Destacamento de trabalhadores

AutorAndré P. Nascimento/Jose Pedro Anacoreta
CargoAbogados del Área de Fiscal y Laboral de Uría Menéndez (Lisboa).
Páginas119-125

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Introdução

Nos últimos 50 anos temos vindo a observar com crescente intensidade um fenómeno de globalização sem precedentes na história mundial, ao ponto de muitos falarem na existência de uma aldeia global. Para este efeito, é inegável que o contributo da revolução tecnológica, das novas formas de comunicação, da maior presença dos meios de comunicação social e da mobilidade dos trabalhadores foram decisivos e aproximaram o mundo e os cidadãos. Na Europa, por exemplo, foi consagrada a liberdade de circulação de trabalhadores e de prestação de serviços na União Europeia («UE»). O recente alar- Page 120 gamento para 27 países tem suscitado uma profunda reflexão sobre os limites geográficos e culturais da Europa, na medida em que o progressivo esbatimento de fronteiras e implementação da livre circulação de pessoas, bens e serviços, alterou profundamente a estrutura da sociedade e da economia.

Nunca a frase de Sócrates «Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo» foi tão actual.

Durante o século XX assistimos ao crescimento das chamadas empresas multinacionais e, em consequência, de situações em que trabalhadores de uma empresa sedeada num determinado país eram convidados a trabalhar noutro país ao serviço de outra empresa do mesmo grupo. Inicialmente, este fenómeno manteve-se circunscrito aos altos quadros directivos, não obrigando, por isso, a grandes preocupações legislativas.

Com a implementação da liberdade de circulação de pessoas, bens e serviços no espaço da UE (e não só), esta maior mobilidade começou a verificar-se igualmente nos trabalhadores da construção civil de países com mão de obra mais barata que eram frequentemente chamados a prestar a sua actividade em países onde os níveis salariais eram significativamente mais elevados. Foi essencialmente a pensar neste quadro de situações que surgiu a Directiva comunitária sobre o destacamento de trabalhadores.

Hoje, porém, o fenómeno é mais profundo e abrangente. A possibilidade de aproveitar economias de escala e a facilidade de operar em mercados longínquos faz com que a internacionalização dos negócios seja não só uma oportunidade para os grandes grupos empresariais, mas uma necessidade de sobrevivência para os pequenos. Já não são apenas as grandes multinacionais que estão presentes em diversos países. Actualmente, qualquer pequena ou média empresa tem a oportunidade de procurar parceiros de negócios e mercados fora de portas. Neste novo quadro, qualquer trabalhador pode ser convidado a ir trabalhar temporariamente para outro país, independentemente do seu grau de qualificação e da dimensão do seu empregador.

De acordo com os números adiantados pela Comissão Europeia na comunicação COM(2007) 304 final, de 13 de Junho de 2007, estima-se que na UE cerca de 0,4% da população em idade activa (ligeiramente inferior a um milhão de pessoas) estava destacada para outro país em 2005. A este respeito notamos que não existem números oficiais exactos, uma vez que não há um registo dos destacamentos, nem tão pouco um padrão quanto à sua duração.

Os números avançados pela Comissão Europeia baseiam-se essencialmente no número de certificados E101 emitidos pelas instituições de segurança social dos países de envio, aplicáveis apenas a destacamentos que não excedam 12 meses. Assim, é razoável supor que o número total de trabalhadores destacados na UE é substancialmente superior ao que foi avançado pela Comissão.

Em todo o caso, a importância deste tema não deve ser analisada de um ponto de vista meramente quantitativo. Com efeito, o destacamento de trabalhadores permite concretizar o acesso de qualquer empresa a mercados de outros países, satisfazer necessidades pontuais e concretas de mão de obra em determinados sectores (e.g. construção) e potencia as trocas internacionais e a liberdade de prestação de serviços dentro da UE, promovendo uma maior competitividade entre as empresas. Nestas situações, no entanto, é natural que os empregadores se sintam mais confortáveis em submeter os respectivos contratos de trabalho à lei do país onde estão instalados, na medida em que desconhecem a lei do país de destino.

Juridicamente, o destacamento de trabalhadores coloca diversas questões relacionadas com a lei aplicável à relação laboral, em especial quando as normas dos países de origem e de acolhimento apresentam diferentes tipos de protecção.

Foi neste contexto que surgiu a Directiva n.° 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, Directiva esta que apesar de dever ter sido transposta para a ordem jurídica portuguesa até 16 de Dezembro de 1999, apenas o foi através da Lei n.° 9/2000, de 15 de Junho, entretanto revogada pela entrada em vigor da Lei n.° 35/2004, de 29 de Julho («Regulamentação do Código do Trabalho»).

A Directiva e o diploma que procedem à sua transposição estão excessivamente agarrados ao sector da construção civil e não regulamentaram diversas situações de extrema relevância. Por sua vez, a escassa jurisprudência e a reduzida atenção que tem sido dedicada a este tema por parte da doutrina, juntamente com as diversas dúvidas levantadas pelo actual regime em vigor, levam-nos a crer que este artigo possa ser de grande utilidade.

Legislação aplicável

Antes da aprovação e da transposição da Directiva n.° 96/71/CE, a lei aplicável às relações laborais Page 121 internacionais era determinada de acordo com as normas de conflitos constantes da Convenção de Roma de 1980, a que Portugal aderiu em 1992.

Os critérios gerais para identificar a lei aplicável às relações contratuais plurilocalizadas consistem nos seguintes:

i) Escolha das partes;

ii) Na falta de escolha, a lei do país onde o tra balhador presta habitualmente o seu trabalho; e

iii) Excepcionalmente, a lei de outro país com o qual o contrato de trabalho apresente uma cone- xão mais estreita.

Em matéria laboral, estes princípios sofrem no entanto uma importante excepção. Com efeito, nos termos do art. 6.°, n.° 1 da Convenção de Roma, «[...] a escolha pelas partes da lei aplicável ao...

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