O desestímulo ao recurso nos juizados especiais cíveis no Brasil e os riscos à democracia

AutorCândido Francisco Duarte dos Santos e Silva
Páginas170-186
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O DESESTÍMULO AO RECURSO NOS JUIZADOS
ESPECIAIS CÍVEIS NO BRASIL E OS RISCOS À
DEMOCRACIA
CÂNDIDO FRANCISCO DUARTE DOS SANTOS E SILVA
1. INTRODUÇÃO
O presente texto tem como objetivo analisar os Juizados Especiais Cíveis,
em específico no que diz respeito a fase recursal, em comparação aos recursos
no Código de Processo Civil. Para tanto, se propõe um estudo processual obser-
vando-se alguns aspectos inerentes ao pensamento de Mauro Cappelletti e Bryant
Garth, em especial sobre um dos entraves por eles constatados no que diz res-
peito ao acesso ao Poder Judiciário por aqueles menos favorecidos e/ou aos liti-
gantes eventuais de uma forma geral.
O estudo, então, observará dentre os entraves verificados pelos autores no
que diz respeito a busca pela tutela jurisdicional, aquele parece repercutir direta-
mente na fase recursal, o aspecto financeiro. Este entrave traz impacto direto no
que tange ao caráter democrático do acesso à justiça.
Deste modo, iniciar-se-á o estudo com a avaliação dos limites e potencia-
lidades de um procedimento judicial que tem por escopo facilitar o acesso ao
Poder Judiciário daqueles que com habitualidade não o fariam, observando-se as
causas de menor complexidade e menor monta, onde o arcar com custas judiciais
e honorários advocatícios podem colocar em xeque a sua própria utilidade.
No segundo momento, se concentrará no cerne da discussão proposta,
analisando os recursos previstos na Lei 9099/95, bem como a Súmula 640 do
STF, ou seja, avaliar-seos recursos inominados, os embargos de declaração e o
recurso extraordinário em uma perspectiva para além da forma e aspectos finan-
ceiros.
Pretende-se nesta segunda parte do estudo, verificar se, em sede recursal,
será possível se consagrar o acesso à justiça em sua plenitude, garantindo-lhe o
caráter democrático, em se considerando o afastamento da gratuidade, em regra,
e da autorrepresentação.
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2. O ASPECTO FINANCEIRO E UM PROCESSO MENOS
BUROCRATIZADO
Cappelletti e Garth, quando do Projeto de Florença, verificaram uma série
de entraves à busca pela tutela jurisdicional, dentre eles o aspecto financeiro, que
se constituía em um grave entrave à busca pela tutela jurisdicional, em especial
quando se estivesse diante de causas de menor monta, cujo pagamento de custas
e advogados colocariam em xeque o próprio princípio da utilidade, em aspecto
econômico, que deve balizar a procura pelo Poder Judiciário.
Assim, a proposta de autorrepresentação e isenção de custas processuais
repercute, a priori, em importante incentivo ao litigante eventual para ingressar
em juízo, muito embora tal incentivo tenha grande importância em nível formal,
na prática, pode-se verificar uma clara falta de simetria entre litigantes eventuais
e litigantes habituais.
Tal raciocínio decorre da própria disparidade entre aqueles que detêm a
técnica jurídica e aqueles que não possuem conhecimento técnico suficiente para
que efetivamente se possa pensar em simetria em sede de Juizados Especiais Cí-
veis.
2.1. Uma visão geral de um procedimento menos burocrático em prisma
formal
A Lei 9099/95 acaba por recepcionar, em parte, tais propostas (gratuidade
em primeira fase processual e autorrepresentação) quanto aos entraves financei-
ros para que o litigante eventual esteja em juízo. A Lei 9099/95, todavia, apre-
senta algumas peculiaridades processuais que precisam ser avaliadas.
Conforme Donizetti (2020, p. 637)
A grande virtude da Lei nº 9.099/1995, como diploma jurídico inovador,
consistiu na aproximação do Poder Judiciário a uma camada da população
que, tradicionalmente, a ele não tinha acesso. Isso resultou, por outro lado,
numa sobrecarga enorme de trabalho, tendo em conta a judiciosidade re-
primida dessa parcela da população que, a partir desse momento, encon-
trou um modo de fazer valer o aparato judiciário estatal em garantia dos
seus direitos. Não obstante esse efeito colateral, o resultado desse balanço
é positivo, porque faz valer o princípio constitucional do acesso à justiça.
Tanto é assim que à Lei nº 9.0 99/1995 seguiram a Lei nº 10.259/2001,
instituindo os Juizados Especiais federais, e a Lei nº 12.153/2009, que
criou os Juizados Especiais da Faz enda Pública dos Estados, Distrito Fe-
deral e Municípios.

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