Apontamentos sobre o regime geral dos organismos de investimento coletivo

AutorRita Xavier de Brito - Manuel Cordeiro Ferreira
CargoAbogados del Área de Mercantil de Uría Menéndez (Lisboa)
Páginas139-146

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O novo regime geral de organismos de investimento coletivo

Por ocasião da transposição parcial da Diretiva n.º 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativo (a chamada «AIFMD», da sigla inglesa correspondente), e da Diretiva n.º 2013/14/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, que a alterou, foi aprovada a Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (a «Lei 16/2015»), que procedeu à revisão do regime jurídico dos organismos de investimento coletivo, no qual foi ainda incorporado o regime dos fundos e das sociedades de investimento imobiliário.

O acervo legislativo passou, assim, desde a data de entrada em vigor da Lei 16/2015, a contar com um único diploma legal no qual é regulado o regime dos organismos de investimento coletivo, tendo, porém, o legislador optado por manter em legislação especial a regulação dos organismos de investimento em capital de risco, dos fundos de empreendedorismo social e organismos de investimento alternativo especializado, dos fundos de pensões, dos fundos de titularização de créditos, dos fundos de gestão de património imobiliário, dos fundos públicos destinados ao financiamento de sistemas de segurança social e de regimes de pensões de reforma.

Em virtude da aprovação do regime geral dos organismos de investimento coletivo, foram revogados o Decreto-Lei n.º 63-A/2013, de 10 de maio, que até à entrada em vigor da nova lei continha o regime jurídico dos organismos de investimento coletivo, bem como o Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de março, conforme alterado, que regulava o regime dos fundos de investimento imobiliário. Por seu turno, a CMVM, seguindo o caminho do legislador no sentido da unificação dos regimes dos organismos de investimento coletivo e dos fundos de investimento imobiliário, aprovou um novo regulamento que abrange ambas as matérias – o Regulamento da CMVM n.º 2/2015, que entrou em vigor no dia 18 de julho de 2015 – tendo sido revogados o Regulamento da CMVM n.º 5/2013, relativo aos organismos de investimento coletivo e comercialização de fundos de pensões abertos de adesão individual, e o Regulamento da CMVM n.º 8/2002, relativo aos fundos de investimento imobiliário. De resto, algumas das matérias anteriormente reguladas neste último regulamento foram diretamente acolhidas pela Lei 16/2015, como é o caso do regime dos organismos especiais de investimento imobiliário.

No que aos ativos objeto do investimento diz respeito, a Lei 16/2015 assenta na dicotomia entre (i) os organismos de investimento em valores mobiliários, i.e. e tal como definido no art.º 2.º do regime geral aprovado pela Lei 16/2015 (por comodidade

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de redação e de leitura, de ora em diante os artigos referidos sem menção expressa ao respetivo diploma devem ter-se por referência ao regime geral aprovado pela Lei 16/2015), os organismos abertos cujo objeto exclusivo é o investimento coletivo de capitais de investidores não exclusivamente qualificados em valores mobiliários ou outros ativos financeiros líquidos identificados na Lei 16/2015 e que cumpram os limites nela previstos (também conhecidos por «fundos harmonizados», por serem regulados a nível comunitário pela Diretiva 2009/65/CE, a chamada «Diretiva UCITS», conforme alterada); e (ii) os organismos de investimento alternativo, que são os demais, a saber, os organismos de investimento coletivo em ativos mobiliários que, quando abertos, não se subsumam naquela definição, os organismos de investimento imobiliário e os organismos fechados de investimento em ativos não financeiros.

As alterações introduzidas pela Lei 16/2015 são múltiplas e abrangem matérias de todas as etapas dos organismos de investimento coletivo, desde a constituição à liquidação e extinção destes organismos. Seria impossível fazer neste curto artigo uma resenha de todas essas alterações, pretendendo-se tão-só salientar algumas das alterações que chamaram a nossa atenção e que aqui partilhamos.

Antes de entrarmos na análise de algumas das alterações materiais introduzidas pela Lei 16/2015, detemo-nos brevemente na ordem sistemática do diploma e nas dificuldades que a mesma coloca.

A sistematização do regime geral
Razão: a evolução do conceito de organismo de investimento coletivo e o alargamento do âmbito dos organismos de investimento alternativo

O conceito que a Lei 16/2015 reconhece de organismos de investimento coletivo - «as instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à pros-secução do exclusivo interesse dos participantes» - já se encontrava no regime jurídico aprovado em 2013.

No entanto, conforme descrevemos acima, até à publicação da Lei 16/2015, a abordagem à regulamentação das várias figuras que hoje em dia foram expressamente acolhidas no regime geral era atomística, porquanto cada categoria de «organismo» ou «instituição» de investimento coletivo estava sujeita a uma legislação própria, pouco ou nada sistematizada entre si. Esta sistematização, ou falta dela, propiciava uma inconsistência, tanto dogmática como prática, entre regimes.

A própria CMVM o reconheceu e, nessa medida, desde pelo menos 2013 que o regulador já tinha vindo a admitir que o caminho passaria pela aprovação e publicação de um «Código do Investimento Coletivo». Com maior ou menor sucesso, parece-nos que este objetivo foi substancialmente atingido com a Lei 16/2015.

Sem prejuízo da manutenção de regimes especiais, o que preserva alguma disfunção na sua aplicação prática, o «regime geral» é, de facto, «geral». Aliás, este propósito de unificação e sistematização não será alheio à própria mudança de designação de «regime jurídico» para «regime geral». A forma de o atingir passou pelo alargamento expresso do conceito de organismo de investimento alternativo, que passou a incorporar formalmente um conjunto de tipos de organismos ou instituições, dos quais alguns passaram a ser regulados diretamente pelo regime unificado da Lei 16/2015 (caso dos organismos de investimento imobiliário), outros mantiveram-se sujeitos a regimes especiais, embora tentativamente mais articulados com o regime geral (caso dos organismos de investimento em capital de risco ou os fundos de pensões).

Análise crítica

Como vimos, a consolidação num único diploma legal dos regimes que se encontravam previamente dispersos em distintos diplomas teve como propósito a harmonização dos regimes aplicáveis aos organismos de investimento coletivo, pretendendo-se desta forma eliminar a...

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