Brasil: Novas Formas de Comércio Internacional: O Comércio Eletrônico - Desafios ao Diretio Tributário e Econômico.

AutorIvo Teixeira Gico Junior
CargoAdvogado, bacharel pela Universidade de Brasília e mestre com honras pela Columbia University (EUA)
Páginas30

Novas Formas de Comércio Internacional: O Comércio Eletrônico - Desafios ao Diretio Tributário e Econômico.[1]

  1. O Comércio Eletrônico;

    1.1 Conceito;

    1.2 Objeto do Comércio Eletrônico;

    1.1.1 Bens;

    1.1.2 Serviços;

  2. O Impacto do Comércio Eletrônico na Economia;

  3. O Projeto de Lei da OAB sobre Comércio Eletrônico;

    3.1.1 O Documento Eletrônico como Meio de Prova;

    3.1.2 Assinatura e os Certificados Eletrônicos;

    3.1.3 O Endosso Eletrônico;

  4. Desafios ao Direito Concorrencial;

    4.1 O Terceiro Mercado e a Noção de Mercado Relevante;

  5. Desafios ao Direito Tributário;

    5.1 Internet: Tributar ou não tributar?;

    5.1.1 O Bit Tax;

    5.2 Comércio Eletrônico: Tributar ou não tributar?;

    5.3 Desafios Tributários no Direito Comparado;

    5.3.1 O Sistema Tributário Americano e o Sales Tax;

    5.3.2 O Sistema Tributário Europeu e o VAT;

  6. A OMC e o Comércio Eletrônico;

    6.1 Trabalhos em Desenvolvimento;

    6.2 GATT ou GATS: Um Dilema para os Países em Desenvolvimento;

  7. Conclusão;

  8. Fontes e Bibliografia

  9. Comércio Eletrônico

    1.1. Conceito

    Antes de iniciarmos é necessário que se tenha a exata noção do significado do termo comércio eletrônico, que orientará a nossa discussão.

    É importante aqui fazer uma distinção que nos parece óbvia, mas que não é observada pela maioria das pessoas que tratam do assunto. A Internet não é sinônimo de comércio eletrônico, e o comércio eletrônico não é sinônimo de Internet. A Internet é um meio de comunicação, assim como o rádio, o telefone e a televisão. O comércio eletrônico é o comércio realizado através de computadores, cujo principal meio é a Internet. Se eu me conecto diretamente de casa ao computador do meu banco, não utilizo a Internet. Se me conecto à Internet para pesquisar páginas pessoais, não realizo ato de comércio. Um não depende do outro, apesar de estarem intimamente ligados.

    Mas o que é comércio eletrônico então? Estabelecer uma definição do que ele venha a ser não é uma tarefa muito simples. Existem inúmeras visões do que ele venha a ser, sendo que nenhuma delas é necessariamente errada, são apenas reflexos de uma mesma realidade. Em geral as definições se preocupam muito com a forma através do qual ele se realiza, uma vez que é o novo meio que o caracteriza. No ETF Report[2], de 1996, a seguinte definição foi utilizada:

    A general term applied to use of computer and telecommunications technologies, particularly on an inter-enterprises basis, to support trading in goods and services. Electronic commerce uses a variety of technologies such as EDI, e-mail, facsimile transfer, electronic catalogues and directory systems.

    Dada as inovações que vêm surgindo desde aquela data, o AUSTRAC[3] propõe que a ênfase seja transferida para a convergência das tecnologias da computação e das telecomunicações, ajudando na condução dos negócios. De forma sucinta, seria 'the creation and management of relationships between buyers and sellers, facilitated by an interactive and pervasive medium'. Esta noção é bastante ampla e muito mais abrangente que a de varejo eletrônico.

    Para as questões econômicas e tributárias, o termo pode trazer novas questões. De acordo com Marco Aurélio Greco[4], 'o termo 'comércio¿ utilizado na expressão 'comércio eletrônico¿ é equívoco pois abrange, a rigor, dois tipos distintos de atividade. Uma, tipicamente comercial, consistente nos negócios jurídicos mercantis que tenham por objeto bens corpóreos e que correspondam ao impulsionamento de mercadorias em relação ao consumo; outra, de pertinência 'comercial¿ é dúbia por abranger também as prestações de serviço realizadas num ambiente eletrônico'.

    É verdade que quando nos referimos ao termo comércio eletrônico, estamos a nos referir tanto ao comércio de bens, quanto ao comércio de serviços. No tocante ao primeiro problema, de que o comércio trabalha com bens corpóreos, não concordamos com a objeção pelo simples fato de que o comércio sempre trabalhou com mercadorias, e esta noção, como veremos adiante, opõe-se à de serviço na medida em que este é processo e aquele ente de existência própria objeto de escambo (comércio). Os bens comercializados eletronicamente podem ter existência própria, independente do espírito humano, como diria Gaio, por isso, alguns deles podem ser caracterizados perfeitamente como mercadoria, logo, passíveis de comércio.

    Já quanto ao segundo problema, de que também se estaria incluindo os serviços, concordamos parcialmente com a impropriedade, mas, feita essa ressalva, não achamos de maior importância, uma vez que a própria Organização Mundial do Comércio fala em comércio de serviços, quando se está no âmbito do GATS. Além disso, quando se estabeleceu o programa de trabalho sobre comércio eletrônico, para fins de análise, ao termo incorporou-se um significado muito mais amplo que este; para a OMC, o 'comércio eletrônico' referiria-se à produção, distribuição, marketing, venda ou entrega de bens ou serviços por meio eletrônicos[5].

