Vinculação das sociedades por quotas e anónimas: a falta de intervenção dos gerentes e administradores necessários para representar a sociedade

AutorJoão Pimentel; Adriano Squilacce
CargoAdvogados del Departamento de Direito Público a comtemcioso de Uría Menéndez (Lisboa)
Páginas103-107

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A problemática em análise

No presente artigo, propomo-nos tratar de uma problemática, com cariz eminentemente prático, relativa à vinculação das sociedades comerciais por quotas e anónimas, em razão da sua forma de representação.

Na celebração de negócios jurídicos e, em geral, nos actos perante terceiros, as sociedades comerciais, enquanto pessoas colectivas, são representadas perante terceiros por pessoas singulares, mais especificamente pelos respectivos administradores. Aliás, inclusivamente quando uma sociedade comercial é designada como administradora de uma sociedade anónima, aquela deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio.

Como decorre do Código das Sociedades Comerciais, a administração das sociedades anónimas e por quotas pode ser atribuída a um órgão unipessoal ou pluripessoal, sendo certo que, quando o capital social das sociedades anónimas exceda os € 200.000,00, a administração tem que, imperativamente, ser desempenhada por um conselho de administração composto por um mínimo de dois elementos.

No caso em que a administração das sociedades anónimas e a gerência das sociedades por quotas é exercida por mais do que um membro, coloca-se a questão de saber se, no âmbito dos negócios jurídicos que celebram, estas sociedades têm que ser representadas por um número mínimo de gerentes ou administradores. Na sequência da resposta a esta questão, importa averiguar quais as consequências de a sociedade não estar representada por este número mínimo de gerentes ou administradores, designadamente, se essa sociedade está, ou não, vinculada ao negócio jurídico irregularmente concluído.

Quadro legal

Nos termos dos artigos 261.º e 408.º do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades por quotas e anónimas ficam vinculadas pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos seus gerentes ou administradores, salvo se o contrato de sociedade dispuser de forma diversa. No caso particular das sociedades por quotas, o pacto social poderá fixar, para o efeito, um número inferior ou superior à maioria dos administradores, enquanto que, no caso das sociedades anónimas, a derrogação da regra legal supletiva apenas pode implicar que a sociedade seja representada por um número de administradores inferior à maioria.

Em face destas disposições legais, a questão que nos propomos tratar seria, aparentemente, de evidente solução, já que seria pacífico que a irregularidade na representação das sociedades por quotas e anónimas, por falta de intervenção do número mínimo de administradores, daria origem à ineficá-Page 104cia do negócio celebrado, enquanto sanção típica aplicável aos casos de um acto ter sido praticado com falta de poderes de representação.

No entanto, esta conclusão pode não ser tão líquida, atento o disposto no n.º 1 dos artigos 260.º e 409.º do Código das Sociedades Comerciais, nos termos do qual os actos praticados pelos gerentes ou administradores, «em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade».

A controvérsia

Em face deste quadro legal, coloca-se o problema de saber se uma sociedade se pode considerar validamente vinculada caso o número de gerentes ou administradores que intervenham num determinado negócio seja inferior ao número previsto, para o efeito, na lei ou no pacto social (e que necessariamente limita a actuação, de per se, de cada gerente ou administrador). A questão de saber se esta circunstância é, ou não, oponível a terceiros, ou por estes invocável, é fortemente controvertida quer na doutrina, quer na jurisprudência.

Por um lado, uma corrente mais clássica defende que, caso a sociedade esteja incorrectamente representada, o negócio é ineficaz para com esta. Este entendimento é defendido por autores como António Pereira de Almeida (Sociedades Comerciais, Lisboa, 2006, páginas 370 e ss.), Miguel Pupo Correia (Direito Comercial – Direito da Empresa, Lisboa, 2005, página 249) e Alexandre Soveral Martins (Problemas do Direito das Sociedades, «Capacidade e Representação das Sociedades Comerciais», Coimbra, 2002, páginas 469 e ss.).

Por outro lado, uma corrente mais recente entende que a irregular representação da sociedade num determinado negócio jurídico é inoponível a terceiros, não podendo ser por estes invocada, pelo que, ainda que a maioria dos gerentes ou administradores – ou o número previsto no pacto social para o efeito – não intervenha no negócio, este é plenamente eficaz e vincula a sociedade. É esta a tese...

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