Direito penal da internet: o advento de novos fatos típicos.

AutorJorge José Lawand
CargoAdvogado, Mestre em direito pela PUC/SP

Direito penal da internet: o advento de novos fatos tpicos.

Jorge Jos Lawand

Advogado, Mestre em direito pela PUC/SP e Professor de direito na Universidade São Francisco.

O impacto da internet no direito penal

A internet é uma inovação tecnológica que provocou inúmeras transformações nas relações jurídicas entendidas como sendo aquelas em que uma determinada pessoa pretende de outrem um bem anteriormente convencionado por meio de algum instrumento legal, como por exemplo, os contratos, sejam de que espécies forem: venda e compra, doação, mandato etc.

Todavia, não podemos afirmar que há apenas uma única esfera da ciência jurídica envolvida, ou seja, conforme a doutrina clássica, costuma-se dividir o direito em vários ramos a fim de ser mais bem estudado, haja vista as especificidades da relação jurídica dominante, como fica evidente quando estamos diante de um direito público e outro privado, que possuem peculiaridades próprias.

Mas isto não há de ocorrer com a internet que nas palavras de Maria Helena Diniz[1], quando entrevistada sobre o Novo Código Civil ponderou: Não se poderá decretar a sua velhice precoce. É verdade que nele não estão contidas questões sobre contratos eletrônicos, parceria entre homossexuais, experiência científica em seres humanos, direitos difusos, pesquisa com genoma humano, clonagem humana, efeitos jurídicos decorrentes da reprodução assistida, medidas sócio-educativas aplicadas à criança e ao adolescente, relações de consumo, entre outras. Essas e outras matérias não são objetos de estudo do Direito Civil, por pertencerem a outros ramos jurídicos. Então, em razão de suas peculiaridades, esses temas devem ser redigidos por normas especiais. O novo Código é obra legislativa de grande importância, apesar de não ser perfeito, pois nenhuma obra humana o será. Almejar isso seria uma utopia, ou melhor, pretender o irrealizável .

Deveras, o legislador do novo estatuto civil não poderia ser compelido a fazer a regulamentação do micro sistema jurídico relativo aos tipos contratuais eletrônicos e a suas respectivas implicações jurídicas, dentre outras matérias relevantes como o biodireito e a reprodução assistida.

A cada novo fenômeno jurídico, haverá necessidade de uma nova lei a fim de serem estabelecidos os parâmetros essenciais do instituto jurídico a ser pesquisado, devendo guiar-se,principalmente, subsumido aos ditames mais elementares do princípio da justiça - expresso na Constituição Federal de 1988 como a impossibilidade de serem criados tribunais de exceção e também o acesso de todos ao sistema judicial estatal - para o caso a ser resolvido entre as partes envolvidas, e assim sendo o Poder Judiciário poderá solucionar o conflito, proferindo uma decisão equânime, colmatando eventuais lacunas na lei.

Isto se deve, conforme já tivemos a oportunidade de expor[2], ao fato de que: Diante da incessante evolução da economia – e sua principal conseqüência a tecnologia – proporcionou o surgimento de novos tipos de acordos de vontade, dentro da premissa de que as relações jurídicas contratuais refletem a própria essência do direito, que é dinâmico, prospectivo, e aberto .

Um dos veículos a serem mais utilizados na construção de uma dogmática relacionada com o direito da internet será a analogia. Com efeito, conforme a lei de introdução ao código civil, comumente intitulada como norma das normas, ficou estipulado que em hipótese de lacuna da lei, esta deverá ser preenchida pelo juiz que se socorrerá na analogia, costumes e princípios gerais de direito, preferencialmente nesta ordem, pois consoante Silvio de Salvo Venosa[3]: O juiz não pode, em hipótese alguma, deixar de proferir decisão nas causas que lhe são apresentadas. Na falta de lei que regule a matéria , recorre às fontes subsidiárias, entre as quais podemos colocar a analogia. Na realidade, a analogia não constitui propriamente uma técnica de interpretação, como a princípio possa parecer, mas verdadeira fonte do Direito, ainda que subsidiária e assim tida pelo legislador no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

E, de acordo com posicionamento por mim defendido[4], denotamos que nós: Verificamos o impacto do comércio eletrônico no direito, e o aparecimento de uma nova forma contratual, utilizadores de um novo meio de comunicação, especificamente a Internet. Como sendo um novo instrumento de comunicação, produz perplexidade no ser humano que possui medo do que não lhe é conhecido, optando em inúmeros casos ignorar a realidade do que enfrentá-la. Tudo isto traz impactos sobre a ordem jurídica vigente, vez que deverá adaptar-se a realidade que exsurge, haja vista trazer questões que por ora não se encontram devidamente resolvidas, quer a nível legal ou jurisprudencial .

