Criptoativos - uma realidade de hoje

AutorPedro Ferreira Malaquias
CargoAdvogado, sócio da Uría Menéndez ? Proença de Carvalho (Lisboa)
Páginas29-70
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Artículos
CRIPTOATIVOS – UMA
REALIDADE DE HOJE1
Pedro Ferreira Malaquias
Advogado, sócio da Uría Menéndez – Proença de Carvalho (Lisboa)
Criptoativos – uma realidade de hoje
O mundo digital ocupa já hoje um lugar predominante nas nossas vidas e é impossível ignorá-lo, ou mesmo
ficar indiferente a ele. A atual pandemia do COVID 19 veio exacerbar a importância e peso da economia digital
nas nossas vidas. Ora, hoje em dia, assistimos na economia digital ao nascimento diário de uma pluralidade de
ativos com uma base criptográfica que representam, ou pretendem representar, realidades tão díspares como
valores mobiliários, meios de pagamento e o acesso a determinados bens ou serviços. Na primeira parte deste
artigo tentamos, de um modo essencialmente leigo, ajudar o leitor a entender como nascem e circulam esses
ativos, enunciando várias das questões de índole jurídica suscitadas por estes fenómenos, para de seguida, já
na segunda parte, dar nota da primeira iniciativa da União Europeia de, através da Proposta de Regulamento
do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos mercados de criptoativos, conhecida como MiCA (Markets
in Crypto-Assets), criar uma cobertura legal holística para o tratamento dessas realidades virtuais, tudo de
modo a proteger os investidores e a não limitar a inovação nestes mercados.
PALAVRA S-CHAV E:
ECONOMI A DIGI TAL, B LOCKCHAIN, CRIPTOATIVO S, DLTS - D ISTRIBUT ED LED GER TE CHNOLO GIES, BITCOIN, M OEDA ELET RÓNIC A, CRI PTOFI CHA
DE MOE DA ELET RÓNI CA, C RIPTOMOEDA S, C RIPTOMOEDA S NÃO R EFERE NCIAD AS A ATIVO S, C RIPTOMOEDA S ESTÁVEI S, C RIPTOFICH A, C RIPTOFI-
CHA RE FEREN CIADA A ATIVOS, CR IPTOF ICHA D E CONS UMO, MICA.
Crypto-Assets – a reality of today
The digital world takes, already today, a predominant place in our lives, being impossible to ignore it or even
to stay indifferent to it. The current COVID 19 pandemic only stressed the importance and weight of the digital
economy in our lives. We currently observe in the digital economy to the daily birth of plural assets with a cryp-
tographic basis which represent, or aim at representing, realities as diverse as securities, means of payment
and the access to certain goods or services. In the first part of this article we try, in an essentially layman’s way,
assist the reader to understand how these assets are created and how they circulate, identifying several of the
legal issues raised by these phenomena and, in the second part, we present the first initiative of the European
1 O presente artigo é uma republicação parcial de um artigo por mim publicado numa edição especial dos Cadernos de Valores Mobiliários, comemorativa
dos 20 Anos do Código dos Valores Mobiliários, publicada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com algumas notas de atualização mas,
sobretudo, com toda uma nova segunda parte dedicada à apresentação da Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos
mercados de criptoativos, conhecida como MiCA (Markets in Crypto-Assets).
Actualidad Jurídica Uría Menéndez, 56, mayo-agosto de 2021, pp. 29-70
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Union to, through a Proposal for a Regulation establishing a European framework for markets in crypto assets,
known as MiCA, provide an holistic legal coverage for the treatment of these virtual realities, so as to protect
investors and promote innovation in these markets.
KEY WOR DS:
DIGITAL E CONOMY , BLOC KCHAI N, CRY PTO-AS SETS, DLTS - DISTRI BUTED LEDGE R TECH NOLOGI ES, B ITCOIN, EL ECTRO NIC MO NEY, ELECTRONI C
MONEY TOKENS (E-M ONEY TO KENS) , CRYP TO CURR ENCIE S, NON-BACKE D CRYP TO CURR ENCIE S, STABLECOIN S, TOKENS, ASSET -REFER ENCED
TOKENS , ASSET B ACKED TOKENS , SECURI TY TOKE NS, I NVESTMENT T OKENS , UTILITY TOKEN S, MICA.
FECHA DE RECEPCIÓN: 30-8-2021
FECHA DE ACEPTACIÓN: 1-9-2021
Malaquias, Pedro Ferreira (2021). Criptoativos – Uma realidade de hoje. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, 56,
pp. 29-70 (ISSN: 1578-956X).
1. Introdução
Nos últimos anos, todos temos vindo a aprender a viver num novo mundo, o da economia digital,
que se tem vindo a “impor” de um modo cada vez mais assertivo e mesmo quase intrusivo.
E se há uns anos essas “investidas” da economia digital eram, de certo modo, tímidas, a pandemia
do Covid 19 veio precipitar os acontecimentos e forçou toda a sociedade a apressar uma aprendi-
zagem e uma convivência com esse novo mundo: desde as compras do supermercado, à entrega
de documentos e requerimentos perante autoridades locais e centrais, à encomenda de refeições
e até às consultas médicas, já para não falar do teletrabalho, poucos serão os cidadãos que se
mantêm à margem da economia digital.
Uma das realidades integrantes da economia digital é, sem sombra de dúvida, o mundo dos crip-
toativos, os quais assumem uma variedade quási-infinita de conteúdos, formas e representações,
o que, naturalmente, complica, desde logo o seu estudo e análise, mas também um tratamento
holístico e harmonioso dessa realidade.
Daí também a urgência da sua abordagem, uma vez que os valores investidos em criptoativos
são já relevantes, marcando e justificando, por isso, uma atenção especial de todas as partes que
possam, ou devam, participar em operações envolvendo criptoativos.
É um dado histórico que o Direito segue a realidade, reagindo à mesma, através da sua regulação,
devendo antecipar (se for caso disso) as múltiplas envolventes dessa realidade, regulando-a de
acordo com o que forem, a moral, ou usos e costumes da sociedade, prevalecentes em cada
momento.
No caso da economia digital, em geral, e dos criptoativos em especial, o processo repete-se: o
direito persegue essas realidades, tentando percebê-las, abarcá-las e regulá-las.
Só que, a variedade, constante mutação, complexidade tecnológica e volatilidade de todas as si-
tuações a regular, tornam esse esforço regulatório um desafio (quase) sem precedentes.
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É nosso objetivo, com o presente artigo, colaborar no esforço de divulgação dessas realidades
virtuais e reforçar a necessidade de se avançar, desde já, para uma regulação das mesmas, tão
completa quanto possível.
E se essa regulação tiver de inovar em termos de conceitos jurídicos, pois que o faça. O que não
podemos é continuar a ver as realidades virtuais continuarem a crescer em importância e valor na
nossa sociedade e não lhes dar um enquadramento jurídico tão eficiente quanto possível, com o
consequente sacrifício desse bem superior que é a segurança jurídica.
No presente artigo pretende-se, (i) por um lado tentar “desmontar” para os leitores que ainda não
estejam familiarizados com esta problemática, alguns dos temas relacionados com os criptoativos,
(ii) por outro lado, elencar algumas das principais questões jurídicas levantadas por estes ativos
e, por fim (iii) dar uma panorâmica das principais soluções legislativas propostas pelo legislador
europeu para a regulamentação destas realidades a um nível pan-europeu.
2. Distributed ledger technologies (DLTS): blockchain
(e não só)
Quando se fala em criptoativos, há logo dois termos que ocupam um lugar de destaque em qual-
quer texto: um é “DLT” e o outro é “blockchain”.
Uma DLT (distributed ledger technology) é uma base de dados descentralizada, normalmente geri-
da por vários participantes. Contudo pode, ou não, haver um ente ou autoridade central que atue
como seu monitor ou garante. Mas sendo uma base de dados descentralizada, ela é mais transpa-
rente, o que torna a sua manipulação mais difícil e também mais confiável.
Um ledger é o livro-razão ou base de dados no qual se registam todas as transações que, por este
ou por aquele motivo, nele devam ser registadas. No mundo bancário, a base de dados registará,
por exemplo, todos os débitos e créditos realizados nas diversas contas bancárias. Contudo, há
uma diferença não subestimável entre um ledger e uma base de dados de características com-
putacionais, já que neste último caso, as alterações do saldo da conta, por exemplo, são feitas
pela simples atualização dos registos, enquanto que num ledger, as novas transações são anexas
ou acrescentadas ao próprio ledger e é essa anexação ou acrescento que consolida o registo das
transferências de fundos. No sistema bancário, os clientes recebem extratos bancários que contêm
o registo de todos os movimentos realizados na sua conta num determinado período. Assim, cada
novo movimento é adicionado à base de dados relativa a cada conta de cada cliente. Poderá ha-
ver movimentos que representem retornos de movimentos anteriores, mas nenhum movimento
poderá, em princípio, ser apagado ou expurgado dessa base de dados, sendo que a base de dados
só pode ser atualizada dessa forma, ou seja, através do acrescento de novos movimentos (e não
pela eliminação ou alteração de movimentos anteriores) e é nesse sentido que se pode dizer que
uma tal base de dados é imutável.

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