    Na legislação tributária americana, o termo comércio eletrônico significa 'any transaction conducted over the Internet or through Internet access, comprising the sale, lease, license, offer, or deliver of property, goods, services, or information, whether or not for consideration, and includes the provision of Internet access'. É o que está escrito no Internet Freedom Act, section 1104, (3).

    De qualquer forma, assim como fez o supra mencionado autor, quando nos referirmos ao termo comércio eletrônico, estaremos trabalhando com o comércio de bens e serviços realizado por meios eletrônicos.

    1.2. Objeto do Comércio Eletrônico

    Como dissemos anteriormente, o termo comércio eletrônico tanto pode abarcar o comércio de bens quanto o de serviços. É importante, pois, analisarmos, ainda que brevemente, as características de cada uma dessas vertentes e os respectivos problemas potenciais que podemos enfrentar.

    1.2.1. Bens

    Para o Direito, tudo que tem relevância jurídica para as pessoas é um bem, algo a ser preservado e protegido, é um bem jurídico. Tradicionalmente, distingue-se os bens em corpóreos e incorpóreos. Os corpóreos seriam os bens dotados de corpo, assim pelos menos, era a maneira mais fácil de explicá-los, uma vez que os incorpóreos eram bens criados pelo Direito, como o ius utendi, fruendi e abutendi, direitos em última instância. O que está por detrás dessa distinção é a idéia de que o que existe no mundo dos fatos, ente real, e tem relevância para o Direito, seria um bem corpóreo, e o que existisse apenas no mundo das idéias, mas relevante para o Direito, ente espiritual, decorrente da ratio humana, seria um bem incorpóreo. Em última análise, a distinção entre um e outro se daria pela existência independente.

    Este é o entendimento de Direito Privado de bem. Já mercadoria, é um conceito diverso e traz consigo um elemento importante, que é a mercancia. Mercadoria é a coisa objeto da atividade de mercancia. Se é comercializado, é mercadoria. Se uma barra de ouro é enterrada e nunca colocada no mercado, ou seja, nunca foi ofertada ou atuou como elemento de uma relação de troca ou outro ato mercantil, jamais poderá ser considerada uma mercadoria, pois nunca lhe foi atribuído tal valor. A mercadoria não é uma qualidade inerente ao ente, mas atribuída a ele pelo interesse humano. Não existe uma definição ontológica de mercadoria, mas apenas teleológica. O problema se põe em se determinar o que seja coisa hoje em dia.

    No entanto, nem todos concordam conosco. Marco Aurélio Greco[6] entende que mercadoria poderia significar: 1) certas coisas com algumas qualidades específicas (mobilidade, corpóreo, tangibilidade, etc.), retomando a classificação de Gaio; 2) todo o bem que seja negociado por um comerciante ou que seja objeto da mercancia; e 3) tudo aquilo que seja objeto de um determinado mercado.

    No primeiro conceito, encontramos uma confusão entre a noção de bem corpóreo e mercadoria. Como dissemos acima, não concordamos com uma classificação ontológica de mercadoria, para nós, só é possível fazer uma abordagem teleológica. No segundo conceito, que nos parece mais apropriado, temos a vinculação da noção de mercadoria com a atividade mercantil. Seria mercadoria tudo aquilo que fosse objeto da atividade mercantil. O problema dessa definição, segundo o autor, é condicionar a qualidade da coisa à de um dos sujeitos. Por último, a terceira posição seria um conceito meramente econômico, uma vez que condicionado à existência de um determinado mercado.

    Obviamente, a adoção de qualquer uma dessas posições traz consigo conseqüências diversas. Na realidade, para o tema que aqui tratamos, a questão mais importante é como diferenciar uma mercadoria de um serviço. Até que ponto um é ato e o outro é fato? E quais as conseqüências para o direito tributário da classificação de um e de outro.

    Para encerrar este tópico, tratemos da questão de diferenciação de bens e serviços no comércio eletrônico. Esta questão era pacífica quando se falava apenas em mercadorias corpóreas (logo, bens corpóreos) e serviços como atividade humana (logo, emprego de força de trabalho). Agora, com as facilidades eletrônicas surgiram alguns dúvidas sobre o liame de distinção entre um e outro.

    O software foi o primeiro elemento causador deste problema. Seria ele uma mercadoria ou um serviço? A posição que vem sendo adotada pelo STF[7], e que nos parece ser muito acertada, é a de que o programa de prateleira, vendido como mercadoria, padronizado, deve ser encarado e tratado como uma mercadoria qualquer; já o programa encomendado deve ser encarado como serviço, pois nele o que há de mais relevante é a contratação de programador para a realização de um serviço, que redundará no programa personalizado. Se nos utilizarmos desse paradigma para raciocinarmos qualquer outro caso de comércio eletrônico, cremos que ele será de fácil solução.

    Tudo que pode ser digitalizado pode ser objeto de comercialização por meios eletrônicos. Tanto mercadorias quanto serviços. Assim, uma música quando comercializada na forma de um arquivo, que é...

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