Mas, e no direito penal qual o caminho a ser seguido, pois o tratamento é diferente do aplicado ao direito privado, onde os negócios jurídicos podem ser feitos seguindo a autonomia privada, a qual apenas encontra limites na ordem pública, moral e nos bons costumes.

Ao revés, na seara criminal prevalece a vontade do Estado, que prima pela indisponibilidade no tocante aos seus atos, atualmente mitigado pela lei dos juizados especiais criminais, sendo o detentor do direito de punir, por força inclusive da Constituição Federal que preconiza vários preceitos basilares estampados em seu artigo 5º, como quando diz no inciso XLV: nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido .

No direito penal fica evidente o que Stammler[5] afirma: Law presents itself as an external regulation of human conduct . O crime é uma conduta que afronta a ordem dos valores de uma determinada sociedade em certo tempo e espaço, ou seja, os ilícitos podem surgir em decorrência de novas condutas, as quais ontologicamente representam perigo às liberdades individuais e coletivas, haja vista a importância dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos nos problemas advindos com a contaminação do meio ambiente por elementos poluentes, o que recebeu pronta resposta do Estado brasileiro, tendo providenciado um arquétipo legislativo tendente a estabelecer punições no sentido de serem salvaguardados os bens colocados em risco, mediante a conduta ilícita, objetivando a preservação da fauna e flora, além do direito fundamental de se viver em um ambiente sem poluição quer do ar ou água.

Deveras, podemos afirmar que um crime é a ofensa a determinado bem jurídico, como a internet, onde os direitos decorrentes de transações eletrônicas podem sofrer a intervenção, de pessoas mal intencionadas, que na gíria do e-commerce são designados de crackers, utilizando-se dos dados de outrem obtidos de modo fraudulento.

Corroborando neste posicionamento Francisco de Assis Toledo[6] afirma: A tarefa imediata do direito penal é, portanto, de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens jurídicos. Nisso aliás, está empenhado todo o ordenamento jurídico. E aqui se entremostra o caráter subsidiário do ordenamento penal: onde a proteção de outros ramos do direito possa estar ausente, falhar ou revelar-se insuficiente, se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresentar certa gravidade, até aí deve estender-se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum. Não além disso.

Então como solucionar estar questões diante do direito penal vigente?

O princípio da legalidade.

É clássico no direito penal o princípio da legalidade, onde não há crime sem lei anterior que o defina.

Foi alçado a princípio constitucional, esculpido no artigo 5º, inciso XXXIX.

Daí Celso Delmanto[7] ter afirmado: Somente a lei, elaborada na forma que a Constituição permite, pode determinar o que é crime e indicar a pena cabível. Deve, portanto, ser lei federal, oriunda do Congresso Nacional .

Logo, não há como penalizar determinada conduta anti-social sem antes estar previsto especificamente em lei devidamente aprovada segundo a regulamentação do processo legislativo constitucionalmente estipulado.

Afirmei em artigo recentemente publicado[8]: A tendência verificada é de controle, que para o Direito Penal é fundamental pois vislumbramos como seu primado essencial o fato de que não há crime sem lei anterior que o comine, não sendo outra a postura adotada por Júlio Fabrini Mirabete[9], para o qual: Exige o princípio ora em estudo que a lei defina abstratamente um fato, ou seja, uma conduta determinada de modo que se possa reconhecer qual o comportamento considerado como ilícito. Infringe, assim, o princípio da legalidade a descrição penal vaga e indeterminada que não possibilita determinar qual a abrangência do preceito primário da lei penal e possibilita com isso o arbítrio do julgador. Assim, é difícil, senão impossível, delimitar, por exemplo, qual o fato incriminado pelo artigo 9º da Lei de segurança Nacional, como definido: Tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país . Diante disto, Gustavo Testa Correa[10] afirma: A tecnologia digital é uma realidade, e justamente por isso estamos diante da criação de lacunas objetivas, as quais o direito tem o dever de estudar, entender e, se necessário, preencher. Com a crescente popularização da Grande Rede, evidenciamos a criação de novos conceitos sobre tradicionais valores, tais como a liberdade, a privacidade e o surgimento dos ‘crimes digitais’.

Outrossim, não podemos olvidar o fato de que a legalidade gera inúmeras conseqüências dentre as quais: não se pode aplicar a lei retroativamente a não ser em benefício do réu, e, também quanto a analogia, anteriormente mencionada, esta sofre sérias restrições, pois no crime apenas poderá ser utilizada quando for in bonam partem.

Neste sentido os tribunais brasileiros vem decidindo, conforme inclusive podemos verificar a partir do aresto abaixo...

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