O contrato de sociedade no direito romano (breve referência ao direito português)

AutorAntónio Dos Santos Justo
Cargo del AutorUniversidade de Coimbra e Lusíada
Páginas1063-1099
O CONTRATO DE SOCIEDADE NO DIREITO ROMANO
(BREVE REFERÊNCIA AO DIREITO PORTUGUÊS)
A D S J
Catedrático da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusíada
Resumo:
1. O contrato de sociedade foi, no direito romano, um acordo entre duas ou
mais pessoas que se obrigavam reciprocamente a pôr em comum determina-
dos bens ou trabalho, com vista à obtenção de um fim pattimonial comum.
2. Devia respeitar aa exigências de licitude e os sócios podiam acordar a distri-
buição diferente de ganhos e perdas. Mas não podia onerar um dos sócios
excluvivamente com as perdas, privando-o dos ganhos. Na falta de acordo, a
distribuição era igual.
3. A sua origem remonta provavelmente ao consortium ercto non cito, patrimó-
nio herdados pelos filhos e conservado indiviso com vista à prossecução da
actividade já desenvolvida pelo falecido paterfamilias.
4. As suas espécies podem reconduzir-se à sociedade de todos os bens e à socie-
dade questuária, constituída para a trealização de certas operações ou para
determinado negócio jurídico ou obra.
5. Merecem especialmente destaque a sociedade bancária e a sociedade de pu-
blicanos: aquelam constituída para o exereício da actividade bancária, com
um regime específico; esta, em regra criada por grandes capitalistas para a
realização de actividades diversificadas. Gozava provavelmente de persolani-
dade jurídica.
* Através do presente estudo participamos na justíssima homenagem prestada ao Prof. Doutor
Armando Torrent, romanista de elevadíssima auctoritas e credor da amicitia, da admiração e do respeito
que lhe tributamos.
António Dos Santos Justo
— 1064 —
6. Não tendo (em regra) personalidade jurídica, os sócios adquiriam para si e
respondiam perante e terceiros e estes perante aqueles pelas obrigações pro-
venientes dos negócios jurídicos realizados. E posteriormente prestavam con-
tas aos demais sócios.
7. Os sócios respondiam por gestão dolosa ou culposa e o risco, onerava, em
regra, todos os sócios.
8. A relação de amizade entre os sócios que está na base do contrato de socieda-
de, influencia o seu regime jurídico e tem reflexos importantes no beneficium
competentiae e determina as causas de extinção.
9. A tutela das relações entre os sócios cabe à acção de sociedade (actio pro
socio), à acção de divisão de coisa comum (actio communi dividundo) e ou-
tras acções. A actio pro socio cumulava-se, enquanto reipersecutória, com as
acções penais (v.g., a acção de furto).
10. O Código Civil português consagra o contrato de sociedade e é evidente a
influência romana que o percorre em diversos aspectos.
Abstract:
1. The partnership contract in Roman Law was an agreement between two or
more people reciprocally undertaking to pool certain goods or labour with a
view to achieving a common purpose in terms of assets.
2. This contract had to comply with the requirements of legality, and the
partners could agree on a different distribution of gains and losses, though
one of them could not alone bear the losses and be deprived of the gains. If
an agreement could not be reached, the distribution had to be even among all
partners.
3. The origins of this type of contract can probably be traced to the consortium
ercto non cito, the assets inherited by sons and kept intact in order to continue
an activity already carried by the late paterfamilias.
4. Their types can be traced to the partnership encompassing all assets and
to the quaestuary partnership, set up to perform certain transactions or a
specific legal business or task.
5. Especially noteworthy are the banking companies and the publicans partnerships.
The former were set up to handle banking activities, under a specific legal
framework, while the latter were generally created by great capitalists for diverse
activities, and they probably had their own legal personality.
6. The partners did not (as a rule) have legal personality. They acquired assets
for themselves and were accountable to third parties, and vice versa, for the
obligations arising from legal transactions, having afterwards also to account
to the other partners.
O contrato de sociedade no direito romano (breve referência ao direito português)
— 1065 —
7. The partners were held liable for deliberately negligent or risky management
and, as a rule, they shared liability for its consequences.
8. The friendship bonds among partners which lie at the basis of the partnership
contract determine its legal framework and has important repercussions upon
the beneficium competentiae, determining as well the causes for its extinction.
9. The supervision of the relationships between partners is carried out through
the action of a partner to compel his co-partners (actio pro socio), the action
to procure a judicial division of joint property (actio communi divi dundo) and
other actions. The actio pro socio had a cumulative effect, as rei persecutoris,
with the criminal actions (for instance, the theft action).
10. The Portuguese Civil Code enshrines the partnership contract and the
Roman influence that pervades several of its aspects is clearly recognizable.
I.- ANTELÓQUIO
O contrato de sociedade consagrado no direito romano tem reflexos significativos
na sociedade que o Código Civil português recolhe como contrato nominado1.
Por isso, a sua boa interpretação não dispensa o estudo da figura romana que lhe
deu origem.
Eis o propósito que nos anima, oferecendo ao leitor não romanista conhecimentos
que lhe permitam ter um conhecimento mais completo do nosso direito.
II.- O CONTRATO DE SOCIEDADE SOCIETAS
1. Definição. Caracterização
O contrato de sociedade pode definir-se como o acordo em que duas ou mais pes-
soas (socii) se obrigam reciprocamente a pôr em comum determinados bens ou tra-
balho com vista à obtenção de um fim patrimonial comum.
Trata-se dum contrato consensual, bilateral ou plurilateral, de boa fé, que se ins-
pira na fraternitas que influencia o seu regime jurídico2. Consensual, porque não é
necessárianenhuma formalidade, podendo a vontade das partes comunicar-se de
1 Cf. arts. 890ºe ss.
2 Com efeito, a fraternitas cria um vínculo de confiança que justifica que a societas seja incomunicável
(“o sócio do meu sócio não é meu sócio”: D. 17,2,20; -50,17,47,1). E justifica igualmente que qualquer sócio
a possa revogar e se extinga com a sua morte ou capitis deminutio, etc. Vide SANTOS JUSTO, Direito
privado romano - II (direito das obrigações) 4 em Studia Iuridica 76, Coimbra 2011 pp. 72-73; Filippo
CANCELLI, Società em NNDI XVII, 1970, p.496; e Emilio BETTI, Istituzioni di diritto romano. II. Parte
prima, Pádua, 1962, pp. 254 e 256.

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR