do direito de fazer ou autorizar (e/ou de impedir) a colocacao á disposicao das prestacóes objecto desse mesmo direito. Nao pode conferir ás entidades de gestao colectiva de direitos dos artistas -e só a estas- o direito de colocacao á disposicao da prestacao em rede para utilizacóes primarias, sem dar qualquer hipótese de escolha ao titular do direito, mesmo quando este opte por uma creative common ou por um regime de copyleft, por exemplo.

Mas a contradicao é também sistemática. Decorre do art. 183.º-A CDADC, entre outros aspectos, que o direito em análise se presume (iuris tantum) cedido ao produtor por via contratual, sendo o contrato bilateral e oneroso, e que o montante devido pelo produtor a título de remuneracao irrenunciável adicional (de acordo com o art. 15 TOEF), tipicamente aos artistas executantes, deve ser pago pelo próprio produtor a uma entidade de gestao colectiva de gestao de direitos de artistas, intérpretes ou executantes, nao ao artista ou executante, a título de gestao colectiva obrigatória. Esta obrigacao é...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR