O conflito entre a liberdade religiosa, o poder estatal e o fenômeno das migrações de refugiados no Brasil

AutorSabrina de Cássia Arantes Moreira Leite; Sérgio Gustavo de Mattos Pauseiro
Cargo del AutorGraduanda em Direito, Universidade Federal Fluminense/Doutor em Sociologia e Direito, Universidade Federal Fluminense
Páginas419-437
419
O conflito entre a liberdade religiosa, o poder
estatal e o fenômeno das migrações de
refugiados no Brasil
Sabrina de Cássia Arantes Moreira Leite
Graduanda em Direito, Universidade Federal Fluminense
sabrinaarantes@id.uff.br
Sérgio Gustavo de Mattos Pauseiro
Doutor em Sociologia e Direito, Universidade Federal Fluminense
spauseiro@gmail.com
Introdução
O objeto desse trabalho é analisar o modo pelo qual a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 se relaciona com os mecanismos internacionais de proteção
dos direitos humanos, sobretudo aqueles atinentes a liberdade religiosa dos refugiados
e de migrantes internacionais. É também objeto deste estudo explorar o modo pelo qual
o sistema internacional de proteção de direitos humanos pode contribuir para a
implementação de direitos no âmbito brasileiro, salientando, desse modo, o próprio
catálogo de direitos inaugurado pela Magna Carta brasileira de 1988.
No primeiro ponto abordaremos a notas breves em relação a evolução histórica
dos direitos humanos e sua relação com as migrações internacionais de refugiados no
século XXI. Aqui dialogaremos com Habermas e Kalfamann acerca da ideia de
pertencimento, bem como será traçado o papel fundamental do Direito Humanitário
Internacional, da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho como uns
dos principais precedentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos na atualidade.
Logo em seguida, no ponto dois, serão expostos os principais mecanismos de
proteção internacional dos direitos humanos existentes na atual conjuntura
internacional. Neste momento, o destaque será dado para a criação das Nações Unidas
e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como do papel exercido pelo
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
Já no terceiro item traçaremos a relação existente entre a religião e as migrações
de refugiados. Será a religião culpada pelos vultuosos fluxos migratórios de refugiados
atualmente? Ou podemos afirmar que ela é apenas mais uma vítima da violência
sistêmica, não sendo capaz de, isoladamente, ser responsável pelo êxodo de refugiados?
nos pontos quatro e cinco iremos explorar a liberdade religiosa como um
direito humano de primeira geração e sua aplicação na Constituição Federativa do Brasil
de 1988. Desse modo, desejamos investigar se a Carta Magna brasileira é capaz de
proteger, efetivamente a liberdade religiosa no Brasil.
420
No tópico seis, analisaremos a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal a respeito da liberdade religiosa e a relacionaremos com a jurisprudência da
Corte Europeia de Direitos Humanos. O objetivo fundamental nesta ocasião será extrair
o entendimento do STF e definir se ele está em consonância com os parâmetros
adotados pelas cortes internacionais.
Por fim, concluiremos nossa pesquisa respondendo a todas as indagações feitas
nesta introdução, bem como indicaremos as perspectivas para o futuro da liberdade
religiosa de refugiados no Brasil com a edição da Lei 13.445/2017, sem perder de vista
o panorama internacional.
1. Breves notas acerca da história dos Direitos Humanos
O Estado e a religião trabalharam juntos na estruturação das sociedades
modernas. No mundo antigo imperava o caráter simbolista, onde o pertencimento a um
grupo advinha da crença em mitos e estórias em comum. Porém, com o florescer das
civilizações modernas, há a ruptura com o pensamento mítico, e, a partir desse
momento, a religião assume o papel de forjar a identidade coletiva de povos com origens
culturais distintas para que fosse possível criar unidade em Estados recentemente
criados, bem como para legitimar o poder dos soberanos1.
No entanto, com o advento do iluminismo e das revoluções burguesas a religião
cedeu espaço para uma nova forma de unificação das nações, a Lei. Neste momento
histórico, passou-se a prezar mais por uma codificação que chancelasse direitos de
primeira geração do que ideais e princípios religiosos. De acordo com Habermas, em
seu livro Para a reconstrução do Materialismo Histórico:
Quando se afirmam na economia capitalista e no Estado Moderno formas
universalistas de relacionamento, a atitude em face da tradição judaico-cristã e
grego-ontológica sofre uma fratura de tipo subjetivo (reforma e filosofia moderna).
Os princípios supremos perdem o seu caráter de indubitabilidade; a fé religiosa e a
atitude teórica da formação de vontades político-morais são mais prejudicados por
uma ordem certamente fundamentada, mas colocada como absoluta. (HABERMAS,
1976, p.20)
Atualmente, o ideal de pertencimento de um indivíduo pode ser personificado
em diferentes faces, sentir-se parte de um grupo ou de uma nação pode significar uma
origem histórica em comum, bem como compartilhar dos mesmos ideais, idioma,
símbolos, causas ou da mesma religião. Todavia, nas palavras de Kalfamann, o
pensamento fundamental da igualdade republicana para todos se converte em exclusão,
na medida em que alguns imigrantes se sentem discriminados justamente porque suas
1 HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. P. 20 "A ulterior
passagem das grandes civilizações arcaicas para as civilizações desenvolvidas é marcada por uma ruptura
com o pensamento mítico. Nascem imagens cosmológicas do mundo, filosofias e religiões que substituem
as explicações narrativas dos contos míticos por fundamentações argumentativas.

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR