Controle jurisdicional de políticas públicas ambientais: uma análise a partir do uso da noção de «dever de proteção» na adpf101/stf ? importação de pneus usados

AutorProfª. Dra. Mônia Clarissa Hennig Leal - Profª. Rosana Helena Maas
Cargo del AutorProfessora da Universidade de Santa Cruz do Sul ? UNISC (Brasil) - Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul ? UNISC (Brasil)
Páginas143-157

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Ver notas 1, 2 y 3

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1. Introdução

Pretende-se neste artigo trazer alguns elementos de reflexão sobre a possibilidade de controle jurisdicional de políticas públicas e a proteção do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal brasileira. Nesse sentido, trabalham-se esses elementos a partir da noção de «dever de proteção» do Estado. Para tal fim, realizou-se um estudo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 101/DF, demandada frente ao Supremo Tribunal Federal, em que se discutiu a importação de pneus usados. Verificaram-se, no caso, duas questões pertinentes a serem perscrutadas, sendo elas: a dupla dimensão dos direitos fundamentais (e, notadamente, a sua dimensão objetiva, da qual decorre a noção do «dever de proteção»), suas origens, contornos e incidências. Assim sendo, efetuou-se uma leitura sobre a dupla dimensão dos direitos fundamentais e seus desdobramentos, a fim de se analisar a forma que o Supremo Tribunal Federal trabalha com esses elementos, bem como foram abarcados os elementos de democratização da jurisdição constitucional dentro desse contexto. Alerta-se, porém, que são observados os conceitos centrais da decisão, não se adentrando, contudo, na discussão do mérito da mesma.

2. A arguição de descumprimento de preceito fundamental 101 - importação de pneus usados 4 - algumas considerações

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 101 foi impetrada pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006. O objeto da ação dizia respeito à violação do mandamento constitucional previsto no artigo 225 da Constituição Federal, condizente à importação de pneus usados.

Para fundamentar seu pedido, o autor manifestou-se no sentido de que a importação de pneus usados iria contra o direito fundamental à saúde,

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esculpido no artigo 196 da Constituição Federal, por ser este direito de todos e dever do Estado. Dessa forma, encontra-se na petição inicial a afirmação de que «a efetivação da garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a proteção à saúde pública vêm sendo ameaçada por uma série de decisões judiciais que vêm autorizando a importação de pneus usados provenientes dos países não integrantes do Mercosul».

Além disso, foi requerido o reconhecimento da existência de lesão ao preceito fundamental referente ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à saúde, a fim de que se declarasse a ilegitimidade e a inconstitucionalidade das decisões judiciais que autorizaram a importação de pneus usados de qualquer espécie, inclusive de decisões já transitadas em julgado, como também a inconstitucionalidade e ilegitimidade da interpretação judicial utilizada para viabilizar a importação de pneus usados de qualquer espécie, atribuindo-se efeito ex tunc a essas decisões, com o intuito de incidir nas ações judiciais já transitadas em julgado.

Cabe esclarecer que, na presente ação, houve a intervenção do instituto do amicus curiae, bem como foi realizada audiência pública para o esclarecimentos da matéria, o que com maior propriedade será perscrutado quando se falar dos elementos de abertura da jurisdição constitucional, em momento posterior do presente artigo.

Por maioria e nos termos do voto da Relatora, a Ministra Cármen Lúcia, a ação foi julgada parcialmente procedente, no sentido de que foram declarados constitucionais os atos normativos proibitivos de importação de pneus usados; todavia, os efeitos da decisão foram apenas ex nunc, ou seja, não retroagiram a fim de incidir nas decisões anteriores que violaram os preceitos constitucionais, como foi requerido na inicial.

Dos votos dos Ministros, para se realizar o estudo que se objetiva, condizente a identificar os elementos de abertura da jurisdição constitucional e o dever de proteção dos direitos fundamentais, analisar-se-ão os votos da Ministra Relatora e o do Ministro Gilmar Mendes, que abordam, em sua fundamentação, os elementos teóricos aqui estudados.

No que diz respeito ao voto da Ministra Relatora, a princípio enfatiza-se que a mesma refere que, pela especificidade e pela repercussão que abrange o tema, houve a necessidade de um exame mais acurado das razões e dos fundamentos da ação, o que foi determinante para a realização de audiência pública, conforme o parágrafo primeiro do artigo 6.º da Lei n. 9.868/99, onde houve a manifestação de especialistas em sentido favorável e contrário à importação de pneus. Nesse sentido, anexou uma síntese das teses apresentadas pelos especialistas.

Quanto ao direito fundamental ao meio ambiente, traz que a Constituição acolheu o princípio da responsabilidade e da solidariedade inter-

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geracional, garantindo não somente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a geração atual, mas também, às futuras.

Com o autor José Afonso da Silva, assevera que a preservação, a recuperação e a revitalização do meio ambiente devem constituir uma preocupação do Poder Público e do Direito; e, com Canotilho, ressalta que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado configura um direito da terceira geração - dimensão - destacando que tal direito já era protegido pelo Supremo Tribunal Federal antes mesmo da promulgação da Constituição Brasileira de 1988.

Utilizando-se de jurisprudências, como a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.540, acentuou que cabe ao Estado e à própria sociedade a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e das futuras gerações, o direito de titularidade coletiva e de caráter transidividual.

No que se refere ao preceito fundamental à saúde, menciona que, desde a Constituição de 1934, é competência da União e do Estado cuidar da saúde. Mas o problema que se tem é dar aplicabilidade e efetividade a esse direito, que é previsto, na atualidade, no artigo 196 da Constituição Federal. Para isso, afirma que o reconhecimento constitucional do direito à saúde como direito social fundamental tem como consequência serem exigíveis do Estado ações positivas para assegurá-lo e dotá-lo de eficácia plena. E, dessa forma, não pode o Estado ser omisso. Ademais, nesse sentido, coloca que a Administração Pública precisa adotar providências para minimizar a crise de efetividade dos direitos fundamentais sociais.

Por esse motivo, traz que é vedado ao Poder Público ser insuficiente em suas ações e decisões que tenham o objetivo de dotar de proteção os direitos fundamentais, sob pena de essa inoperância ou ausência de ações afrontar o núcleo central do direito à saúde.

Tem-se, ainda, a afirmação de que a saúde é responsabilidade de todos e o Estado possui o dever de proteção desse direito devendo agir, da mesma forma, qualquer um dos Poderes da República, pela plena.

Por fim, menciona-se que a Ministra fez uso das manifestações dos especialistas da audiência pública para trazer que, segundo os mesmos, os pneus usados importados não são previamente classificados, o que reforçaria a sua conclusão de que a importação de pneus usados afronta os preceitos fundamentais relativos à saúde e ao meio ambiente.

Em síntese, esses foram os principais argumentos relevantes a esse estudo retirados do voto da Relatora, passando-se, agora, a analisar, em mesmo sentido, o voto do Ministro Gilmar Mendes.

O primeiro destaque do voto do Ministro Gilmar Mendes diz respeito ao fato de que menciona que os principais argumentos para a não-proi-

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bição da importação de pneus usados trazidos pelo amici curiae referem-se: à ofensa à liberdade de iniciativa e de livre comércio; à isonomia; ao princípio da legalidade; à inexistência de dano ambiental e compatibilidade de atividade com preservação ambiental e com a saúde pública. Além disso, lembra a ocorrência da audiência pública.

Dito isso, refere-se que o referido julgador traz à tona a complexidade do sistema constitucional de proteção dos direitos fundamentais, visto que configuram, ao mesmo tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva.

Frente a isso, afirma que, na presente ação, contrapõem-se distintos direitos fundamentais, tendo-se, de um lado, típicos direitos fundamentais de defesa, que asseguram a liberdade individual de livre iniciativa e comércio, como é o caso do artigo 170 da Constituição Federal, que impõe um dever de abstenção do Estado na esfera de liberdade individual do indivíduo, contendo disposições definidoras de uma...

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