Democracia, estado de direito e Administração Pública: o desafio brasileiro

AutorGilvan Luiz Hansen; Sérvio Túlio Santos Vieira
Cargo del AutorProfessor do Departamento de Direito Privado - UFF/Niterói/ Brasil/Professor do Departamento de Direito Privado - UFF/Niterói/ Brasil/Graduando em Direito ? UFF
Páginas326-343
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Democracia, estado de direito e Administração
Pública: o desafio brasileiro
Gilvan Luiz Hansen
Professor do Departamento de Direito Privado - UFF/Niterói/ Brasil,
gilvanluizhansen@id.uff.br
Sérvio Túlio Santos Vieira
Professor do Departamento de Direito Privado - UFF/Niterói/ Brasil,
serviotulio.uff@hotmail.com
Matheus Vargas Miranda Veiga
Graduando em Direito – UFF
matheusveiga@id.uff.br
Introdução
Nos pouco mais de quinhentos anos que delineiam a denominada modernidade,
instaurou-se uma compreensão de mundo estruturada sob os pilares da confiança na
razão e na capacidade humana de conduzir a própria história, seja no âmbito individual
ou no âmbito das coletividades onde estes seres humanos se inserem.
Neste ambiente moderno, ganhou força e expressão uma organização
institucional peculiar, o Estado nacional, em torno da qual foram configuradas as bases
das sociedades em nível planetário. E o Estado moderno se viabilizou, em grande medida,
graças à organização administrativa advinda do planejamento das atividades e da
implementação de um aparato burocrático, normativo e político capaz de disciplinar e
regular as demandas das sociedades, gerenciando os conflitos interpessoais e
interinstitucionais.
Enquanto Estado de Direito, a configuração institucional moderna acabou
assumindo contornos de incorporação da participação dos membros da sociedade,
adquirindo um perfil democrático em seu acontecer.
Desta maneira, como Estados Democráticos de Direito, não sem tensões ou
conflitos, as principais nações do mundo estabelecem hoje relacionamentos culturais,
tecnológicos, econômicos, políticos e jurídicos, articulados por órgãos atinentes a
burocracia vinculada à diplomacia internacional.
No contexto interno às nações, ademais, algo similar acontece, e o aparato
administrativo-burocrático necessita dar conta dos conflitos e tensões advindos dos
interesses divergentes e do modo como pessoas e grupos sociais específicos encaram o
próprio Estado, reivindicando direitos para si e estabelecendo deveres para os outros
que são geradores de controvérsias.
É nesse cenário que se apresentam os desafios à administração pública, no
sentido de agir para que efetivamente se cumpram os ditames estabelecidos nos
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ordenamentos jurídicos e que se atendam os anseios das sociedades que legitimam tanto
tais ordenamentos quanto o aparato burocrático-institucional forjado para cumpri-los.
No Brasil, um Estado Democrático de Direito formalmente estabelecido, este
desafio da Administração Pública na perspectiva do cumprimento das expectativas
sociais se torna hercúleo, especialmente pelos conflitos advindos do modo como os
membros deste Estado nacional percebem a si e aos outros no Estado, e da maneira
como agem institucionalmente na viabilização dos seus interesses dentro do Estado
nacional.
O ensaio ora proposto pretende refletir sobre os principais desafios que se
apresentam à Administração Pública brasileira no intuito de viabilizar a existência de um
Estado Democrático de Direito que adquira estabilidade e efetividade, elemento hoje
em risco, ante ao predomínio de posturas patrimonialistas com relação a compreensão
do Estado e de suas instituições.
A fim de discutirmos com maior propriedade e foco os desafios a se enfrentar
no Brasil, pela Administração Pública, para a consecução dos elementos sociais atinentes
a um Estado Democrático de Direito, dividiremos esta reflexão em dois momentos: no
primeiro, caracterizando e sinalizando as linhas gerais da formação do Estado brasileiro
e da cultura de gestão instalada na Administração Pública ao longo do tempo. Finalmente,
apresentando os desafios atuais para a Administração Pública brasileira ante os preceitos
constitucionais e as demandas sociais oriundas da reivindicação de direitos fundamentais
previstos na Constituição de 1988. Isso tudo num cenário de corrosão institucional
generalizada, advinda de práticas políticas e de gestão ancoradas no patrimonialismo, que
se faz valer da corrupção, do tráfico de influências e do clientelismo como instrumentos
de sua perpetuação.
Utilizamo-nos, nesta discussão, dos contributos de pensadores modernos, como
Max Weber, Hegel e Marx, transitando igualmente por autores como Giddens, Bauman
e Habermas, além de nos valermos das abordagens, quando tratamos do Brasil, de
autores como Raimundo Faoro, Alvisi Neves e Teotônio dos Santos.
1. Considerações sobre o estado brasileiro e a administração
pública
A Constituição Republicana atribui à Administração Pública o atendimento dos
interesses coletivos, vale dizer, das necessidades dos administrados, na qualidade de
executora das ações do Estado, lato sensu. Nesses últimos trinta anos, aproximadamente,
a Administração não vem desempenhando bem o seu papel. Mesmo após a Reforma
Administrativa, que tenta implantar no Estado brasileiro uma Administração gerencial,
presente ainda se mostra a prática do patrimonialismo nas suas diversas formas e o uso
da Burocracia pública para o atendimento de interesses diversos dos coletivos. O agente
público – notadamente o político investido no gerenciamento público – deve se abster
do patrimonialismo, seja qual for a sua forma: favoritismo ou apadrinhamento,
cartorialismo ou clientelismo e nepotismo. Da mesma forma a ele não cabe se servir da

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